quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

De volta: O Haiti nosso de cada dia

Muita gente no Brasil sabe que minha volta ao Haiti se deu "meio contra a minha vontade"...
Não, isso não é verdade... voltei porque quis... Mas não queria tanto quanto antes...
De volta, começo a constatar, com certa irritação que todos têm teorias sobre o Haiti, inclusive eu mesmo, e cada um quer provar, quase sempre com dados empíricos, que está coberto de razão.
O Haiti não tem solução... "Eles" são diferentes de "nós"... "Eles" são assim mesmo... "Temos que ensiná-los"... Eles não estão "prontos para a civilização"...
Sim... Ouço por aqui coisas de arrepiar até um evolucionista empedernido... A diferença está presente e o mundo colonial está aqui com toda a sua força...
Há as teorias mais elaboradas, é claro, mas o senso comum grosseiro se resume a isso: uma grande divisão: o "Nós" civilizado e o "Eles" bárbaros...
Será possível que em pleno século XXI, depois de Lévi-Strauss declarar peremptoriamente, bárbaro é quem acredita na bárbarie, que o mundo insista em acreditar em algumas formas de distinção e, por que não dizer, de exclusão que se sustentem nesta forma de pensar?
Deixem o Haiti em paz. Partam daqui toda a cooperação e ajuda humanitária, a Minustah e todas as ongs... O que será do Haiti? Não sei, mas será uma excepcional chance de provar que qualquer divisão desta ordem é um acinte contra qualquer humanismo possível.
Estou irritado com os estrangeiros do Haiti, e neles me incluo, porque exotizamos o que é tão natural em qualquer lugar do mundo, porque aqui queremos achar o "exótico" e o "primitivo". O Haiti não tem nada de especial e, por isso, é muito especial... Ele apenas nos permite olhar para nós mesmo com menos condescendência, permite-nos sermos um tanto mais cruéis com o que chamamos "civilização". No Haiti as feridas estão abertas e sangrando, enquanto em nossas casas escondemos sob a cicatriz nossas carnes podres... No Haiti não, a ferida pudenda está exposta...
Quem admite olhar as suas próprias feridas? Suas mazelas e suas podridões?
Ninguém...
Azor e seu Rasin Mapou cantam: Boukman, w pa fè Bwa Kaiman pou donne peyi nan men étranger. Peyi sè pa nou. (Boukman, você não fez Bois Caiman para entregar o país nas mãos dos estrangeiros. O país é para nós)
Será????
Abraço