tag:blogger.com,1999:blog-23306886615777789362023-11-15T23:56:27.659-08:00Ayïtian NuvelsDiário eletrônico de um estudante de Antropologia no Haiti.Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.comBlogger62125tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-12056836356607213802010-01-16T19:55:00.000-08:002010-01-16T19:57:08.703-08:00Carta aberta aos colegas da Unicamp<meta equiv="Content-Type" content="text/html; charset=utf-8"><meta name="ProgId" content="Word.Document"><meta name="Generator" content="Microsoft Word 11"><meta name="Originator" content="Microsoft Word 11"><link rel="File-List" href="file:///C:%5CUsers%5CGENIMA%7E1%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtml1%5C01%5Cclip_filelist.xml"><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> </w:Compatibility> <w:browserlevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel> </w:WordDocument> </xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml> <w:latentstyles deflockedstate="false" latentstylecount="156"> </w:LatentStyles> </xml><![endif]--><style> <!-- /* Style Definitions */ p.MsoNormal, li.MsoNormal, div.MsoNormal {mso-style-parent:""; margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:12.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-fareast-font-family:"Times New Roman";} @page Section1 {size:595.3pt 841.9pt; margin:70.85pt 3.0cm 70.85pt 3.0cm; mso-header-margin:35.4pt; mso-footer-margin:35.4pt; mso-paper-source:0;} div.Section1 {page:Section1;} --> </style><!--[if gte mso 10]> <style> /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:10.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-ansi-language:#0400; mso-fareast-language:#0400; mso-bidi-language:#0400;} </style> <![endif]--> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Prezados Colegas,</p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Eu deveria dizer que estou chocado com a atitude da Embaixatriz Roseana Aben-Athar Kipman, especialmente por tê-la conhecido de perto e trabalhado com ela no Centro Cultural Brasil Haiti, o mesmo local em que ela se negou a prestar apoio a vocês. <o:p></o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">A verdade, no entanto, é que esta atitude e as coisas que ela pode ter dito sobre o Haiti e os haitianos em nada me espantam. E como os colegas disseram, sinto-me envergonhado por ela. <o:p></o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">A descrição feita na postagem anterior corrobora perfeitamente com aquilo que presenciei ao longo do tempo que permaneci junto à Embaixada do Brasil no Haiti. E o tal assessor Paes Leme, pelo visto, está apenas cumprindo seu papel de tapar um buraco e encobrir uma ação para mais de vergonhosa de pessoas a quem eu mesmo recomendei que os colegas procurassem, imaginando que através da Embaixada, do Embaixador Igor Kipman e de sua esposa, tivessem a acolhida obrigatória devida a todo brasileiro que se encontra no exterior.<o:p></o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Ontem, ao conversar com amigos que estão no Haiti, confesso ter ficado tenso e envergonhado ao saber que a ordem dada pela embaixada era de impedir o acesso dos alunos da Unicamp e do meu amigo Pedro Braun, como eu pesquisador do Museu Nacional. Não conseguia entender qual era o princípio que governava tal atitude. Perguntava-me por que o Embaixador e Embaixada do Brasil estão fazendo isso?<o:p></o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Fiquei imaginando as cenas de filmes como "Killing Fields", quando os cidadãos estadunidenses acorreram à sua Embaixada Nacional, deixando de fora milhares de cambodjanos desesperados.<o:p></o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Cortei a imagem e transferi para a nossa embaixada no Haiti, negando a cidadãos brasileiros o mínimo de apoio que estes solicitavam: um local seguro para dormir enquanto decidiam o que fazer diante do quadro aterrador moldado por este terremoto.<o:p></o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Novo corte, e retorno a cena, descrita como "debochada" ou como "fofoca de blog" por um assessor mal informado, que tem a obrigação de defender o indefensável, posto que a cena se desenrolasse diante de uma dúzia de testemunhas, além do grupo de pessoas do grupo da Unicamp, parte interessada. Neste novo corte revejo a Embaixatriz Roseana cercada por 4 ou 5 fuzileiros, armados com pistolas 9 mmm e duas sub-metralhadoras, depois de atravessar a cidade numa Nissan Patrol Blindada, bem vestida com seus cabelos presos num coque para trás, ostentando uma grossa corrente de ouro no pescoço. <o:p></o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Não, não posso duvidar dos colegas da Unicamp. Com todo respeito, de quem pôde conviver com a Embaixatriz Roseana, é o que vejo. E fico envergonhado, porque fui eu mesmo quem confiou meus amigos pesquisadores a ela, de quem eu não esperava uma ajuda baseada privilégio da amizade, que ela tantas vezes exaltou que devotava a mim, mas o simples cumprimento dos direitos destes cidadãos brasileiros.</p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Estou triste, envergonhado e decepcionado.</p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Peço aos meus colegas da Unicamp desculpas por ter-lhes sugerido que entrassem em contato com a Embaixada. E junto ao meu pedido de desculpas vai també o pedido de minha colega e amiga Normelia Parise, diretora do Centro Cultural Brasil Haiti, que se empenhou no sentido de possibilitar que eles pudessem ser atendidos pela Embaixada, e simplesmente relatou-me não conseguir entender o que se passava naquele momento, pois não conseguia entender como numa situação como aquela pudesse haver algum tipo de atitude mesquinha e leviana como aquela assumida pelo comando de nossa Embaixada no Haiti. </p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Abraços do colega,</p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">José Renato Baptista</p> <p style="font-family: georgia;" class="MsoNormal">Antropólogo, Doutorando em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ</p> Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-16932595680083196702009-07-02T19:29:00.000-07:002009-07-02T20:37:03.143-07:00Pretensão e água benta, um pouco de cada<div style="text-align: justify;font-family:georgia;">Eis que me visita novamente o anônimo, que descubro, faz uma defesa apaixonada dos militares...<br /><br /><span dir="ltr">"<span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic;">Anônimo</span></span></span><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic;"> disse...</span></span></div><p style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic;">Amigo meu:</span><br /><br /><span style="font-style: italic;">Concordo com você: discordamos.</span><br /><br /><span style="font-style: italic;">Concordo com você: nem tudo que reluz é ouro.</span><br /><br /><span style="font-style: italic;">Concordo com você: existem muitas verdades sobre o Haiti e ninguém as conhece integralmente.</span><br /><br /><span style="font-style: italic;">Concordo com você: existem realmente muitas perguntas no ar e o povo haitiano não se pronunciou de forma definitiva e/ou clara.</span><br /><br /><span style="font-style: italic; font-weight: bold;">Concordo com você: defendo a MINUSTAH enquanto vertente militar e enquanto Brasil.</span><br /><br /><span style="font-style: italic;">Concordo com você, discordando</span></span>."</p><span style="font-family:georgia;">Deixa beijos...</span><br /><div style="font-family: georgia; text-align: justify;"><br /><br /></div><span style="font-family:georgia;">Devo admitir que é arrogante demais afirmar, como fiz nas última postagens, que as pessoas não entendem nada disso aqui. De outro lado, porém, nunca disse que eu sei a verdade e por isso posso acusar a sua ignorância a partir de uma autoridade discursiva construída por estar aqui </span><span style="font-style: italic;font-family:georgia;" >"vendo as coisas de perto"</span><span style="font-family:georgia;">, como o meu caro(a) anônimo. Isso também vale para as críticas que faço aos debates promovidos pelos movimentos de esquerda e pelas centrais de movimentos sociais, onde, curiosamente, assumo a defesa da MINUSTAH, não pelas suas virtudes intrínsecas, mas por reconhecer que há também avanços e passos importantes que foram dados a partir desta missão.</span><br /><br /><span style="font-family:georgia;">Uma amiga costuma dizer que eu faço sempre o papel do advogado do Diabo. Eu forneço todos os argumentos para convencer que a MINUSTAH deve sair do país. Dez minutos depois de convencer as pessoas, eu começo um discurso em direção contrária, problematizando esta saída e defendendo a permanência das tropas. Não é verdade. A única verdade é que evito chegar a conclusões definitivas, pensando que o quadro é muito mais complexo do que possam supor as nossas melhores palavras de ordem e discursos. Para um lado e para outro.</span><br /><br /><span style="font-family:georgia;">Procuro dividir-me então entre ingerir doses de pretensão sociológica e me purificar com água benta, fazendo um jogo dialético entre uma posição e outra, sem nunca ficar em cima do muro. Na verdade, tomando parte nos dois lados da questão, porque a vida real é mais matizada que o preto e o branco.</span><br /><div style="text-align: justify;font-family:georgia;"><br />Volto-me então para a mensagem deixada pelo anônimo: <span style="font-style: italic;font-family:georgia;" >"o povo haitiano <span style="font-style: italic;">não se pronunciou de forma definitiva e/ou clara"</span></span>. Será?<br /><br />As manifestações recentes não são uma manifestação clara de insatisfação com a MINUSTAH? A viatura queimada, o incidente da Catedral, a ausência num processo eleitoral que excluiu a principal força política do país... Não seriam sinais de algo vai errado?<br /><br />Ok, senhor(a) Anônimo, mas como vejo o senhor(a) não tem o hábito de enxergar as coisas processualmente, vê apenas o preto no branco: Sou (mais) MINUSTAH e Sou (mais) Brasil... É um ponto de vista dos mais respeitáveis, mas ao mesmo tempo há pessoas no Brasil que não enxergam essa missão com a sua complacência patriótica, mas com um olhar crítico e necessário. Um olhar que permite compreender que houve um erro grosseiro dos nossos "soldados da paz" ao atirar em direção aos manifestantes. E que militares, como seres humanos que são, erram, e por estarem imbuídos de um poder, as armas, que civis não dispõe, tem uma responsabilidade ainda maior quanto a estes erros.<br /><br />Conversava com um colega e ríamos às gargalhadas de como policiais e militares tem ainda o que aprender com civis, especialmente no que tange às manisfestações e passeatas, atos de caráter político. Em primeiro lugar, falta-lhes entender que, em princípio, toda manifestação é pacífica. Ninguém vai para uma passeata armado. Isso é um fato dito por um militante com mais de 25 anos de experiência e com longa tradição familiar nisto. Nós sabemos quando vamos às ruas, especialmente porque há mulheres, jovens, às vezes idosos, que não temos nem armas para confrontar policiais ou exércitos. Dirão alguns que militantes do MST ou de outros movimentos camponeses faziam suas manifestações munidos de foices, enxadas e facões... É verdade, mas será que estes objetos não são instrumentos de trabalho destes manifestantes? Dirão então que eu sou ingênuo ou cínico pois ouso dizer que estes instrumentos são usados de forma pacífica. Não, eles também não são só instrumentos de trabalho. São instrumentos de defesa sim. Claro que sim. Policiais vem com gás lacrimogêneo, cassetetes, balas de borracha, mangueiras d'água, escudos e capacetes, às vezes (quase sempre) com armas de fogo. Nós temos as nossas convicções, as pedras do chão, paus e o que mais estiver ao alcance das mãos. Nós tentamos entrar nos lugares, ocupar (as ruas) e resistir. Eles tentam nos impedir e para isso usam todos os meios necessários. Eles obedecem ordens, nós agimos segundo as nossas convicções, as nossas pulsões e paixões.<br /><br />Há momentos em que o confronto é inevitável...<br /><br />Sim, já vi coisas impressionantes... Um dos caras mais pacíficos e tranquilos que conheço, na época da privatização da Vale do Rio Doce, revoltado com a violência da polícia, que nos expulsou dos arredores da Praça XV, no Rio, que nos caçou impiedosamente naqueles dias quentes no Centro do Rio de Janeiro: vários colegas de diversos movimentos e universidades foram varridos pelas ruas até o Largo de São Francisco, onde fica o IFCS, onde estudávamos. Naquele dia, na batalha campal travada nos arredores da Praça XV, um dos mais moderados e pacíficos militantes que já conheci (até hoje ele é assim) saiu catando pedras portuguesas e lançando-as contra os policiais. Exagero? Depende... De onde partiu o exagero? De nós é que não foi. Prepararam uma verdadeira barricada em torno da Bolsa de Valores do Rio. E, embora tenhamos ocupado de maneira pacífica, cantando e conversando o espaço, fomos expulsos na base da porrada e com bombas de gás lacrimogêneo. Diz o poeta: a praça é do povo, assim como o céu é do condor. Naquele dia fomos expulsos da praça, queríamos as ruas, fomos expulsos das ruas. Um momento, as forças públicas estatais não estão ali para me proteger e servir?<br /><br />Mas como digo sempre, tudo é uma questão de ponto de vista...<br /><br />O problema é que estas tropas estão sempre prontas para exagerar no uso da força. Afinal, como disse, o monopólio do uso da força pertence ao Estado. Mas o Estado deve representar os cidadãos e se estes vão às ruas se manifestar, cabe ao Estado garantir-lhes este direito, não? Não, as máquinas de repressão dos Estados estão montadas para garantir-lhes a sobrevivência a todo custo, à revelia da vontade dos cidadãos.<br /><br />Processos eleitorais devem garantir uma representação legítima da sociedade no Estado...<br /><br />A quem representam os atuais senadores do Haiti, o seu presidente, a classe política?<br /><br />Quem então controla a força que o Estado usa sobre os indivíduos e coletividades?<br /><br />Ouço relatos da ação firme da MINUSTAH nos bairros populares de Port au Prince. Várias apreensões de drogas em bairros populares: maconha, normalmente nas mãos de usuários... Os caras recebem um treinamento no Brasil para estourar bocas de fumo em favelas cariocas e chegam no Haiti brincando de "Capitão Nascimento"... Francamente, se essa é a vertente brasileira, ela caiu muito de qualidade em relação aos contingentes anteriores. Pelo menos essa é a percepção de alguns interlocutores que vem destes bairros populares.<br /><br />Meu anônimo insiste em falar em "verdades"...<br /><br />O que é a verdade, senão a versão consagrada ou oficial de um fato?<br /><br />Por falar em militares, pergunto ao meu anônimo se ele assistiu o filme "Zuzu Angel". A versão oficial da ditadura militar é que Stuart Angel nunca esteve em nenhuma unidade militar, no entanto, um "traidor da pátria" resolve abrir o jogo, contar o que viu preso em um quartel . Stuart Angel chega a ser julgado e absolvido numa auditoria militar, sem nunca ter sido preso segundo constava nos arquivos de unidades militares. Uma comédia mal dirigida por coronéis da linha dura. Infelizmente, para estes, a coisa vaza através de um deles, que resolve, por razões pessoais e egoísticas, contar o que viu. Zuzu Angel denuncia, corre atrás, vai a todo canto buscar quem lhe ouça. Acaba morta em um "acidente". Qual a verdade que nos interessa contar? A da ditadura ou a da família destas duas vítimas da ditadura?<br /><br />Qual a verdade que nos interessa contar no incidente da Catedral? A que suja as mãos dos nossos "soldados da paz" com o sangue de um manifestante ou a que diz que este morreu por causa de pedradas?<br /><br />Não quero convencer meu caro anônimo de nada, quero apenas que ele reflita, como eu faço, pensando que não se trata de uma questão nacionalista, mas de uma questão mais profunda que diz respeito à humanidade. Que concerne ao respeito à condição humana e à autonomia e liberdade de um povo.<br /><br />A Missão da ONU veio ao Haiti para evitar uma crise social violenta e um massacre indiscriminado de pessoas como houve em Ruanda, por exemplo. Ela não está aqui para matar haitianos. Quando ela começa a fazer isso, esta missão precisa ser repensada. É nisso que meu anônimo precisa pensar.<br /></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-18580890395599159692009-07-02T09:24:00.000-07:002009-07-02T17:01:41.298-07:00O verdadeiro brilho falso do ouro dos tolos<div style="text-align: justify;"><span style="font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Desde pequeno ouço a frase "Nem tudo que reluz é ouro"...<br /><br />Quando era criança, fui algumas vezes à Rio Bonito, na casa de uma grande amiga de minha mãe a quem chamávamos de tia. Ela era irmã do marido da irmã de meu pai - isso me remete às classificações e diagramas de parentesco - e, com efeito, chamávamos seus filhos de primos. A casa era um pequeno sítio, com uma pequena horta e uma oficina - o marido dela, que não chamávamos de "tio", mas de "seu" Nelson, era mecânico. Havia ainda algumas cabras e muitas galinhas daquelas que damos nome e, crianças, choramos quando vamos comer.<br /><br />Ao lado do pequeno sítio havia um barranco com grandes valas formadas pela erosão da chuva. O barranco, com sua terra avermelhada e com grande quantidade de pedras e cascalho, era um local perfeito para explorações e brincadeiras de criança. Encontrávamos pequenos cristais de quartzo e grandes pedaços de malacacheta, que faziam a nossa alegria infantil se tornar sonhos de riqueza: estávamos encontrando diamantes e pedras preciosas. O verdadeiro brilho daquelas pedras embalava nossas brincadeiras com falsas esperanças de encontrar riquezas. Porém, nem tudo que reluz é ouro.<br /><br />As recentes postagens deste blog apresentam uma crítica um tanto feroz à MINUSTAH. E entendo que os defensores de "outras facetas" desta missão se sintam ofendidos. Para eles é como se eu não reconhecesse essa importância. Pode ser...<br /><br />Por outro lado, aprendi que o monopólio legítimo da força deve pertencer ao Estado, e que este é um dos sinais de soberania deste Estado. Aprendi também que o Estado é a representação da sociedade, e para alguns contratualistas, inclusive, é através do Estado que indivíduos abrem mão de seus interesses pessoais em favor da coletividade, e que este contrato social estabelece uma igualdade entre os seus signatários. Logo, é no interior deste Estado, representante dos interesses coletivos, que grupos de indivíduos disputam entre si o controle da sociedade. Toda essa discussão teórico-política tem um objetivo claro, explicar àqueles que se dizem "do lado da verdade" (e como efeito, do lado da MINUSTAH), que esta missão não chega aqui por acaso e que ela tem objetivos e interesses definidos, interesses estes que não chegam nem um pouco perto dos interesses de maioria da população haitiana.<br /><br />Subestimam a inteligência deste povo, aqueles que pensam que basta dar-lhes comida e pronto! Está resolvido o problema. Pensar que este povo é composto de "gente que vive num estado de animalidade", que "não atingiram ainda o estágio de desenvolvimento da civilização", "que são como bichos" e, por isso, "precisam ser alimentados, adestrados e preparados para a civilização", que "eles estão ainda em um estágio onde ainda são puro instinto e por isso se matam como animais", entre outras observações que traduzem uma visão preconceituosa, redutora e racista do povo haitiano.<br /><br />Concordo, porém, que soa pretensioso demais alguém julgar que enxerga mais do que os outros. E esse é o brilho do ouro dos tolos. Portanto, se devo dizer algo diferente é que todos se iludem com o brilho verdadeiro do ouro falso, e creem estar enxergando muito mais do que os outros do lugar de onde olham. Porém, alerto quaisquer de meus interlocutores para este momento de auto-crítica, citando Marcelo D2, "eu não estou 100% certo, mas você está totalmente errado" se não se esforçar em fazer também uma auto-crítica.<br /><br />Vamos então discutir aquilo que meus interlocutores chamam de "fatos"...<br /><br />Fiz um esforço para retroceder ao ponto de chegada da missão da ONU ao país: um golpe de Estado orquestrado pelas Embaixadas locais de EUA, França e Canadá e uma força de segurança provisória formada por estes três países. O sequestro do presidente do país, democraticamente eleito e com o apoio da maioria da população pobre do país, e sua suposta "renúncia" assinada numa situação de sequestro - onde parece ser óbvio estão reduzidas as suas opções de escolha: "ou assina, ou (a gente te) ass(ass)ina". Antes disso, é importante ressaltar, um quadro de crise social, com conflitos armados, o que supunha a necessidade de uma intervenção que evitasse uma crise mais aguda com violações dos direitos humanos e um quadro de profunda instabilidade. Vejam bem que tal quadro ainda não havia se definido, embora se desenhasse, a necessidade de uma intervenção se fez como medida preventiva.<br /><br />Os "poderes instituídos", no caso o governo provisório pós-golpe, solicita a intervenção das Nações Unidas. Desembarcam aqui, "a pedido do governo local", os "casque bleu" da ONU para estabilizar o país. Realizam-se eleições, e René Preval não chega a atingir o total acima de 50% que garantiria sua vitória no primeiro turno, o que obrigaria a realização de um segundo turno, o que é exigido pela constituição do país. Uma bem orquestrada ação de diplomatas e de governos do continente americano, muito bem conduzida pelo nosso Brasil, garante a posse de Preval, atropelando a norma constitucional. Preval, que reconhece que sua chegada ao poder pela segunda vez (na primeira, esta se deu sob os auspícios do hoje "leproso" Aristide) se deve a este esforço da "comunidade internacional", renova o mandato da Missão da ONU.<br /><br />Custa tão caro, portanto, aceitar que diversos aspectos desta Missão da ONU se dão à revelia da população? Que não são os interesses do "povo" que estão em jogo, mas que diversas articulações entre elites de extração variada e interesses diversos estão em jogo nesta missão?<br /><br />O que tenho apontado é isso. Não é cansaço, como disse, é a constatação clara de que, não se pode defender infinitamente esta missão, porque os seus pressupostos fundadores subestimam a capacidade deste povo de gerir suas crises, na verdade, como tenho insistido, colocam os haitianos numa condição subalterna, onde estes precisam ser tutelados. Poder-se-ia insistir que não há tutela posto que a missão obedece uma demanda de governos locais.<br /><br />A atual Primeira Ministra, Michelle Pierre-Louis, publicou em 2008 um interessante artigo na revista do Institut Français d'Haïti, "Conjonction", falando que nos últimos 16 anos o país teria sido palco de pelo menos 15 missões das Nações Unidas, com diferentes mandatos, entre elas a atual missão, a MINUSTAH, que já está no país desde 2004. Creio que ao chegar ao posto de Primeira Ministra, tal como fizera um famoso intelectual brasileiro que chegou à presidência da república, Mme. Pierre Louis deva ter dito para que esquecêssemos tudo o que ela escrevera. A questão que ela propunha com o texto era discutir até onde o país realmente poderia ser autônomo e desenvolver processos gestionários a partir de si mesmo, um vez que fosse constantemente palco de diversas missões que subtraem o poder do Estado em favor de outrem. Em outras palavras, se as missões da ONU "estabilizam", porque estes processos não se traduzem numa longa duração? Talvez, a resposta é exatamente aquela que venho sugerindo aqui: as missões da ONU, a despeito de todo o seu caráter humanitário, elas pecam por um grave reducionismo: não estão preocupadas com a realidade local, mas com os modelos prontos que eles tem que trazer e implantar nos locais onde atuam.<br /><br />Pensar que a ação de indivíduos isolados pode trazer efeitos positivos para esse tipo de missão me parece uma espécie de "jogo do contente" de Poliana. Concordo, porém, que não se deva jogar o bebê fora junto com a água do banho. O que penso, porém, vai mais longe e diz respeito ao caráter deste tipo de missão. E, isto, insisto, passa por considerar "certa incapacidade dos povos atendidos por estas missões". Apenas para ilustrar, uma vez conversando com um funcionário do UNFPA (Fundo de Populações das Nações Unidas), que vinha pela primeira vez ao Haiti, falávamos sobre o país e ele me disse que já conhecia muito sobre o Haiti, pois estudara em seu doutorado os "état faible". Fiz uma rápida analogia, contando a história de um país que elegera seu presidente em eleições fraudadas, o Estado não garantia saúde e nem educação a todos os seus cidadãos, que se tratava de um país marcado por clivagens de diversas ordens, e que este país era considerado uma das mais fortes e importantes democracias do planeta. Ele perguntou de que país falava, disse-lhe que me referia à primeira eleição de George Bush Jr. à presidência dos EUA e ninguém nunca discutira se este país é um "état faible". Disse, enfim, que este tipo de conceito, de caráter normativo não era útil para pensar o Haiti. Esta conversa, no entanto, dá a dimensão de como a vertente civil das Missões da ONU pensa suas intervenções no mundo.<br /><br />Nem tudo que reluz é ouro...<br /><br />Quando estamos diante de um Estado que não detém o monopólio legítimo da violência, transferindo este para forças estrangeiras, responsáveis por garantir a segurança pública, creio se tratar de um caso interessante onde a soberania deste Estado se encontra nas mãos de outrem, e podemos dizer duas coisas: ou este Estado não representa a sua sociedade ou esta força é um "corpo estranho" colocado entre esta sociedade e este Estado, criando tensões irreconciliáveis. Explico.<br /><br />Esse "corpo estranho" não está ligado aos interesses colocados por este Estado, mas a interesses acima deste, referidos à "segurança hemisférica". Ora, isso que dizer que este poder militar não está submetido ao poder deste Estado e muito menos aos interesses desta sociedade, mas a uma espécie de "deus ex-machina" que se coloca acima dos problemas e questões localizadas para decidir, de maneira olímpica, o rumo desta sociedade e sua relação com o Estado.<br /><br />Quando o soldado imprudente atira em direção a uma massa que se manifesta, supostamente, de maneira pacífica à saída de uma missa (algo em comum com o assassinato do estudante Édson Luís no Calabouço e a reação da tropa ao povo que saía da missa em sua homenagem na Candelária?), não se trata de um erro individual isolado. Este ato reflete duas coisas, dois pressupostos: o primeiro, a total ignorância e desconhecimento sobre a população, baseada em informações estereotipadas e, por vezes, terrivelmente equivocadas, vindas de "especialistas" em cultura e povo haitiano. A falta de informação qualificada e correta induz a percepções equivocadas sobre o povo local, percepções baseadas em preconceitos das mais variadas ordens e que se traduzem em certas ações e julgamentos. O segundo, é que tal ignorância e desconhecimento tem raízes históricas e estão, no caso do Haiti em especial, ligadas a um conjunto de preconceitos e idéias constituídas ao longo de dois séculos de história do país, que colocam estes países que são alvo de missões da ONU numa espécie de "não lugar", particularmente dado, que lhes transforma em excrescências do mundo moderno: eles não deveriam existir. Porém, uma vez que estes "não lugares" existem, como lidar com eles? Eis a questão.<br /><br />O problema é que mesmo os especialistas em relações internacionais acabam operando com teorias normativas e, com efeito, não se ocupam de pensar estes "não lugares", mas de enquadrá-los dentro de suas teorias, sem perceber que sua própria condição de "não lugar" é fruto de uma relação com algum "lugar" dado. E que, é possível, pensar que "não lugares" não são uma condição, mas de fato uma relação entre coisas, pessoas, Estados, sociedades, etc. que está em relação com "lugares" que também são relações entre coisas, pessoas, Estados, sociedades, etc., um jogo permanente que opõe as coisas umas às outras e que forma redes e configurações. Logo, se o Haiti é o que é, não é somente por suas "características intrínsecas" ou pela sua "natureza", ou ainda, o "espírito de seu povo", mas decorre de relações e de um sistema de relações internacionais que engendra "Haitis", "Rwandas", "Congos", etc., como partes de um sistema colonial que ainda persiste. Como disse sabiamente Omar Thomaz, professor da Unicamp, em conversas particulares, há no Haiti uma espécie de "persistência da história". O mundo pós-colonial existe, então, como uma relação dada no plano histórico-temporal, mas também no plano concreto da existência cotidiana, em relação a um mundo colonialista.<br /><br />Porém, como "nem tudo que reluz é ouro", penso também que posso estar me iludindo com o brilho tão verdadeiro de elaboradas discussões intelectuais, forjadas sobre falsos dilemas, transformando, como uma criança, pequenos cristais de quartzo e grandes blocos de malacacheta em tesouros incríveis sem valor algum.</span><br /></span></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-897819757175188392009-07-01T14:37:00.000-07:002009-07-02T17:15:52.642-07:00Não, eu não estou irritado e nem cansado... Apenas estou enxergando melhor<meta equiv="Content-Type" content="text/html; charset=utf-8"><meta name="ProgId" content="Word.Document"><meta name="Generator" content="Microsoft Word 11"><meta name="Originator" content="Microsoft Word 11"><link rel="File-List" href="file:///C:%5CUsers%5CJOSREN%7E1%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtml1%5C01%5Cclip_filelist.xml"><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> </w:Compatibility> <w:browserlevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel> </w:WordDocument> </xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml> <w:latentstyles deflockedstate="false" latentstylecount="156"> </w:LatentStyles> </xml><![endif]--><style> <!-- /* Font Definitions */ @font-face {font-family:Georgia; panose-1:2 4 5 2 5 4 5 2 3 3; mso-font-charset:0; mso-generic-font-family:roman; mso-font-pitch:variable; mso-font-signature:647 0 0 0 159 0;} /* Style Definitions */ p.MsoNormal, li.MsoNormal, div.MsoNormal {mso-style-parent:""; margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:12.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-fareast-font-family:"Times New Roman";} @page Section1 {size:595.3pt 841.9pt; margin:70.85pt 3.0cm 70.85pt 3.0cm; mso-header-margin:35.4pt; mso-footer-margin:35.4pt; mso-paper-source:0;} div.Section1 {page:Section1;} --> </style><!--[if gte mso 10]> <style> /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:10.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-ansi-language:#0400; mso-fareast-language:#0400; mso-bidi-language:#0400;} </style> <![endif]--> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12pt;"><i style=""><span style=";font-family:Georgia;font-size:10;" ><span style="font-size:85%;">"Sobre o incidente em frente ao Palácio você tem interlocutor previlegiado.
<br />
<br />Porquê nào o busca para saber a verdade e o que está sendo feito para comprová-la pra o grande público?
<br />
<br />Você está cansado fisicamente. Isto é um fato. Até que ponto isto influencia a sua observação apaixonada deste país que amamos?"</span>
<br /></span></i><span style="font-family:Georgia;">
<br />Escreveu um anônimo no meu blog...<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12pt;"><span style="font-family:Georgia;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">Ok. Em primeiro lugar, teríamos que qualificar aquilo que chamamos de verdade. Uma das verdades incontestáveis é que o sujeito que foi morto em frente à Catedral de Port au Prince tomou mesmo um tiro. Outra verdade é que parece que nossos "Soldados da Paz" atiraram mesmo em direção aos "manifestantes" que saíam de uma (perigosa?) missa na Catedral de Port au Prince, uma celebração aparentemente pacífica à morte de uma liderança popular, o Padre Jean Juste.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br />Ainda que eu duvidasse disto ou mesmo que estivesse enganado, creio que meu cansaço nada tem a ver com o meu juízo sobre os fatos.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br />Quanto à minha irritação, bem ela talvez seja um fato, mas não decorre do cansaço, decorre por exemplo, de ouvir de outro interlocutor privilegiado que, realmente, do ponto de vista militar esta missão é marcada pela coragem e pela decisão no agir do comando brasileiro, o que é visto em termos de missões da ONU como algo positivo, sendo que, no entanto, do ponto de vista dos direitos humanos (isto não se refere de modo absoluto à intervenção brasileira, mas à missão como um todo), esta missão apresentaria falhas graves. Portanto, não acho que esteja faltando com a verdade quando faço as minhas críticas a esta missão, mas apenas apresento o meu ponto de vista, sem patriotadas exageradas.
<br />
<br />Militares tem grande dificuldade em aceitar os seus erros. Uma vez conversando com um oficial das forças armadas, este se recusava a aceitar que houve uma ditadura e que esta ditadura matou e torturou pessoas. E quanto a tortura este dizia apenas que ela existe em todo lugar. Ora, suponho que a partir disto esta pessoa não veja defeito em torturar alguém, se for por um bom motivo. A velha máxima de Maquiavel, "os fins justificam os meios" (<i>fica aqui uma pergunta: como se define um "bom motivo" para justificar a tortura?). </i>Quanto à ditadura, ele me dizia que foram realizadas eleições. O que ele esquecia de dizer é que, em 1978, quando o partido da ditadura perdeu as eleições, eles criaram senadores e governadores "biônicos", garantindo assim a eleição do candidato militar nas eleições indiretas para presidente, João Figueiredo. Eis o que os militares daquela época chamavam de democracia. Isso mudou? Espero... História. O que isso teria a ver com a presente discussão? Esclareço.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br />Errar é humano. Eu erro, ainda bem. Não sou perfeito. Mas não "falseio com a verdade," porque "verdade" pode ser um ponto de vista. O meu é esse, doa a quem doer. Não tenho compromisso algum com as Nações Unidas e nem com os militares brasileiros que estão aqui, senão alguns laços de camaradagem com algumas pessoas que penso serem boas pessoas. Seria mais honesto e sensato reconhecer erros e corrigi-los. No entanto, isto parece ser difícil, não parece ser a prática nas missões de paz da ONU. Eu não confundo, porém, as coisas. Sobretudo porque pessoas que vivem aqui como eu e um comentador deste blog, que me critica por apresentar o meu "ponto de vista antropológico", uma delegação de haitianos foi ao Congresso Nacional demandar de nossos senadores a retirada do Brasil da MINUSTAH. Acho que este é um argumento bem mais "verdadeiro" que o meu e de meu simpático comentador e crítico, posto que venha de haitianos insatisfeitos com a situação do país e a presença da ONU aqui.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br />Ou não, é apenas mais um ponto de vista que deve ser considerado. A única coisa que "meu ponto de vista antropológico" faz é considerar todos os demais pontos de vista, sem assumir o meu como "único e verdadeiro" sobre esta questão. Meu comentador também não considera o pressuposto deste blog: são relatos impressionistas. Eu não sou jornalista, nem porta-voz de ninguém. Meu amigo e grande intelectual Fred Coelho tem exaltado exatamente isto na <i>net</i>: sua capacidade de oferecer diversos pontos de vista. Aqueles que criticam o meu, terão todo espaço aqui mesmo para apresentar o seu. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br />
<br />Quando analiso uma situação, eu não olho para indivíduos. Para mim estes não existem, senão quando inscritos em configurações sociais. E o que vejo aqui é sempre uma maneira de reduzir os haitianos a uma condição de inferioridade. Daí o título da postagem: Alteridade Redutora. Sim, porque há um pressuposto que a diferença é sempre entendida em termos qualitativos. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br />Não ignoro as virtudes da "Ajuda Humanitária" e das "boas intenções" destas missões. Espanta-me, no entanto, ao conversar com pessoas que participaram de outras intervenções da ONU em outros lugares do mundo, perceber exatamente isto: estes povos são incapazes de se governar, governemos por eles. Uns exaltam o fato da ONU em algumas missões ter assumido o Estado, e por isso ter garantido a condução do processo de democratização e estabilização com mais eficácia. Outros destacam o fato de que alguns povos "vivem mergulhados na barbárie e na falta de democracia", como se o modelo democrático pudesse realmente garantir que as coisas "melhorem" no país. Melhorem para quem "cara pálida"?<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br />Os processos de estabilização da ONU visam exclusivamente garantir que as elites locais retomem o poder e garantam o desenvolvimento de um modelo que nem sempre é aquele que estes povos desejam. E insisto, a única coisa que me faria defender a permanência da ONU aqui é para evitar que os EUA tomem isso aqui, como fizeram no início do século XX. O povo fica de fora destes processos, como ficou de fora das eleições "democráticas" realizadas aqui. Ouvi dizer: melhor haver eleições ruins do que não haver eleições. Pergunto de novo: "Melhor" para quem "cara pálida"?<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br />Sim, levar alimentos para quem tem fome é importante, e destaco que se não fosse a presença da ONU, muitos aspectos da cooperação não poderiam existir simplesmente, porque não haveria condição disto chegar ao país, conforme disse em postagem anterior:</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /><span style="font-family:Georgia;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Georgia;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i style=""><span style=";font-family:Georgia;font-size:10;" ><span style="font-size:85%;">"De outro lado, como seria realmente possível a nossa presença aqui, digo, nós "os bem intencionados paladinos da verdade" críticos desta visão estereotipada, mas nem um pouco menos comprometidos com a necessidade de uma "estabilidade" que nos permita ao menos estar aqui? Eis a suprema contradição... Sem a missão da ONU não haveria a segurança mínima necessária para este esforço de internacionalização de nossa antropologia, e no mesmo pacote, outras coisas: o desenvolvimento de um novo perfil para a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores, a internacionalização de nossas organizações não governamentais, a expansão continental de nossas empresas... Ou seja, ambiguidades e contradições de processos desta ordem."(Ayitian Nuvels, segunda-feira, 22 de junho de 2009)</span></span></i></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /><i style=""><span style=";font-family:Georgia;font-size:10;" ><o:p></o:p></span></i></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-family:Georgia;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">Não percebe meu interlocutor que estou incluído entre os “<i style="">bem intencionados paladinos da verdade” críticos (ferozes, incluo) desta visão estereotipada.</i> E que, apesar do meu cansaço, ao qual ele atribui as minhas críticas que falseiam a verdade, eu reconheço <i style="">“as ambiguidades e contradições de processos desta ordem”</i>. Pergunto eu, estaria meu interlocutor anônimo preparado para lidar com suas ambiguidades? Espero que sim.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /><span style="font-family:Georgia;"></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">Portanto, quando falo destas missões da ONU, não tenho a ousadia de achar que estou certo, mas me vejo no direito de criticar aquilo que chamo de "desvio original" das missões de paz: o seu caráter colonialista e redutor dos povos.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /><span style="font-family:Georgia;"></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">Ouço muito por aqui as pessoas de várias partes do mundo, sobretudo de países da Europa, apontarem o Brasil como uma potência mundial emergente. O "país do futuro" estaria se tornando uma realidade presente? Não sei... O meu pesadelo, no entanto, é ver que este país pode cometer o mesmo erro de potências anteriores, mas sobretudo, cometer o erro de ignorar seu próprio passado e suas contradições e agir como os velhos países colonialistas. Já ouvi de alguns estudantes haitianos a crítica ao Brasil, referindo-se a possível ranços imperialistas. Estarão eles errados? Não estaremos nós cegos e inebriados com o poder, querendo guiar aqueles que julgamos cegos?</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /><span style="font-family:Georgia;"></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">Este é o meu pressuposto. Não é defender e nem apresentar a verdade. Quanto mais conheço esse país, quanto mais vivo nele e leio sobre ele, menos tenho a pretensão de dizer que conheço algo. Temo que alguns, enganados pelo brilho do ouro dos tolos, achem que realmente são especialistas na cultura e no conhecimento sobre este povo.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /><span style="font-family:Georgia;"></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family:Georgia;">
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"></p>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-55690053788017469452009-06-24T06:46:00.000-07:002009-06-24T21:38:35.834-07:00Alteridade redutora ou cegos guiando outros cegos em meio à escuridão<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;font-family:georgia;" >É possível que toda esta irritação seja mesmo decorrente de meu cansaço e de minha vontade de voltar para casa. Pode ser que não. Pode ser apenas a constatação de que as pessoas que vieram das mais diversas partes do mundo para "ajudar a estabilizar e desenvolver o Haiti" não entendem absolutamente nada sobre relações humanas. Ou melhor, estes entendem mas apenas de uma maneira</span><span style="font-family: georgia;"> de pensar que opera com uma redução do "outro" a um "inferior". Em minhas primeiras aulas de antropologia aprendi uma fórmula que até hoje repito como uma máxima que permita compreender as formas de tratamento das diferenças culturais: </span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;"><span style="font-weight: bold;">não confundir <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_0">alteridade</span> com <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_1">inferioridadade</span></span></span><span style="font-family: georgia;">.</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Em primeiro lugar, a simples <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_2">ideia</span> de que alguém venha de algum lugar para outro "ajudar alguém" já supõe algo um tanto estranho. Sim, porque pressupõe alguém que tem "necessidades" e que alguém venha "atender" estas. Pressupõe uma "falta" de um lado, do lado de quem recebe, e a "abundância" do lado de quem doa. Pressupõe, enfim, "força" de um lado, e "fraqueza", do outro.</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Este jogo de palavras não e apenas um jogo, mas exprime uma relação de poder. Há, enfim, um lado que tudo pode, dotado de toda potência de fazer, de realizar coisas, e um lado desprovido de qualquer poder, de qualquer autonomia. Há de um lado, tudo, de outro nada. Não há cultura, não há linguagem, não há nada. Há um vazio que será preenchido com "cultura", "educação", "desenvolvimento", "democracia". Estamos diante de relações que transformam qualquer diferença em uma relação de <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_3">subalternidade</span>.</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Conversando com alguns membros da Missão da ONU é fácil perceber que esta relação não se refere especificamente ao Haiti, mas a todos os lugares onde se encontram as missões das Nações Unidas. Militares e civis chegam a estes países imbuídos de "nobres valores <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_4">civilizatorios</span>" e encontram "populações mergulhadas no obscurantismo e em tradições culturais inúteis que impedem a chegada do desenvolvimento". Nunca o ideal iluminista da civilização esteve tão presente, e creio que nem mesmo no século XIX, nos processos de colonização da África e Ásia deste período, pudéssemos encontrar uma visão tão redutora da diferença como esta que os modelos de intervenção humanitária colocam. Na verdade, revestido deste verniz "humanitário" encontramos a pior forma possível de colonialismo, escondido sobre camadas de boas intenções.</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Comentam estes mesmos que estes povos "não querem ser ajudados", "não estão prontos para democracia", "não são racionais". Com estas afirmações, sustentadas pelas suas vastas experiências ao redor do mundo com os mais variados povos, estes "agentes da civilização" especializam-se em teorizar sobre "a influência do clima no desenvolvimento dos povos", constatando que as zonas quentes do mundo são menos desenvolvidas antes em função da abundância de meios, mas também por uma preguiça <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_5">crônica</span> destes povos. Percebem que as culturas tradicionais são um empecilho para o desenvolvimento de novas técnicas de produção "mais racionais". Que estes povos se recusam a aceitar uma educação para o desenvolvimento pois encontram-se apegados aos seus costumes tradicionais. Um caminhão de preconceitos e estereótipos que desembarca junto aos bem intencionados "soldados da paz". Não bastasse apenas tal caminhão desembarcar, é ele que orienta os laços entre estes agentes e a população local. Há pouco ou nenhum esforço em compreender que a diferença cultural não se processa em termos qualitativos.</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Essa <span class="blsp-spelling-corrected" id="SPELLING_ERROR_6">ideia</span> de estar se relacionando com alguém que é (naturalmente?) inferior é ainda mais cruel que aquelas relações coloniais do século XIX, que se sustentavam em teorias racistas e num arraigado <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_7">etnocentrismo</span>. Não, agora, pelo contrário, eles são "humanos" como nós e, de fato, eles são "até" movidos pelos mesmos princípios. Mas seu estado de confusão mental e seu atraso <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_8">crônico</span> impedem eles de pensar de maneira racional e coerente. A perversão é mais perigosa ainda, pois eles são "iguais" porque partilham de uma mesma essência que nos faz humanos. O problema é que "eles ainda não nos alcançaram". Nós somos, de alguma forma, sempre melhores do aqueles a quem ajudamos...</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Enquanto for este o pressuposto de qualquer <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_9">ação</span> humanitária coordenada pelas Nações Unidas, todas as missões da mesma natureza que esta missão de estabilização no Haiti estão condenadas a um <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_10">fragoroso</span> fracasso.</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Estranho o fato de que as missões da ONU impedem qualquer vínculo entre seus integrantes e a população local, que não seja no âmbito de relações de trabalho. Logo, você tem que trabalhar com o povo, mas não pode se envolver com eles. Envolver-se significa conhecer sua cultura, seus hábitos, sua maneira de ser, imiscuir-se na vida <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_11">cotidiana</span> destas pessoas. Como ajudar alguém que não conheço?</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">O pressuposto da ajuda humanitária, porém, é a impessoalidade... Sim, não há relações entre pessoas, mas entre sujeitos (aquele que doa ou que ajuda) e <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_12">objetos</span> (aquele que recebe ou é ajudado). A impessoalidade é tal que não se deve conhecer o nome ou a vida das pessoas, senão quando necessário...</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Eis então o ponto... Como um cego, alguém que não enxerga o outro como sujeito, mas como um <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_13">objeto</span>, aquele que não pode ver o outro, pode tentar guiar este outro por algum caminho?</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Na verdade, os povos "ajudados" não estão, nem um pouco cegos, pelo contrário, enxergam perfeitamente e com o passar do tempo cada vez melhor. O problema é que aqueles que querem guiar estes povos, estes sim, são <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_14">cronicamente</span> cegos: sua cegueira não lhes permite ver sua própria estupidez e sua ignorância. Reputam a estes povos uma cegueira e ignorância que não existe senão neles mesmos. Porém, estes insistem em afirmar que sabem o caminho e em apontar as saídas.</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Não sei como e nem quando, mas sei apenas que se não mudarem os pressupostos destas "Missões de Paz" ou "Ajuda Humanitária" o mundo caminha invariavelmente numa espiral de exclusão e de acirramento dos conflitos num prazo não muito longo...</span><br /><br /><span style="font-family: georgia;">Cuidado com o despertar dos povos colonizados. Uma vez houve um Haiti... Da segunda vez haverá centenas de milhares de <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_15">Haitis</span> <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_16">espocando</span> pelo "mundo civilizado" e desta vez não será possível conter o grito por dois séculos.</span><br /><br /><br /><span style="font-style: italic;"></span></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-54340502015241584702009-06-22T19:18:00.000-07:002009-06-22T23:30:05.784-07:00Por quanto tempo ainda? (Ou "Por (in)feliz (?) coincidência")<div style="text-align: justify;"><span style="font-family:georgia;"><span style="font-family:georgia;">No último fim de semana realizou-se o segundo turno das eleições senatoriais no Haiti. Estas eleições tem como objetivo completar o número de 30 (trinta) senadores no parlamento do país. Atualmente o Senado conta com apenas 18 senadores. Com a eleição realizada o número de senadores chegaria a 28, pois seriam eleitos 10 senadores, um para cada departamento do país. Faltariam exatamente dois: um, que fora cassado em virtude do problema da dupla nacionalidade, um debate fortíssimo no país, outro, por renúncia em virtude de problemas de saúde. Parece-me que o sistema político-eleitoral não prevê a existência de suplentes, que seria neste caso a solução para completar o número de senadores constitucionalmente previsto.<br /><br />Desta vez, por (in)feliz (?) coincidência eu não participei como Observador Internacional neste segundo turno.<br /><br />O quadro em que se realiza tal eleição, no entanto, está marcado por inúmeros conflitos e tensões. Ao contrário do primeiro turno, onde os incidentes ocorridos poderiam ser considerados fatos isolados, por uma (in)feliz coincidência, a semana que antecede as eleições foi marcada por inúmeros problemas e confrontos entre a Polícia Nacional Haitiana (PNH), as tropas militares da MINUSTAH e diferentes manifestantes. Confrontos que denotaram excessos de força por parte dos agentes responsáveis pela manutenção da ordem.<br /><br />É curioso que tal fato ocorra neste exato momento, quando fiz uma crítica aberta aos grupos de pressão que estiveram no Congresso Brasileiro pedindo a saída do Brasil da Missão da ONU. Devo, de fato, fazer um <span style="font-style: italic;">mea culpa</span>, pois as coisas até este momento não haviam chegado aos limites atingidos nas duas últimas semanas. Como diria o nosso presidente, "nunca antes na história desta missão" os conflitos com manifestantes de rua chegaram a este ponto. E mesmo no ano passado, quando os conflitos chegaram às portas do Palais National, não havia ocorrido nenhum episódio de excesso de violência contra manifestantes de rua. Neste caso, as tropas cumpriram seu mandato de garantir a segurança dos poderes instituídos. No momento atual, parece que houve excesso de força, o que vem gerando inúmeras críticas.<br /><br />Ouvi de um informante que estes problemas decorreriam do fato dos EUA (?) terem extra-oficialmente acesso (e "controle", segundo o mesmo informante) à PNH, e isto provocaria uma espécie de dupla entrada no comando: de um lado os agentes de polícia estadunidenses e de outro a Missão da ONU. A resposta poderia ser boa, não fosse o fato de que o excesso de força teria vindo dos soldados da MINUSTAH e, o pior de tudo, dos soldados brasileiros.<br /><br />Embora os desmentidos da porta voz da MINUSTAH afirmem que os soldados teriam atirado para o alto, no intuito de dispersar a turba, imagens recolhidas e divulgadas pelas TVs, que parecem estar disponíveis no Youtube, dão conta de que estes teriam atirado em direção aos manifestantes. Em contrapartida, a MINUSTAH afirma que os manifestantes estariam atirando pedras na direção dos soldados. Há também o fato de ter sido incendiada uma viatura da UNPOL (Polícia das Nações Unidas), força policial formada por agentes de vários países (inclusive do Brasil).<br /><br />Confesso que neste momento sinto-me em meio a uma guerra de versões no interior de uma central de boatos. Logo, meu <span style="font-style: italic;">mea culpa</span>, não é por uma suposta defesa da Missão da ONU no país e da liderança brasileira neste processo, mas por realmente, mesmo estando aqui e agora, ignorar o que está realmente acontecendo e ser tão impressionista quanto qualquer matéria (mal) escrita por jornais brasileiros, sem nenhum compromisso ético (sim, porque qual veículo de comunicação é confiável no nosso país?). Tenho (e sempre tive) inúmeras críticas a esta missão, mas sempre me pergunto o que ocorreria se a MINUSTAH saísse do país nos próximos seis meses. Aliás, temo sempre pelo pior, que seria uma intervenção direta dos EUA neste país, "em nome da segurança hemisférica".<br /><br />Aliás, este é o ponto que devemos reter no que tange esta missão: o que aconteceu entre a queda do Presidente Aristide e a chegada da Missão das Nações Unidas?<br /><br />Vamos retornar ao ano de 2004, quando uma aguda crise social atingiu o país, gerando intensos conflitos entre os poderes instituídos, o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide, e inúmeros setores da sociedade civil e movimentos sociais que se opunham a este governo. A crise insustentável gerou intensas clivagens que provocaram reações violentas de ambas partes. Acusa-se Aristide de ter se cercado dos chefes das gangues dos bairros pobres da capital do país, para resistir a uma eventual queda do poder. De outro lado, instrumentalizados por "forças ocultas" (leia-se os governos dos EUA, França e Canadá, insatisfeitos com Aristide) grupos diversos, incluindo grupos armados (como a "Armée Canibale" e o grupo de Gui Phillippe, que se organizou desde a República Dominicana, entrando no país pelo Plateau Central), estudantes (o movimento conhecido como "GNB") e um grupo de intelectuais e empresários (O grupo dos "184"), grupos que criaram um quadro de tensão social que "obrigou" uma intervenção de uma força internacional formada por (coincidência?) por Canadá, EUA e França, visando "evitar um quadro grave de violação dos direitos humanos" após a "renúncia" (segundo contam os partidários dos presidente deposto Aristide, forçada por um "sequestro" pelos <span style="font-style: italic;">marines </span>dos EUA) do Presidente. Seis meses depois, após a instalação de um governo provisório, em outubro, as Nações Unidas organizam uma missão humanitária/militar liderada pelas tropas brasileiras.<br /><br />Eis o quadro...<br /><br />Interessante é ver hoje, a Missão da ONU associar grupos que são, pelo menos no contexto em que se deu a queda de Aristide, antagônicos e de certa maneira, inimigos viscerais, como os estudantes e o Movimento Lavalas, partidários do presidente deposto. Ouvi de um militar que as manifestações dos estudantes estariam sendo fomentadas pelo Lavalas (sic). É bem verdade que a pauta dos estudantes parece um tanto ampla e difusa. Está referida desde questões internas da Université d'Etat d'Haïti, tais como o caráter elitista e conservador do curso de medicina, que excluiria os alunos de classes populares, qualidade de ensino, críticas aos professores que não teriam compromisso com a Universidade, passando pelos problemas econômicos do país e a votação da lei do salário mínimo, cujo valor hoje não ultrapassa US$ 50, e o projeto que tramita hoje aumentaria para algo em torno de US$ 150, até a retirada das tropas da ONU do país. No entanto, não vejo de maneira negativa tal pauta, exceto pelo fato de atirar em muitas direções e não possuir uma estratégia e um interlocutor definido: com quem o movimento dos estudantes está dialogando: com a direção da universidade? Com o legislativo? Com o executivo? Com o comando da Missão da ONU? Com todos estes ou com nenhum destes?<br /><br />Posso pecar por um excesso de pragmatismo, mas em um quadro institucional fraco, com uma grande dispersão das forças políticas, fico pensando nos efeitos práticos e na capacidade de obter vantagens ou vitórias de um movimento desta ordem, tão disperso e tão difuso, excessivamente localizado na capital do país, mais precisamente em uma única área: o Champ Mars e os arredores do Palais National. Um movimento que não conta nem com o apoio maciço da população, que aliás, exceto pelos incidentes ocorridos recentemente, se mantém indiferente a tal movimento.<br /><br />Ao mesmo tempo, começamos a perceber certo desgaste (e talvez, porque não, inutilidade) da Missão da ONU, que afinal não consegue resolver aquilo que veio fazer: "estabilizar o país". Afinal, o que quer dizer isso? Criar um clima favorável para que as elites políticas e econômicas do país criem um quadro de institucionalidade que permita o país "funcionar" com relativa "ordem"? A quem de fato interessa essa "estabilização" promovida pela ONU? Quem são os atores políticos que jogam este jogo?<br /><br />Não assumi, ainda, uma posição de total descrença em relação a presença da ONU no país, mas confesso que quanto mais se aproxima a hora de partir, um tanto mais desiludido, percebo que não há no horizonte possibilidade alguma de acreditar que as coisas sigam por um caminho que seja realmente bom para o povo do país.<br /><br />Um interlocutor que circula por altas esferas do país disse-me não ver grande vantagem na chegada de empresas brasileiras (leia-se, "empreiteiras"), que se especializaram em nosso país com o lucro fácil e com enriquecimento em larga escala. Aqui eles apenas farão mais dinheiro, julgando (como apostaram em lugares como Equador, por exemplo) numa liberdade absoluta para seus negócios. O que ganhará o Haiti com isso? Alguns empregos, empreendimentos, mais presença estrangeira, menos autonomia...<br /><br />Como fará o Estado haitiano para converter estas presenças estrangeiras, que vem ao país em busca do lucro fácil e da baixa tributação, em benefícios como saúde pública, escolas públicas, saneamento básico, água potável, entre outras coisas, para as população pobre do país? E qual o papel que a Missão da ONU desempenha neste cenário? Ela "estabiliza" para haver investimentos? Investimentos em quê? Infra-estrutura (estradas, redes de esgostos e água, geração de energia, etc.) para quem? "Vamos fazer o bolo crescer para depois dividir"? Dividir entre quem?<br /><br />Achei extraordinário o lançamento do livro de Jean Casimir, sociólogo haitiano, que fez pesquisa no Nordeste, na região da <span style="font-style: italic;">plantation</span>, sobre as elites do país: "Haïti e ses élites: un dialogue de sourds", onde analisa a formação das elites nacionais, desde os <span style="font-style: italic;">affranchis</span> do período colonial, e de seu papel como elemento amortecedor de tensões entre o poder colonial e os escravos <span style="font-style: italic;">bossales</span>, até o papel que aqueles desempenharão no processo de independência.<br /><br />O círculo então se fecha: desarticulação entre movimentos sociais, descompromisso das elites locais com o desenvolvimento social do país, intervenção estrangeira. Como se estas coisas vivessem um processo de retroalimentação que, como supôs o importante pesquisador que esteve no país nos anos 50, antes de Duvalier, não permitirá nunca que o país encontre uma saída sem que estas três coisas se articulem. Em outras palavras, o decano pesquisador disse com todas as letras que o Haiti não se levanta sozinho...<br /><br />Custo a crer...<br /><br />Não vejo, porém, saída... Só penso que a Missão da ONU não poderá ficar eternamente no país sem que isso represente o total fracasso do modelo de intervenção humanitária que este tipo de missão sugere. A ONU vai colecionando fragorosos fracassos em inúmeras partes do mundo, mostrando que o único papel que ela desempenha no mundo é o defender os interesses do Grande Irmão do Norte. Se a presença do Brasil nesta missão se reduzir a reproduzir o modelo consagrado, sem agregar algum tipo de valor, podemos dizer que este será um dos maiores erros da nossa política externa.<br /><br />Há, no entanto, outro lado. Se conseguirmos agregar valor, e fugirmos de velhos modelos imperialistas, mas estabelecermos um tipo de cooperação bilateral do gênero sul-sul, é possível que a missão, ao se desmilitarizar, traga possibilidades de construir um projeto realmente de desenvolvimento do país, não a partir de uma visão intervencionista, mas a partir do respeito às particularidades e aos processos históricos desta sociedade. Falta, entretanto, uma visão menos "civilizatória" a esta missão. A MINUSTAH não respeita e nem compreende nada sobre este país.<br /><br />Vejo claramente que todos que chegam ao país, apostam nos estereótipos e nas visões consagradas sobre o Haiti e seu povo: uma massa inculta e incivilizada. Desta maneira será impossível pensar em construir algo em conjunto com este povo. A idéia de <span style="font-style: italic;">barbárie </span>sempre permeia a visão deste <span style="font-style: italic;">outro </span>que supomos tão distinto e ao qual reputamos uma idéia de incapacidade ou de "infância mental", na ausência de um termo mais adequado. Na visão de algumas missões, ONGs e cooperantes "o Haiti não se desenvolve por sua absoluta incapacidade de se adequar aos modelos civilizatórios que nossas missões aqui propõem". A MINUSTAH não é nem um pouco diferente, aliás, na visão de seus militares e principalmente destes, este povo não é capaz de se governar e somos nós que vamos dar a eles os melhores instrumentos: a democracia, a cultura e o desenvolvimento.<br /><br />De outro lado, como seria realmente possível a nossa presença aqui, digo, nós "os bem intencionados paladinos da verdade" críticos desta visão estereotipada, mas nem um pouco menos comprometidos com a necessidade de uma "estabilidade" que nos permita ao menos estar aqui? Eis a suprema contradição... Sem a missão da ONU não haveria a segurança mínima necessária para este esforço de internacionalização de nossa antropologia, e no mesmo pacote, outras coisas: o desenvolvimento de um novo perfil para a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do Ministério das Relações Exteriores, a internacionalização de nossas organizações não governamentais, a expansão continental de nossas empresas... Ou seja, ambiguidades e contradições de processos desta ordem.<br /><br />Costumo dizer a todos meus interlocutores que o que há de mais significativo nesta experiência de pesquisa no Haiti e dar-me conta das contradições de nosso velho mundo, não porque elas sejam particulares do Haiti, mas são resultado de várias dimensões da experiência humana em todo este vasto planeta. O Haiti, como dizia a minha grande mestra Professora Lygia Sigaud, é um desafio ao pensamento, mas ao mesmo tempo ela dizia também: o que é que não nos desafia o pensamento?<br /><br /><br /><br /><br /></span></span></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-85310526963807986932009-04-25T10:30:00.000-07:002009-04-25T16:55:54.489-07:00O Pinhão Manso e o Biodiesel - A cura dos males do Haiti?<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: georgia;font-size:100%;" >Estive esta semana na Biblioteca Nacional e na Biblioteca da Instituição Religiosa Saint Louis Gonzague. Ambas são sempre citadas em bibliografias de obras sobre o vodu como grandes repo</span><span style="font-family:georgia;">sitórios da literatura etnológica do país. Ja estivera antes na biblioteca do Bureau de Ethnologie, fundado pelo escritor e etnólogo Jacques Roumain no início dos anos 40, que infelizmente se encontra em estado um tanto precário, apesar do bom conjunto de obras disponíveis.</span> <span style="font-family:georgia;"><br /><br />Entre os livros encontrados, achei "Mythologie Vodou (Rite Arada)" de Milo Marcelin (1949), onde há um excelente coleta de dados sobre os lôas do Rito Rada. Segundo a literatura, o vodu se divide em duas linhas pricipais, o rito Rada (ou Arada), dos </span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;">lwa ginnen </span><span style="font-family:georgia;">(lôas guiné), os ancestrais africanos e o rito Petro, que são os </span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;">lwas créole </span><span style="font-family:georgia;">(lôas créole), os lôas nativos do Haiti, as divindades originárias daqui. Num dos capítulos, Marcelin fala de </span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;">Ayizan Véléquete</span><span style="font-family:georgia;">, esposa de </span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;">Atibon Legba</span><span style="font-family:georgia;">, protetora e deusa das águas doces, também dos mercados, dos lugares públicos, portas e entradas diversas. Ayizan Velequeté é uma das divindades mais velhas, e já fora objeto de um culto particular, distinto dos demais lôas. Segundo Marcelin, antes de </span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;">bay manje lwa yo </span><span style="font-family:georgia;">("dar comida aos loas"), a comida deveria ser separada em duas metades iguais, uma das metades era destinada a Ayizan, a outra metade dividida entre os demais lôas. Afirma ainda que cada lôa tem um "</span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;">reposoir</span><span style="font-family:georgia;">", uma árvore que serve de residência para o lôa ou divindade. A árvore destinada a Ayizan é o </span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;">médicinier béni</span><span style="font-family:georgia;"> ou </span><span style="font-style: italic; font-family: georgia;">gwo metsyien </span><span style="font-family:georgia;">(Jatropha curcas L.). Traduzindo, a árvore destinada a Ayizan é o bem conhecido dos defensores dos biocombustíveis "Pinhão Manso".</span> <span style="font-family:georgia;"><br /><br />Esta semana num dos dois maiores jornais do país </span><a style="font-family: georgia;" href="http://www.lenouvelliste.com/article.php?PubID=1&ArticleID=69509&PubDate=2009-04-23"><span style="font-style: italic;">Le Nouvelliste</span> lançou uma matéria sobre a Jatropha, </a><span style="font-family:georgia;">que como todas as questões relacionadas aos biocombustíveis se encontra cercada de polêmicas, sobretudo por que </span><a style="font-family: georgia;" href="http://www.biodieselbr.com/destaques/2006/100-motivos-plantar-pinhao-manso-jatropha-curcas.htm">os defensores do biodiesel não cansam de apontar as vantagens do desenvolvimento destas tecnologias</a><span style="font-family:georgia;"> . </span> <span style="font-family:georgia;">Polêmicas a parte, isto me levou a uma conversa que tive ontem com um velho amigo sobre as saídas da crise haitiana. Falávamos das eleições e do beco sem saída em que o país parece estar metido. Este amigo acredita que é melhor mesmo que haja eleições, mesmo que ruins. Retorqui dizendo que eleições desta ordem servem apenas para deslegitimar o sistema representativo e denunciam a sua farsa, pois cada vez menos gente confia nos políticos e nas eleições.<br /><br />Este não é um fenômeno particular do Haiti, mas parece demonstrar a gravidade do problemas dos rumos da democracia representativa. Aliás, a democracia virou, pelo menos em casos como o haitiano, mera representação, no sentido de </span><span style="font-style: italic;font-family:georgia;" >encenação</span><span style="font-family:georgia;"> ou de </span><span style="font-style: italic;font-family:georgia;" >figurar como símbolo de algo</span><span style="font-family:georgia;">. Neste sentido, a democracia ocidental cada vez mais, ao invés de se fortalecer em processos como o iraquiano, afegão ou haitiano, vai perdendo legimitidade junto às populações locais e cedendo espaço para "outra coisa". Qual seria essa "outra coisa"? Meu amigo perguntou-me a resposta deste dilema, e qual seria a outra saída. Ou apenas lhe respondi que se soubesse, teria achado a chave da história da humanidade. O certo é que o "fim da história" sonhado pelos liberais dos anos 90 ou pelos comunistas de todas as eras ainda está bem longe, mas é certo também que em tempos recentes a democracia liberal pode estar começando a sofrer os seus mais fortes golpes: a primeira eleição de Bush nos EUA já afetara gravemente a credibilidade do sistema, e estas eleições no Haiti são outra prova. Como disse também ao meu amigo, se dissesse algo tão bombástico assim, ou eu seria um profeta iluminado, ou seria um grande mentiroso.</span><br /><br /><span style="font-family:georgia;">Entramos então numa discussão sobre o papel da comunidade internacional no Haiti e os projetos para o desenvolvimento do país. Parece claro que a saída consiste em garantir às comunas do interior do país a possibilidade de desenvolvimento, possibilitar o renascimento da vida camponesa no país. Somente, através da recuperação agrícola, da criação de oportunidades no campo para as pessoas é que será possível iniciar uma recuperação econômica do Haiti. O país é uma das maiores vítimas da crise alimentar. O declínio da produção rural decorre, sobretudo, da falta de uma política agrícola e da falta de competitividade da produção nacional contra os produtos alimentares importados. A crise ambiental agrava os efeitos do esvaziamento do campo e do inchaço das cidades: as pessoas saem das pequenas comunas do interior para as capitais departamentais e destas para Port au Prince. Depois de Port au Prince, como debatia com o amigo, a próxima saída era o aeroporto. O amigo então insistiu no fato de que, uma das formas de tirar dinheiro dos EUA seria exatamente o controle da imigração, através deste desenvolvimento local. Eu poderia até concordar, porém, não há tantos </span><span style="font-style: italic;font-family:georgia;" >boat people assim</span>... E embora altos, os investimentos estrangeiros no país, sobretudo aqueles vindos EUA, estes parecem não chegar ao interior do país.<br /><br />A constituição do país prevê uma descentralização econômica e administrativa. Esta, no entanto, está amarrada em interesses não muito claros dos sucessivos governos haitianos, que não possuem políticas para o desenvolvimento das outras regiões do país e concentram a aplicação de recursos na capital nacional. Nem mesmo as capitais departamentais recebem grandes investimentos.<br /><br />Entre as supostas virtudes da Jatropha, o nosso "pinhão manso", estaria o fato dele ser uma planta nativa, bem adaptada às condições ambientais desfavoráveis. Outras vantagens seriam as inúmeras possibilidades de seu cultivo em consórcio com outras culturas, algumas delas de produtos alimentares de alto valor agregado (açaí, palmitos diversos, gado, etc.). Seu sugestivo nome <span style="font-style: italic;">médecinier</span> e suas características de erva medicinal, utilizada em diversos fins, no tratamento de feridas e inflamações, como repelente natural de insetos, antiséptico, nos fazem perguntar se, de fato, ela não seria uma cura para os males do país...<br /><br />A preocupação dos críticos dos biocombustíveis é a criação dos grandes "desertos verdes", quando a monocultura pode não apenas expulsar as outras culturas, como reduzir a produção de alimentos e facilitar a concentração de terras, o que sem dúvida agravaria ainda mais os muitos problemas do campo no Haiti. De outro lado, há além da produção do biocombustível, os resíduos quando aplicados sobre biodigestores produzem gás, que pode ser utilizado para a geração de energia elétrica, um dos grande problemas do país. Panacéia?<br /><br />A sabedoria dos <span style="font-style: italic;">médsin fèyi</span> (médicos das folhas) e dos herdeiros dos conhecimentos tradicionais do vodu que cultuam este arbusto como um repositório de Ayizan, além dos grandes Mapous, quase extintos, que são a morada de <span style="font-style: italic;">Loco Atissou</span>, provocam uma reflexão sobre o lugar das plantas e vegetais nas religiões tradicionais. O vodu é uma religião que cultua a natureza, e cada vegetal, cada mata é uma <span style="font-style: italic;">habitasyon</span> de uma divindade, de um lôa, que deve ser preservado. Tal e qual o Brasil, onde as religiões tradicionais, afro-brasileiras e indígenas estão na vanguarda da luta pela preservação, aqui no Haiti o vodu pode ser o lugar deste despertar para a preservação dos <span style="font-style: italic;">mapous,</span> da busca de alternativas para um desenvolvimento sustentável do Haiti.<br /><br />Abraços a todos,<br /><br />Ansioso pela grande final, a terceira...<br /><br /><br /><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:georgia;"></span></span></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-63232439827560052602009-04-22T19:35:00.000-07:002009-04-22T20:14:26.675-07:00Casa abandonada...Quero me desculpar com todas as pessoas que vinham postando comentários no meu blog... A verdade é que a casa andou meio abandonada... <br /><br />É sempre meio difícil admitir certos momentos de esterilidade ou o simples fato de estar cansado de chover no molhado, de repetir as fórmulas. Quando retornei ao país no início do mês de fevereiro, estava realmente vivendo um momento novo, uma espécie de "reentrada" na atmosfera, o que equivale a dizer que me sentia como um astronauta que voltava ao mundo. Estranha relação que desenvolvi com o Haiti. Minha casa, meu país, minha vida e minhas coisas estão no Brasil. No entanto, parece que o ar leve, a atmosfera rarefeita das férias no Brasil, parece que minha ida ao Brasil foi como uma viagem ao espaço. Voltar então ao Haiti foi voltar ao mundo real, ao planeta terra.<br /><br />E foi exatamente esse o sentido da minha primeira postagem quando voltei: o choque de realidade que o Haiti provoca. <br /><br />Agora, pouco mais de dois dias após a postagem sobre as eleições, me dou conta disto: como o Haiti tem sido revelador na medida em que expõe coisas que não nos parecem óbvias à primeira vista.<br /><br />Incomodou-me fortemente uma conversa com um outro observador que chegou a afirmar que "é melhor haver eleições ruins que não haver eleição alguma". Fiquei pensando se de fato a tal "comunidade internacional", tão ciosa dos rumos democráticos do "mundo livre", pensa desta maneira. Sim, porque volta e meia ouço aqueles que dizem que em Cuba "não há liberdade, não há eleições livres", pergunto: "houve, de fato, eleições livres no Haiti?". Ou ainda, como será que têm sido feitas as eleições no Iraque ou no Afeganistão? Será que elas são "livres"? É claro que os mais apressados dizem que Chávez é um ditador... Sim, talvez, mas será que as eleições do Haiti foram "mais democráticas" que qualquer pleito realizado na Venezuela nos últimos 10 (dez) anos? Não creio... No mínimo, estas eleições que fazem de Chávez um "ditador populista" foram mais concorridas que a esvaziada eleição para o senado do último domingo...<br /><br />Será que a democracia, tão cara ao nosso mundo ocidental, se resume a isso? Fazer eleições ainda que pouco representativas e absolutamente distantes dos anseios populares.<br /><br />Minha experiência neste país têm me mostrado um dado interessante: são inúmeras as organizações populares, os grupos chamados de "kombit" ou "têt ansanm", que visam organizar as pessoas em torno de idéias difusas sobre desenvolvimento. O fato é que em Jacmel, em Cité Soleil e Port au Prince, conhecemos (eu e outros colegas antropólogos que aqui estiveram) diversas organizações populares de caráter mais variado possível: trabalhadores rurais, religiosos, organizações de mulheres, organizações voltadas à educação. No entanto, ao se realizar uma eleição nenhuma destas organizações pareceu estar ligada a algumas candidatura, nenhuma delas se concretizou em grupos de interesse, nenhuma delas esteve ligada a partido ou organização política formal, que estivesse envolvida no processo eleitoral.<br /><br />Como disse na postagem anterior, uma das reclamações foi exatamente que os candidatos a senador não possuíam nenhuma base política junto às populações. <br /><br />Em contrapartida, os partidos políticos não parecem ter muita representatividade, isso parece ainda mais estranho, se nos dermos conta do número de intelectuais nacionais, como a própria primeira ministra Michelle Pierre Louis, que nunca fez parte de nenhum grupo político ou partido. Conversando com alguns intelectuais importantes do país, percebo que nenhum deles faz parte ou tem interesse de organizar-se em partidos políticos, embora estejam constantemente ocupando espaço na imprensa e na vida pública. <br /><br />Qual seria então o vazio, o hiato que existe entre sociedade civil, estado, intelectuais, partidos, etc. e especialmente, o "povo" em geral? <br /><br />Não posso dizer, mas percebo, de maneira ainda muito "naïf", que não parece haver interesse em resolver esse hiato, em preencher tal vazio. A presença da Minustah aqui dá uma sensação de estabilidade, que pode durar infinitamente, enquanto essa missão aqui permanecer. A ação da "comunidade internacional" e das ONGS mantém um funcionamento mínimo das coisas, que pode prescindir do Estado e a cooperação internacional completa o quadro, fazendo funcionar esse planetário, permitindo um falso equilíbrio entre forças díspares e desencontradas. <br /><br />Aliás, uso provocativamente aspas para falar do povo, esta entidade abstrata e disforme da qual muitas pessoas daqui pensam não fazer parte, e por quem nós "blancs" fazemos todos os nossos esforços. <br /><br />É no meio deste "povo" que ouço algumas vozes dissonantes pedir a volta de "Titid". Ouço-os dizer que este era "o único a se preocupar conosco". <br /><br />E assim voltamos ao início ou à postagem anterior: se Aristide desenvolveu uma relação perniciosa com a massa e com isso tornou impossível reorganizar o espaço político em outros termos, qual seria a possibilidade de estabelecer, de fato, uma prática política democrática e popular no país? Há saída com a realização de eleições deste tipo?<br /><br />Prepara-se a realização de um segundo turno das eleições no mês de junho... Será possível isso ou veremos novamente os mesmo erros serem cometidos? <br /><br />Com a palavra a "comunidade internacional"?<br /><br />Alguns me perguntarão, "por que não com a palavra o povo haitiano"?<br /><br />Respondo: Me parece que o povo haitiano já deu a sua resposta sobre estas eleições...<br /><br /><br />AbraçosZé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-61233507856397045082009-04-19T19:56:00.000-07:002009-04-20T13:46:37.457-07:00Eleições no Haiti - Abril de 2009<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDbVt9yQPwtz7HATf5gVUkzGk5fBEHC97wCLnmh5G1uBUBjmwV4Zh9i-BsP_2ss4HlTBK5lhzDoz342iiDJiPMzg8xdZ_oveoisPUATSSC6_IbtPB22pnX2mWmGL-hjAZSglPlUppohDTP/s1600-h/HPIM8941.JPG"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 400px; height: 298px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDbVt9yQPwtz7HATf5gVUkzGk5fBEHC97wCLnmh5G1uBUBjmwV4Zh9i-BsP_2ss4HlTBK5lhzDoz342iiDJiPMzg8xdZ_oveoisPUATSSC6_IbtPB22pnX2mWmGL-hjAZSglPlUppohDTP/s400/HPIM8941.JPG" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5326605893153057730" border="0" /></a>
<br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9ldTkeUmBC7KJEHgrV4tifRXjgExfUHStdZ_fY3Wy9gK0iqSRwD43msjgilzJ0s8ePkA-Yw8zNz-rgl0wCceXsEYMLpxt1h7WPkF4XITVYTol3CQgbOqUHtK0PdF1J3HstHrk53QlF_r7/s1600-h/HPIM8942.JPG"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 400px; height: 298px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9ldTkeUmBC7KJEHgrV4tifRXjgExfUHStdZ_fY3Wy9gK0iqSRwD43msjgilzJ0s8ePkA-Yw8zNz-rgl0wCceXsEYMLpxt1h7WPkF4XITVYTol3CQgbOqUHtK0PdF1J3HstHrk53QlF_r7/s400/HPIM8942.JPG" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5326605643444769826" border="0" /></a>
<br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLgMTPn7jDerihB6094o5nrH1hbY38F30Koh12XbPSLFwBSxBrhYCcodbWSkIBbQf6yFt_AAmFj02OA0CPGjhg6b7ATIyyiNiiOWgUZo3ksn-nkfh2bhMfa5Q8bZJWteahcEbGax355X0d/s1600-h/Panfleto+Elei%C3%A7%C3%A3o+Haiti.jpg"><img style="margin: 0px auto 10px; display: block; text-align: center; cursor: pointer; width: 310px; height: 400px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLgMTPn7jDerihB6094o5nrH1hbY38F30Koh12XbPSLFwBSxBrhYCcodbWSkIBbQf6yFt_AAmFj02OA0CPGjhg6b7ATIyyiNiiOWgUZo3ksn-nkfh2bhMfa5Q8bZJWteahcEbGax355X0d/s400/Panfleto+Elei%C3%A7%C3%A3o+Haiti.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5326605636816166786" border="0" /></a>
<br />
<br /><meta equiv="Content-Type" content="text/html; charset=utf-8"><meta name="ProgId" content="Word.Document"><meta name="Generator" content="Microsoft Word 11"><meta name="Originator" content="Microsoft Word 11"><link rel="File-List" href="file:///C:%5CUsers%5CJOSREN%7E1%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtml1%5C01%5Cclip_filelist.xml"><o:smarttagtype namespaceuri="urn:schemas-microsoft-com:office:smarttags" name="PersonName"></o:smarttagtype><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> </w:Compatibility> <w:browserlevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel> </w:WordDocument> </xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml> <w:latentstyles deflockedstate="false" latentstylecount="156"> </w:LatentStyles> </xml><![endif]--><!--[if !mso]><object classid="clsid:38481807-CA0E-42D2-BF39-B33AF135CC4D" id="ieooui"></object> <style> st1\:*{behavior:url(#ieooui) } </style> <![endif]--><style> <!-- /* Style Definitions */ p.MsoNormal, li.MsoNormal, div.MsoNormal {mso-style-parent:""; margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:12.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-fareast-font-family:"Times New Roman";} @page Section1 {size:595.3pt 841.9pt; margin:70.85pt 3.0cm 70.85pt 3.0cm; mso-header-margin:35.4pt; mso-footer-margin:35.4pt; mso-paper-source:0;} div.Section1 {page:Section1;} --> </style><!--[if gte mso 10]> <style> /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:10.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-ansi-language:#0400; mso-fareast-language:#0400; mso-bidi-language:#0400;} </style> <![endif]--><meta equiv="Content-Type" content="text/html; charset=utf-8"><meta name="ProgId" content="Word.Document"><meta name="Generator" content="Microsoft Word 11"><meta name="Originator" content="Microsoft Word 11"><link rel="File-List" href="file:///C:%5CUsers%5CJOSREN%7E1%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtml1%5C01%5Cclip_filelist.xml"><o:smarttagtype namespaceuri="urn:schemas-microsoft-com:office:smarttags" name="PersonName"></o:smarttagtype><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> </w:Compatibility> <w:browserlevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel> </w:WordDocument> </xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml> <w:latentstyles deflockedstate="false" latentstylecount="156"> </w:LatentStyles> </xml><![endif]--><!--[if !mso]><object classid="clsid:38481807-CA0E-42D2-BF39-B33AF135CC4D" id="ieooui"></object> <style> st1\:*{behavior:url(#ieooui) } </style> <![endif]--><style> <!-- /* Font Definitions */ @font-face {font-family:Verdana; panose-1:2 11 6 4 3 5 4 4 2 4; mso-font-charset:0; mso-generic-font-family:swiss; mso-font-pitch:variable; mso-font-signature:-1593833729 1073750107 16 0 415 0;} /* Style Definitions */ p.MsoNormal, li.MsoNormal, div.MsoNormal {mso-style-parent:""; margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:12.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-fareast-font-family:"Times New Roman";} @page Section1 {size:595.3pt 841.9pt; margin:70.85pt 3.0cm 70.85pt 3.0cm; mso-header-margin:35.4pt; mso-footer-margin:35.4pt; mso-paper-source:0;} div.Section1 {page:Section1;} --> </style><!--[if gte mso 10]> <style> /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:10.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-ansi-language:#0400; mso-fareast-language:#0400; mso-bidi-language:#0400;} </style> <![endif]--> <p class="MsoNormal" style="text-align: center;font-family:georgia;" align="center"><span style="font-size:100%;"><b style=""><span style="">
<br /></span></b></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;font-family:georgia;" align="center"><span style="font-size:100%;"><b style=""><span style="">“Fraude Eleitoral”, ou a minha experiência como Observador Internacional<o:p></o:p></span></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Em primeiro lugar, nem sei se estou autorizado</span><span style="font-size:100%;"> a expor as idéias que coloco aqui, mas ainda assim correrei o risco de expor a minha opinião sincera, para além de posições oficiais que tenha a defender, como sempre fiz aqui neste blog. Sempre pautei o lugar deste blog em minha temporada aqui no Haiti como um espaço livre das constrições do papel de intelectual acadêmico, bem como de qualquer relação com a presença brasileira no Haiti nos mais diversos níveis. Não quero também dramatizar o quadro, dizendo que estou fazendo algo contra a lei ou passível de censura. Pelo contrário, quero apenas deixar claro que não estou falando oficialmente, mas não posso me furtar do compromisso de falar daquilo que presenciei, passemos portanto ao que interessa aqui, sem mais delongas.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">O título desta postagem é de fato uma provocação. A palavra “fraude” aparece entre aspas, porque há sempre um entendimento de que “fraude eleitoral” seja um desvio nas regras de um procedimento legal aprovado, em outras palavras adotei o significado estrito de <i style="">fraude</i> que ora exponho, segundo o Dicionário Houaiss <i style="">fraude é qualquer ato ardiloso, enganoso, de má fé com o intuito de ludibriar outrem ou de não cumpri determinado dever(...) ver tb. sinonímia de ardil e mentira (...) ver (...) antonímia de verdade</i>. A fraude eleitoral aqui neste caso não se trata de um desvio procedimental, mas de fato de que <b style=""><i style="">as eleições senatoriais que se realizaram no Haiti neste domingo, dia 19 de abril de 2009,</i></b> <b style=""><i style="">são uma mentira, um ardil, um ato enganoso que visa ludibriar outrem</i></b>.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><b style=""><o:p></o:p></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><b style=""><span style=""><o:p> </o:p></span></b></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Exponho a minha visão dos fatos que pode contrariar o que alguns jornais virão dizer, que “a despeito de alguns incidentes isolados, o pleito tenha ocorrido dentro da normalidade democrática e num clima de respeito às leis”. É possível que se diga isso e, de fato, isso não contraria demais a verdade, não fosse uma série de movimentos que antecederam o presente processo eleitoral, que maculam qualquer idéia de democracia e de justiça, que ferem os princípios liberais-democráticos tão caros à cosmologia ocidental, que parecem que aqui no Haiti chegaram ao paroxismo de sua mentira.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Retorno um pouco no tempo para que possamos discutir de fato como manobras “democráticas” e de caráter “legalista” roubaram deste pleito o mínimo de legitimidade que ele pudesse ter. Em primeiro lugar, as divisões e problemas internos da maior força política do país, o Fanmi Lavalas, partido que dá sustentação ao deposto presidente Jean Bertrand Aristide, seu principal líder, provocaram a apresentação por parte deste grupo político de três listas de candidatos diferentes, o que impediu o registro de suas candidaturas para uma participação nestas eleições senatoriais. Explicando melhor, seria como se o PMDB apresentasse três listas de candidatos diferentes, uma da facção governista, outra da facção de oposição e outra de uma terceira, que se classificaria como independente. Como a lei eleitoral brasileira não permita isso, uma das três listas seria aprovada ou a participação do partido seria negada, e o partido não poderia apresentar candidatos. É claro que tal impasse produziria uma crise política sem precedentes no país, e uma eleição que deixasse de fora aquele que se supõe o maior partido político do país geraria infinitas distorções no quadro eleitoral.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Do ponto de vista legal, no entanto, não haveria nada demais em negar tal participação, posto que fosse uma flagrante violação da lei eleitoral. No entanto, a política é uma arte, não no sentido da tradição platônica de um conjunto racional de técnicas visando um fim prático, mas no sentido aristotélico, que se opõe à ciência, uma habilidade particular de produzir um conhecimento não necessariamente aplicado. Em outras palavras, as artes da política nem sempre podem e devem se submeter ao legalismo exagerado, mas considerar os diversos aspectos envolvidos em uma questão: a “fragilidade” da democracia no Haiti não deveria permitir que a força política de maior apelo e expressão popular ficasse de fora de nenhum processo político, sobretudo de um processo eleitoral, sob pena de deslegitimar quaisquer atos que se realizem.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Retirar o Lavalas de Aristide da eleição é negar a possibilidade de um processo político verdadeiramente democrático no Haiti. Qualquer explicação de caráter legal para isto reforça a mentira e a fraude da democracia no Haiti. Sem Lavalas e Aristide não há possibilidade de produzir qualquer transformação política séria no país. Não sou defensor do ex-presidente Aristide, pelo contrário, aqui neste mesmo blog sempre expus a minha percepção sobre as suas ambiguidades e seu caráter (com a licença do termo) “populista”. Porém, também nunca ousei aqui negar o valor e a importância de sua popularidade junto às massas dos bairros populares e favelas do Haiti. E reconhecendo isso, penso que a comunidade internacional ao aceitar a ausência do Lavalas na eleição cometeu um erro fatal: deslegitimou o processo eleitoral que era deflagrado com o registro das candidaturas.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Durante esta semana circularam em diversos lugares do país, sobretudo nas regiões onde o Lavalas seria a maior força política, uma série de panfletos (foto) com ameaças de violência contra quem participasse do processo eleitoral. O Lavalas realmente estava organizando suas bases políticas para enfraquecer o processo eleitoral, inclusive através de declarações atribuídas a Aristide de que estas eleições não eram legítimas e que se fizesse neste dia <i style="">uma jornada de reflexão junto às famílias, que não saíssem às ruas para votar, que permanecessem em suas casas refletindo sobre os rumos da democracia e da política no Haiti</i>. De fato, a operação que seria deflagrada pelo Lavalas chamava-se <i style="">Bay lari la blanch </i>(traduzido “Deixar as ruas vazias”), e tal nome foi apropriado pelos responsáveis por supostos panfletos que ameaçavam de morte qualquer um que saísse às ruas para participar da eleição. A principal recomendação era que as pessoas colocassem seus nomes nas solas dos sapatos, para que em caso de morte fossem reconhecidas.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Conversando com algumas pessoas durante a semana, perguntei por que muitos não iriam votar. A maioria afirmava que não acreditava nos políticos, e sendo o voto facultativo, estes preferiam ficar em casa no domingo, sem sair às ruas. Alguns falaram das ameaças em seus bairros, locais onde o Lavalas seria a força majoritária e que, portanto, não era conveniente participar da eleição. Esperava, no entanto, que no domingo o quadro fosse diferente, pelo menos entre aqueles que se alistaram para votar. Ao ouvir o rádio pela manhã, percebi que muitas pessoas não sabiam onde seriam seus locais de votação e, para piorar, houve a informação de que os tap taps e caminhonetes não poderiam circular no domingo da eleição, e as motocicletas foram interditadas de circular na noite de sábado. Logo, as pessoas além de não saber onde votar, não havia meios de transportes disponíveis para se deslocar rumo às suas seções eleitorais.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Não bastasse isso tudo, o presidente do país, René Garcia Preval, às vésperas da eleição, deu uma declaração de que os cidadãos que não quisessem ir votar tinham este direito e que participaria de eleição quem quisesse. Tal declaração não seria problema, se não fosse Preval o Supremo Mandatário da Nação, e não desse uma declaração que deslegitimava o processo eleitoral que se realizaria no domingo. Embora a Primeira Ministra Michelle Pierre-Louis tenha reforçado a importância da participação nas eleições, o estrago já estava feito: nem mesmo os políticos do país acreditam no papel do processo eleitoral.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Tudo isso poderiam ser ilações de um observador distante dos fatos, que estaria tirando conclusões a partir de suposições e idéias distantes da realidade. Porém, ao sair à rua numa viatura da Embaixada do Brasil no Haiti, na condição de observador internacional, tive a oportunidade de falar diretamente com a população envolvida na eleição, falei com pessoas que atuavam como mesários, chefes de seção e, especialmente, com eleitores (ou “não eleitores”) presentes nestas seções eleitorais.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Na primeira ida a uma seção eleitoral em um prédio onde funciona oanexo da previdência social e uma unidade da Universidade do Estado, no Champ Mars, fiz algumas perguntas, e descobri que uma seção eleitoral tinha apenas 07 (sete) eleitores inscritos. Neste local pude ainda ver (e fotografar) uma cédula eleitoral. As urnas são transparentes e pode ser visto quantos votos há no seu interior. Algumas pessoas me pediram dinheiro e fizeram piadas e gozações com o grupo de <i style="">blancs</i> ali presente.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Fomos então à Faculdade de Medicina, onde estavam concentradas outras zonas eleitorais, lá conversei com mesários também, e foi lá que descobri que os mesários não estão inscritos para votar e, a maioria deles está trabalhando na eleição por conta do pagamento que foi oferecido aqueles que trabalhassem na eleição. Só então entendi porque algumas pessoas me interrogaram “porque eu não ofereci este trabalho para eles”, ainda que lhes explicasse que estava como voluntário, que aceitara um convite do Embaixador. Nesta seção, no entanto, havia mais de 400 (quatrocentos) inscritos para votar, porém, por volta das 11:00 h da manhã houvesse apenas duas pessoas comparecido para votar.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">De lá saímos para a região de Delmas 19, onde encontramos com uma guarnição militar dos Fuzileiros Navais brasileiros. Dali, nos encaminhamos para a região próxima ao Carrefour Trois Mains, num grande prédio anteriormente abandonado, ocupado, onde nos pilotis há uma grande zona eleitoral. Neste lugar fomos abordados por um sujeito baixinho, irritado, que começou a falar conosco: “Sem Aristide, não há eleição. Sem Lavalas, a eleição é uma mentira. Queremos que Aristide volte. Se ele voltar, o país vai se libertar, o país vai melhorar. Aristide é a vida!”. Fiquei um pouco impressionado, e mais ainda assustado, quando fui percebendo que se formava uma roda à nossa volta. E as pessoas reforçavam o que ele dizia. Um pessoa que estava conosco perguntou, já que ele não acreditava no processo eleitoral, o que estava fazendo ali? Eu não respondi e nem fiz tal pergunta. Achei que ela insultava o homem.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Fomos ainda a duas escolas na região. Os mesmos discursos. Numa delas, porém, fomos abordados, eu e uma colega, por uma repórter da Associated Press. Compreendendo o protocolo, sabendo que o Embaixador era o chefe da equipe, perguntei a um dos seguranças se nós poderíamos falar. Minha colega se recusava a falar, porém, o segurança se antecipou dizendo que não poderíamos falar com a imprensa, que deixássemos o Embaixador falar. Sinceramente, fiquei um pouco aborrecido com aquilo que interpretei como algum tipo de censura, pois realmente o que vira até ali, deslegitimava totalmente o processo eleitoral. Sabia que não devia falar isso, porém, as perguntas da repórter tornavam mais claro aquilo que vinha percebendo: ela perguntou se estávamos cientes de que no Departamento Central as eleições haviam sido canceladas por conta de alguns incidentes e pela total falta de quórum. Saí dali realmente irritado com tudo. Na escola seguinte, permaneci sentado num banco, sem ir às seções eleitorais. Refletindo. Dali iríamos para a cidade de Cabaret, na rota para Gonaives.
<br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Em Cabaret, por fim, mais um encontro interessante com a população. De novo, não entrei nas seções eleitorais, que em todos os lugares pareciam esvaziadas e sem qualquer interesse. Veio em minha direção um homem falando <st1:personname productid="em créole. Boa" st="on">em créole. Boa</st1:personname> parte das pessoas não sabe que falo (com relativa fluência) esta língua. Então, começam a falar a esmo, como se eu não lhes compreendesse. No entanto, ao lhes perguntar, sempre em créole, o que estão dizendo, começam a falar, primeiro em francês, que é quando lhes digo que podem falar em sua língua, que sou capaz de compreender. Então as coisas se revelam...</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Primeiro, o sujeito começou atacando o processo que excluiu o Lavalas, dizendo que ele era vazio e sem propósito, que não pode haver eleição sem o Lavalas. Mas isto não seria o mais importante, começou a falar dos candidatos a senador, que não eram conhecidos, que vieram à cidade uns poucos dias antes e que não eram conhecidos, por isso, como votar? Logo após, juntou-se um outro homem, mais tranquilo e falando de forma bastante esclarecedora sua posição quanto ao processo eleitoral. Disse que apesar de não ser Lavalas, achava que não podia haver eleição sem este partido, e mais ainda, que a forma que as eleição foi feita, de maneira isolada para senador, não havia qualquer chance de que as pessoas conhecessem os candidatos. Falou que quando as eleições são casadas (majistrat – prefeito, deputados e senadores) há possibilidade das lideranças locais apoiarem candidaturas e, com efeito, este apoio se traduz numa relação de confiança e credibilidade dos candidatos a senador. Ele afirmou que esta eleição “isolada” não podia ter alguma relação entre a população e os candidatos. Depois o primeiro retornou falando de Dessalines, que “somos um povo livre, que o sangue de Dessalines corre em nossas veias”. Isto, no entanto, soou como uma ironia grosseira conosco, os estrangeiros, pois ele se retirava rindo, enquanto falava estas coisas. Um outro sujeito ainda insistia sobre o Lavalas, dizendo que “Aristide deve voltar”.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">A conclusão de toda esta primeira experiência como “Observador Internacional” foi impressionante. Em primeiro lugar, estas eleições são realmente uma armadilha cruel, cujo resultado, seja ele qual for, sempre reforçará estigmas e visões distorcidas sobre o Haiti: “os haitianos não participam da política, abandonam o país a própria sorte, e não tomam para si o dever de transformar a sua vida”. <b style="">Esta é uma mentira, que este processo eleitoral não sustenta</b>. Pelo contrário, estas eleições foram feitas desde o seu início para fracassar, interesses diversos tanto das forças políticas locais – entre elas, curiosamente do próprio Lavalas, por razões distintas, da comunidade internacional que se esmera em reforçar a farsa democrática ao redor do mundo, da ONU e OEA, que mantém o “Circo Haiti” de pé, fazendo o seu espetáculo de “manutenção da paz mundial”, enfim, das aspirações do chamado “Mundo Livre” que precisa da “democracia” para manter a ordem no mundo.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;">
<br /><span style="font-size:100%;"><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Em segundo lugar, as causas endógenas: o povo haitiano não participa do processo. Os partidos pouco representam no panorama político, não há representatividade, a despeito de haver dezenas de organizações políticas espalhadas por diversos lugares do país. E mesmo os indivíduos, atores políticos isolados como o Presidente Preval, o ex-primeiro ministro Alexis, figuras como o Senador Boulos, a ex-candidata à Presidência Mirlande Manigat também tem pouca representatividade, senão em setores ou grupos isolados. A única força política que tem representatividade do ponto de vista coletivo é o Lavalas e o único ator individual representativo é o próprio Aristide. Fora disso é necessária uma longa construção e um amplo debate. E por isso, mais uma vez, será penalizado o povo haitiano, “que não está habituado às instituições democráticas, que não tem os saudáveis hábitos do voto, da organização política, dos partidos organizados, etc., e que por isso não está pronto para se dirigir a si mesmo e aos seus destinos”. Caímos novamente no silogismo cruel e estigmatizante que sempre coloca o Haiti no lugar da barbárie, da recusa do mundo ocidental livre. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;">Por fim, reitero aqui a minha percepção de que o Haiti nem de longe é este inferno. Os erros são do governo local e talvez do próprio povo. Estes erros, porém, são também da chamada comunidade internacional que precisa legitimar o Haiti da forma que mais lhes interessa: um lugar onde ela precisa atuar e reforçar a sua importância e seu papel na defesa do chamado mundo livre. Essa é a grande fraude eleitoral que está em jogo.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:georgia;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=";font-family:Verdana;font-size:10;" ><span style="font-size:100%;"><span style="font-family:georgia;">Abraços a todos, feliz da vida com o Mengão na final do Carioca, quem sabe, rumo ao Penta-Tri.</span></span><o:p></o:p></span></p>
<br />
<br />P.S.: Observadores Internacionais, tal como os duendes, existem... O importante é você acreditar neles...Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-18069620042584080652009-02-19T19:57:00.000-08:002009-02-19T20:20:49.574-08:00De volta: O Haiti nosso de cada dia<div align="justify">Muita gente no Brasil sabe que minha volta ao Haiti se deu "meio contra a minha vontade"... </div><div align="justify"> </div><div align="justify">Não, isso não é verdade... voltei porque quis... Mas não queria tanto quanto antes...</div><div align="justify"> </div><div align="justify">De volta, começo a constatar, com certa irritação que todos têm teorias sobre o Haiti, inclusive eu mesmo, e cada um quer provar, quase sempre com dados empíricos, que está coberto de razão.</div><div align="justify"> </div><div align="justify">O Haiti não tem solução... "Eles" são diferentes de "nós"... "Eles" são assim mesmo... "Temos que ensiná-los"... Eles não estão "prontos para a civilização"...</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Sim... Ouço por aqui coisas de arrepiar até um evolucionista empedernido... A diferença está presente e o mundo colonial está aqui com toda a sua força...</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Há as teorias mais elaboradas, é claro, mas o senso comum grosseiro se resume a isso: uma grande divisão: o "Nós" civilizado e o "Eles" bárbaros...</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Será possível que em pleno século XXI, depois de Lévi-Strauss declarar peremptoriamente, <em>bárbaro é quem acredita na bárbarie, </em>que o mundo insista em acreditar em algumas formas de distinção e, por que não dizer, de exclusão que se sustentem nesta forma de pensar?</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Deixem o Haiti em paz. Partam daqui toda a cooperação e ajuda humanitária, a Minustah e todas as ongs... O que será do Haiti? Não sei, mas será uma excepcional chance de provar que qualquer divisão desta ordem é um acinte contra qualquer humanismo possível.</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Estou irritado com os estrangeiros do Haiti, e neles me incluo, porque exotizamos o que é tão natural em qualquer lugar do mundo, porque aqui queremos achar o "exótico" e o "primitivo". O Haiti não tem nada de especial e, por isso, é muito especial... Ele apenas nos permite olhar para nós mesmo com menos condescendência, permite-nos sermos um tanto mais cruéis com o que chamamos "civilização". No Haiti as feridas estão abertas e sangrando, enquanto em nossas casas escondemos sob a cicatriz nossas carnes podres... No Haiti não, a ferida pudenda está exposta...</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Quem admite olhar as suas próprias feridas? Suas mazelas e suas podridões?</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Ninguém...</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Azor e seu Rasin Mapou cantam: <em><strong>Boukman, w pa fè Bwa Kaiman pou donne peyi nan men étranger. Peyi sè pa nou.</strong> (Boukman, você não fez Bois Caiman para entregar o país nas mãos dos estrangeiros. O país é para nós)</em></div><div align="justify"><em></em> </div><div align="justify"><em>Será????</em></div><div align="justify"><em></em> </div><div align="justify"><em>Abraço</em></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-70263670295749167372008-07-22T08:00:00.000-07:002008-07-22T09:13:46.585-07:00Fabricando ditadores?<div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Na última postagem falei de Aristide, da minha interpretação sobre os eventos que fomentaram a sua queda. Outro dia, em uma conversa com um amigo pelo MSN, começamos a discutir sobre como o país poderia organizar um concerto de forças políticas para promover o desenvolvimento. Fiquei angustiado, pois não conseguia explicar a este amigo o que ocorre aqui. Primeiro, por uma total dificuldade de conhecer de fato quais as forças políticas que estão sob o tabuleiro, jogando. É fácil saber que Aristide e o Lavalas (seu ex-grupo político) jogam um papel decisivo, pelo seu peso como movimento de massa, no entanto, não conseguia identificar as forças políticas.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Quando faço a mesma pergunta aos meus interlocutores haitianos, as respostas são difusas, todos dizem que há partidos, mas deputados e senadores não são senão "homens de negócios, com interesses muito particulares e pouco interesse pela <em>coisa pública</em>". Insisto em perguntar pelo "espírito público", pela "idéia de república" e pela "democracia", alguns destes interlocutores só faltam rir de mim. No entanto, parece que há atores fortes no cenário político. Isso não impede, porém, que o país esteja sem um primeiro ministro há quatro meses. </span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Há coisa de alguns meses, pouco antes das manifestações políticas contra "<em>Laviche</em>" (La vie chère), o elevado preço dos alimentos, sobretudo do arroz, essencial na dieta haitiana, que acabaram por derrubar o ex-primeiro ministro Alexis, houve um intenso debate político em torno do fato de um senador daqui possuir dois passaportes ou, na verdade, pelo fato de ter nascido nos EUA, sendo filho de haitianos e que vive no Haiti, o que lhe possibilitou ter <em>dupla nacionalidade</em>. Este debate que se prolongou por semanas, no meu entendimento, levantava uma falsa questão, posto que boa parte de deputados e senadores do país estão nesta mesma situação: possuem um passaporte de outra nacionalidade. Aliás, imagino que boa parte dos ricos do país tem essa mesma condição: um pé do lado de fora do país. A polêmica acabou por cassar o tal senador, que supostamente seria um forte candidato à presidência, um grande empresário com influência significativa no ramo de telecomunicações local.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">A queda de Alexis, que veio logo depois desta longa polêmica, nem mobilizou tanto senadores e deputados quanto o debates da <em>dupla nacionalidade. </em>Espanta, portanto, que após quatro meses, os parlamentares locais, tão empenhados em garantir a pureza das casas legislativas do país, evitando que "alguém que possa ser estrangeiro" ocupe posições chave na política do país, não demonstrem o mesmo empenho para escolher o novo primeiro ministro. Na verdade, demonstraram este "empenho" após a primeira indicação de Preval, o presidente do país, para o posto, recusado exatamente por "não conseguir provar a ascendência haitiana de seus pais". </span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Agora, Preval faz a sua segunda indicação, a intelectual Michelle Pierre-Louis. Logo que cheguei aqui, estive em um debate na Université Quisqueya, onde esta falara, fazendo uma interessante crítica aos processos de ocupação do país por forças militares estrangeiras e as <strong>quinze</strong><em> </em>missões das Nações Unidas no país no período entre 1987 e 2008. Crítica da presença estrangeira no país, ela crê que o país deve procurar saídas para as crises sem recorrer à "ajuda" externa. Não descarta, porém, neste momento ainda a presença da Minustah. Ela inclusive destaca que todas as intervenções da ONU no país foram solicitadas pelos governos locais. Sua indicação, entretanto, tem sido contestada por alguns, com base em acusações de uma suposta homossexualidade, o que lhe impediria de ter a unanimidade dos votos no senado, essencial para sua homologação como primeira-ministra do país. Num programa de rádio cheguei a ouvir as palavras de um deputado que dizia que "<em>ela não poderia ser escolhida, embora não tenha na da contra os homossexuais, não crê que este tipo de pessoa possa estar à frente de um país"</em>. Na câmara dos deputados, seu nome passou com maioria absoluta dos votos, com apenas um voto contra e abstenções de algumas forças políticas. Espera-se que o senado cumpra o seu papel e finalmente, após quatro meses sem governo, homologue o nome de Pierre-Louis no posto de primeiro ministro.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">O título da postagem é, de fato, uma provocação...</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Provocação diante de certas situações que tenho presenciado no Haiti, onde a saída pela força quase sempre se apresenta como solução possível, onde a ausência de diálogo e de uma interlocução responsável obriga alguns atores sociais a apelar para condições onde seja necessária uma imposição pela força. Quando analisei a situação que ensejou a queda de Aristide, percebi que é possível vislumbrar um quadro curioso: um presidente democraticamente eleito, que conta com forte apoio da massa, talvez da maioria da população (pobre, principalmente) do país, é obrigado a renunciar, não sem antes armar esta massa de apoiadores para garantir o exercício de seu mandato. Sua "renúncia" é cercada de controvérsias: há uma tese de um "seqüestro" que motivou sua saída do país, seus milicianos armados são líderes criminosos das favelas e bairros pobres da capital do país, Aristide é recebido por líderes da esquerda e de facções democráticas diversas como um grande líder político. Quem é afinal, Jean Bertrand Aristide?</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Eu não ouso responder, continuo com dúvidas, mas cada vez mais me parece que as resistências de alguns setores a ele forjaram a criação de um ditador. Tal como acusam Chavez de populista e proto-ditador (este, aliás, grande defensor de Aristide), porque governa com mecanismos de democracia direta e popular, não seria possível pensar em Titid (como é chamado pelo povão) desta maneira? Não sei...</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">O que sei é que se fosse interesse das forças políticas locais articular um concerto de forças, um pacto social e político, seria essencial que um dos interlocutores fosse Aristide, que parece ser o ator político mais evidente daqueles que são colocados em cena por aqui. O amigo com quem conversava objetou sobre o papel dos intelectuais daqui. Se não é possível identificar atores no cenário político, de fato, é fácil fazê-lo entre os intelectuais. Entretanto, as clivagens entre estes são realmente perturbadoras e impossibilitam muitas vezes o diálogo.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">A indicação de uma intelectual, por exemplo, não mobilizou os intelectuais daqui em sua defesa contra a onda de rumores em torno de sua vida pessoal, e foi preciso que a reação viesse de intelectuais haitianos radicados no Canadá e nos EUA, através de um documento divulgado pela imprensa, para que os que estão aqui começassem, de modo tímido a tomar uma posição. Ouvi de alguns que <em>não dariam uma resposta a tais rumores, exatamente para não motivar o debate em torno da vida pessoal da (futura) primeira </em>ministra. Não sei dizer se concordo com tal atitude, que mais me parecia omissão diante dos fatos. E quando perguntei sobre a sua indicação, as respostas foram sempre evasivas, pois acham que ela não tem meios (e nem competência) de implementar políticas sérias para o desenvolvimento do país.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Assim, cada vez mais percebo que as muitas clivagens no âmbito das elites, econômicas e intelectuais, entre políticos, por conta de uma permanente indefinição de quais são as reais forças que jogam o jogo da política, e a principal e maior de todas, entre estes e a maior parte da população do Haiti, impedem a possibilidade de pensar um caminho para o país, a busca de soluções para os problemas energético, ecológico, econômico e social do país. Iniciativas como a criação de um instituto de pesquisas para o desenvolvimento, uma espécie de <em>think tank</em> para o país, esbarram no jogo de vaidades e interesses pessoais dos diversos grupos, e não prosperam porque há uma espécie de <em>sabotagem</em> interna que impede qualquer projeto político-intelectual mais ambicioso de avançar. </span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">E com isso o país perde precioso tempo e seu povo continua na mais absoluta situação de penúria...</span></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-65999516930653625242008-07-07T16:09:00.000-07:002008-07-07T16:27:08.905-07:00Pequenas histórias haitianas...<div align="center"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoZy8Zp83XXNnyqdQvpdJS8d1Km-ur8HGyAFTEkbGfng6QNQ4EBWMLpZNzmaZgurlVm8UYCM6p5GtprVgFa6NoeJD4utSg_cEOcbf3I4jK-6hDGVXX62PwzWi5nYn_uCircISmKKuOWiLe/s1600-h/HPIM3974.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5220414922496687762" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoZy8Zp83XXNnyqdQvpdJS8d1Km-ur8HGyAFTEkbGfng6QNQ4EBWMLpZNzmaZgurlVm8UYCM6p5GtprVgFa6NoeJD4utSg_cEOcbf3I4jK-6hDGVXX62PwzWi5nYn_uCircISmKKuOWiLe/s400/HPIM3974.JPG" border="0" /></a> <span style="font-size:78%;">Catherine e Simone: as duas jovens e o futuro pela frente... Futuro?</span><br /><div align="justify"><br /><span style="font-family:georgia;">Catherine e Simone são duas jovens de Jacmel, são primas. Perto da casa dos vinte anos, ambas já concluíram seus estudos secundários, no entanto, não têm muitas perspectivas sobre o que farão no futuro mais próximo... Tentar uma faculdade seria bom, no entanto, são poucas as vagas na Université d’Etat e uma universidade particular é cara. A escolha por uma faculdade em Port au Prince ainda implicaria em custos maiores, como habitação, alimentação, entre outras coisas. Isso demandaria, talvez, trabalhar enquanto cursam a faculdade. E os empregos simplesmente não existem em Jacmel e são escassos em Port au Prince. Perguntam-me se existem faculdades e empregos no Brasil, se é fácil fazer uma faculdade... Respondo-lhes que talvez... Isso depende... Mas no meu íntimo, depois de tantos anos, começo a crer que as perspectivas no Brasil para um jovem que termina o secundário, que são tão poucas, são assustadoramente maiores do que as daqui... Ambas falam de ir para “Saint Domingue” (como chamam por aqui a República Dominicana) seguindo a trilha de tios e do irmão mais velho, atrás de emprego... Para talvez não voltar...<br /><br /><br />Wilson é estudante de ciências sociais. Fala seis idiomas, entre eles o português, além do créole... Aliás, não são poucos os poliglotas por aqui. Não raro é possível encontrar gente que fala no mínimo duas línguas além do créole (normalmente o francês e mais uma, quase sempre espanhol ou inglês), é claro, entre os que possuem pelo menos o nível secundário. Wilson está no fim de seu curso. Morador de Martissant, uma das zonas mais pobres e violentas dos arredores de Port au Prince, ele gostaria de fazer um mestrado ou doutorado no exterior, mas antes precisa de dinheiro para terminar o seu curso, por isso se vira em diversos “bicos” como intérprete e tradutor para sobreviver. Sabe que só conseguirá alcançar seu objetivo se tiver uma bolsa de estudos e um bilhete para sair do país... Para sair e talvez não voltar... Seu irmão mais novo é um ativo militante de uma igreja protestante e Wilson torce para que ele siga o caminho missionário para sair do país... E, provavelmente, não voltar...<br /><br /><br />Pierre é professor de línguas... Formado em Letras e História, leciona em uma pequena escola na localidade de Carrefour Durandisse, na rota entre Leôgane e Jacmel. Pierre fala nada menos que quatro idiomas: créole, francês, inglês e espanhol. Para complementar o baixíssimo salário de professor numa escola comunitária, trabalha à tarde como moto-taxista em Jacmel. Sabe que com sua formação tem poucas perspectivas... Sonha sair do país, para, provavelmente, não voltar...<br /><br /><br />O “talvez não voltar” sempre aparece como uma possibilidade forte. Afinal, todos falam em voltar. Sobretudo, porque estas idas para o exterior têm íntima relação com o envio de dinheiro para ajudar a família que fica no país. Aliás, esta parece ser boa parte da renda da maior parte das famílias pobres do país. Desde a minha primeira chegada ao Haiti me chamaram atenção duas coisas: o imenso número de lojas de loteria popular, a “borlette”, e as casas de remessa de dinheiro Western Union, Unitransfer, CAM. Algumas destas como a Unitransfer têm tal grau de sofisticação, que oferecem além das remessas de dinheiro, remessas de alimentos, com entrega no local de moradia. A CAM oferece uma chamada internacional gratuita para EUA e Canadá para aqueles que optam por utilizar seus serviços, para confirmar o recebimento do dinheiro enviado.<br /><br /><br />Ferdinand é técnico de informática, especialista e redes e suporte. Mora já há seis anos no Canadá, em Ottawa. Vem ao país todo ano para três semanas de férias. É um apaixonado conhecedor de nosso futebol. Vem ao país especialmente para matar a saudade da comida, do calor, da amizade e de uma alegria que, segundo, ele parece cada vez mais distante do dia a dia dos haitianos.<br /><br /><br />Muitos falam de uma permanente degradação da vida e do espaço público. Alguns mais velhos, curiosamente, elogiam a ordem e a organização da vida pública sob o regime ditatorial de Duvalier. Falam até com certo saudosismo das qualidades das condições de vida e das vias públicas, do controle da ocupação das ruas, sobre o fato do país não ter problemas com o abastecimento de energia elétrica. É claro que poucos consideram os aspectos que ensejaram a explosão demográfica que concentrou um quarto da população do país na capital nos últimos vinte anos.<br /><br /><br />Já entre as classes populares de Port au Prince é muito comum encontrar gente que apóia claramente o presidente deposto Jean Bertrand Aristide. Em Jacmel, não se vê tanta gente que apóie Aristide, mas na capital é interessante notar a força que este ainda exerce tanto sobre seus partidários mais inflamados, quanto para a gente comum das ruas. Consideram que Aristide tinha uma preocupação particular com os problemas das classes populares, e que sua queda beneficiou apenas determinada parte da burguesia nacional. Entre estes, mas, sobretudo, entre uma grande parcela dos intelectuais, Aristide é quase como um conjuro, um espírito maligno, algo a ser extirpado e exorcizado do país. Não há espaço para ponderações, a conversa começa a partir do ponto de que Aristide é um inimigo do país, um ilusionista perverso, que criou, tanto perante a população local, quanto perante uma boa parcela da comunidade internacional, a imagem de um líder popular, de líder progressista.<br /><br /><br />Estas reações apaixonadas vão desde uma (pelo menos para mim, por enquanto) não comprovada ligação direta entre o ex-presidente e o tráfico internacional de drogas, que teria tido sua vida facilitada durante seu governo, até os reais escândalos que envolvem o enriquecimento pessoal de um ex-padre católico por conta dos processos de privatização das telecomunicações no país. Seu carisma, no entanto, impressiona. E estas reações apaixonadas, de parte a parte mais ainda. Há gente que acuse seus defensores de “mechants”, criminosos, que estariam defendendo o interesse das gangues violentas que explodiram nos bairros pobres em 2004 após a sua partida.<br /><br /><br />Este processo, aliás, é curioso... Dou-lhes a minha interpretação, que muito pouco tem a ver com uma “verdade dos fatos”, mas que se apóia numa percepção impressionista do processo que antecedeu a saída de Aristide e tudo que ocorreu na sua seqüência. Essa impressão se tornou forte especialmente ao assistir alguns documentários que foram no período dos últimos quatro anos. Essa percepção é corroborada através de conversas com pessoas de extração variada no país, intelectuais, militantes estudantis, “gente comum”, etc.<br /><br /><br />Os documentários que assisti se dividem exatamente por esta tensão, por este conflito em escolher um lado, e levam-nos a discutir o já tão debatido tema da neutralidade jornalística, da “verdade dos fatos”. O filme de Nicolas Rossier, um suíço radicado no Canadá, por exemplo, é questionador e polêmico para mim, porque foi um dos poucos filmes que se pergunta até onde a queda de Aristide não obedeceu senão a outros interesses que muito pouco tem a ver com a “vontade do povo”. O filme, intitulado “Haïti, un chaos interminable”, foi exibido inicialmente na TV canadense, mas depois reeditado, com cenas acrescentadas, tais como uma entrevista exclusiva com Aristide no exílio, e se encontra na internet com o nome de “Une revolution sans fin – Aristide et l’avenir incertain d’Haïti”.<br /><br /><br />Outro documentário interessantíssimo é “GNB kont Atilla”, de Arnold Antonin. Este filme mostra a interessante luta dos estudantes contra Aristide nos momentos que antecederam sua queda. Embora seja de tendência radicalmente oposta ao primeiro, é um relato bem interessante sobre toda a movimentação de setores politicamente organizados para resistir a uma suposta tentativa de golpe da parte de Aristide. A idéia de que Aristide pretendesse ficar no poder por mais do que os cinco anos constitucionalmente estipulados foi exatamente o leitmotiv da construção dos argumentos em sua oposição. O filme ilustra, a meu ver, que o medo difuso de uma suposta ditadura comandada por partidários de Aristide foi o motor da organização de uma forte resistência de diversos setores e organizou numa outra ponta resistência armada. De outro lado, o filme mostra também a organização dos estudantes e sua luta contra uma polícia violenta e despreparada e, sobretudo, contra os partidários de Aristide, os “chiméres”, chefes locais de bairros pobres e favelas, que se tornam chefes de gangues criminosas. Este é o tema de outro documentário, “The Ghosts of Cité Soleil”, exibido no Brasil como “As gangues de Cité Soleil”.<br /><br /><br />Dirigido por Asger Leth e produzido pelo rapper Wyclef Jean (ex-Fugees), o filme é um interessante relato do processo de ascensão das gangues e da queda de Aristide. Acusado por intelectuais daqui de “romantizar as gangues”, o filme mostra, no entanto, um retrato significativo do processo que tirou Aristide do poder. Do meu ponto de vista parece ser claro que Aristide não contando com uma força armada nacional, para garantir seus poderes constitucionais (as forças armadas do país foram dissolvidas por ele em seu primeiro mandato presidencial, logo após a sua volta em 1994, com o fim do golpe de Estado), não podendo confiar na Polícia Nacional Haitiana, ainda sob forte influência dos militares golpistas de 1991 e mesmo dos Tonton Macoutes, do regime de Duvalier, o presidente se vê obrigado a formar uma espécie de “guarda de segurança particular” com seus partidários mais inflamados dos bairros pobres, em especial, de Cité Soleil. Ao armar estas “gangues” dos bairros pobres, Aristide acende o estopim que vai detonar a sua queda, pois será justamente daí que virá a desconfiança sobre um projeto de se manter no poder indefinidamente.<br /><br /><br />Há ainda um estranho filme, sem créditos, sem diretor ou qualquer referência, intitulado “Aristide the Truth”, que é feito em seqüência. Pude ver apenas uma parte que diz respeito ao golpe de 1991 e à volta de Aristide em 1994, já sob o apoio de Bill Clinton e dos “marines” americanos. Sua seqüência contaria exatamente a história da volta ao poder e da queda em 2004, mas ainda não encontrei-a disponível para venda. O filme tenta ser “imparcial” ao mostrar as ambigüidades da figura de Aristide. Sua oscilação entre um discurso radicalmente contra os EUA, enquanto padre ligado à teologia da libertação, e sua volta ao poder sob os auspícios de Bill Clinton, presidente do país que combatia em seus antigos discursos. O filme também mostra as ligações entre os militares golpistas de 1991 e a famosa “Escola das Américas”, como Raoul Cedras, presidente golpista, e seus assessores foram formados nesta, assim como uma suposta influência de George Bush Pai no processo que ensejou o golpe militar. Aliás, curiosamente, o filme de Nicolas Rossier faz uma associação entre o fato do golpe de 1991 contra Aristide ter se dado no governo de Bush pai, e a queda de 2004, foi sob o governo de Bush filho. É curioso, no entanto, que uma força internacional organizada por EUA e França tenha se antecipado à formação e aprovação do mandato da Minustah pela ONU, visando “garantir o governo provisório e evitar eventuais violações dos direitos humanos no país”.<br /><br /><br />Como disse todos estes filmes levam a uma única conclusão: a ambigüidade da figura de Jean Bertrand Aristide. Sua força junto à maioria da população impressiona. Mas ao mesmo tempo, falar seu nome é como conjurar um espírito maligno. Seus partidários evitam falar, mas é evidente que eles são uma maioria significativa, ao mesmo tempo, que aqueles que são contra, fora dos círculos da elite local e dos intelectuais, raramente se manifestam, temendo reações inflamadas de seus partidários. E isto nos leva de volta a Cathy, Simone, Wilson, Pierre e Ferndinand...<br /><br /><br />O que poderia fazer estas pessoas desejarem ficar em seu país?<br /><br /><br />Não sei. Lembro que numa determinada época, era forte o fluxo migratório de brasileiros para os EUA, e ainda hoje não é nada desprezível. Mas ao mesmo tempo, vejo que ao longo dos últimos 20 anos foram inúmeros concursos públicos, a despeito dos ferozes ataques, as universidades públicas têm, não apenas aumentado o seu número de vagas, mas iniciado um controvertido processo de políticas de inclusão, o atual governo tem investido massivamente na criação de novas universidades públicas e fortalecido a pós-graduação através de bolsas e editais de pesquisa, a inclusão de setores através do consumo e do crédito às classes D e E tem propiciado uma rota de crescimento ao país, o emprego cresce, ainda que timidamente...<br /><br /><br />Penso nisso e olho para o fato de que, a despeito das várias críticas à classe política do Brasil, isto decorre de um PROJETO DE NAÇÃO. Em que pesem as críticas à má formação de nossos parlamentares, ao despreparo de nossa classe política e a uma suposta corrupção endêmica desta, todos estes problemas são contrapostos exatamente ao alto nível de uma parcela importante da elite parlamentar, à formação de quadros técnicos em alto nível nos últimos 40 anos, a uma burocracia estatal capaz de fazer a máquina pública funcionar (sim, o Estado no Brasil, funciona e muito bem em muitos aspectos) e o aproveitamento destes quadros em setores chave ao desenvolvimento do país, bem como as recentes transformações, tal como a recuperação do rumo do investimento público, sem o qual não é possível haver desenvolvimento algum.<br /><br /><br />Perguntam-me meus amigos haitianos se tem emprego no Brasil?<br /><br />Não sei...<br /><br /><br />Sei que o país deles necessita urgentemente de um projeto capaz de oferecer perspectivas para eles que, mesmo que saiam, tenham como voltar e como trabalhar no país.<br /><br /><br />Este, aliás, é o problema de Ferdinand, de Pierre e de Wilson quando conseguir de formar... São técnicos formados com bom nível de preparação para serem incluídos no mercado de trabalho, no entanto, a pergunta que ocorre é qual mercado de trabalho? Ferdinand conseguiu sair para o Canadá, país que é constantemente acusado por aqui de “roubar cérebros”. Mas e os outros dois? Quais serão as perspectivas de trabalho para estes aqui no país? E as meninas, que ainda nem chegaram à universidade?<br /><br /><br />Recentemente, um rapaz me abordou numa festa junina realizada pela Embaixada Brasileira, que reuniu não apenas brasileiros que estão no país, trabalhando na cooperação internacional, na embaixada, soldados da Minustah, mas também os alunos haitianos de língua portuguesa do CEB – Centro de Estudos Brasileiros. Falando um correto português, disse: “Senhor, eu gostaria de saber como eu faço para trabalhar para Minustah. Além de falar português, eu falo espanhol e francês. O senhor pode me apresentar o chefe da Minustah?”. Sem graça, lhe sorri amarelo e disse-lhe que não podia fazer muita coisa por ele, que sou apenas um estudante brasileiro aqui no Haiti. Alguns minutos depois seria apresentado a um dos comandantes brasileiros aqui no país, que me deu um cartão e disse que o procurasse diante de qualquer problema ou necessidade.<br /><br /><br />Fiquei com o cartão na mão, pensando no rapaz... Claro que não podia mesmo ajudá-lo. Mas fiquei assustado com isso, com essa falta de perspectiva de trabalho e com essa abordagem tão direta e sincera pedindo um emprego no meio de uma festa. Em que pese o inconveniente de tal atitude, ela é no mínimo corajosa, e pensei no que leva alguém a agir de tal maneira. Não achei uma resposta.<br /><br /><br />Assim como não tenho uma resposta quando pergunto às minhas amigas Catherine e Simone o que elas pretendem fazer no futuro... Elas respondem que não sabem, e perguntam, brincando, se quero levá-las para o Brasil quando eu voltar... Respondo, também brincando, que sim... Elas talvez levem a sério sua pergunta e a minha resposta... Não sei... Tal como Aristide e todas as coisas aqui, mas talvez todas as coisas da vida, tudo é muito ambíguo...</span> </div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-36324211405802170482008-06-19T14:56:00.000-07:002008-06-19T15:10:34.971-07:00Em busca da pureza perdida?<div align="center"><span style="font-size:85%;"></span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9Pro_IXsTvBnkaBi_WmX76iOKomqH20jQ_TVWczaDKwZMqqV3WFzfXEGY2Y-9TEfo17D9rsMfCLNXCGJNorw7DyWagGLwOlhk_5CnhwVOnfGy0dQvWT4B61k4Rsd2yt3i0hUopcw28ECo/s1600-h/HPIM3349.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5213716781197628690" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9Pro_IXsTvBnkaBi_WmX76iOKomqH20jQ_TVWczaDKwZMqqV3WFzfXEGY2Y-9TEfo17D9rsMfCLNXCGJNorw7DyWagGLwOlhk_5CnhwVOnfGy0dQvWT4B61k4Rsd2yt3i0hUopcw28ECo/s400/HPIM3349.JPG" border="0" /></a><span style="font-size:78%;">Des Ermites: Vodu ou Católico? Ou um pouco dos dois? </span></div><div align="center"><span style="font-size:78%;"><br /></span><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Ontem, conversava por telefone com um brasileiro que está aqui no Haiti. Fotógrafo, nós havíamos tentado conversar para que eu o levasse à Des Ermites. Infelizmente, uma série de desencontros impediu que nos encontrássemos. Porém, muito gentil, ele perguntou se eu queria conhecer St. Michel du Sud, que segundo ele é um lugar de peregrinação e poderia ser muito interessante para mim. Disse a ele que infelizmente não poderia ir, pois quero estar ao máximo possível em Des Ermites, acompanhando a preparação da festa do santuário, no dia 2 de julho. Comentei que queria ir à Saut d’Eau na festa da Vierge des Miracles em 16 de julho.<br /><br />Meu interlocutor disse que eu não devia ir neste dia, pois “se quisesse ver as coisas mais ‘<em>puras</em>’ da ‘<em>religião mesmo</em>’, que chegasse antes, por volta do dia 13 de julho”. Disse ainda que “a festa do dia 16 é mais ‘<em>profana</em>’, com gente bebendo cerveja e dançando”. Respondi-lhe que era engraçado o que ele dizia, pois como antropólogo não tinha o hábito de julgar assim as coisas que as pessoas faziam, pois não sou eu quem coloca o selo de “autenticidade” numa manifestação cultural.<br /><br />Uma vez soube que um jovem antropólogo, numa espécie de auto-elogio ao seu trabalho de pesquisa, criticou o trabalho de outro antropólogo, pesquisador do candomblé, porque em seus livros sobre a música dos terreiros ele fazia as gravações em estúdio, e que do coro destas gravações participaram alguns músicos profissionais, entre eles, um cantor de samba, conhecido na noite do Rio de Janeiro. Disse ainda que suas gravações eram “autênticas” porque haviam sido feitas num terreiro, com os membros deste terreiro. O que não sabia o jovem antropólogo é que o coro que ele criticara era formado por membros de um terreiro ao qual o outro antropólogo é filiado e o cantor conhecido freqüentava a mesma casa de santo, ora como cliente, ora como visitante nas festas públicas.<br /><br />Isto, de fato, não tem muita importância. O que importa é que certa visão da antropologia se preocupa em buscar uma essência, uma pureza que só existe como idéia nativa, e por isso se apresenta como um problema sociológico, e sendo uma idéia nativa, esta pureza é um “programa de verdade”, por isso se torna um interessante problema a ser pensado. Quando esta “verdade”, esta “pureza” se torna objeto de disputas intelectuais ela é também um problema sociológico, mas não sobre o ponto de vista nativo, na verdade, torna-se um problema de sociologia dos intelectuais, suas disputas, a formação do campo, etc., neste caso, intelectuais tornam-se “nativos”. Não confundir também isto com a questão dos “intelectuais nativos” ou “nativos intelectuais”. Enfim, este jogo de palavras está referido a uma questão: a questão da busca da “pureza” e da “verdade” das coisas.<br /><br />Meu interlocutor talvez tenha razão. A festa do dia 16 de julho se tornou uma festa “profana”... Isso tira a sua “verdade” como celebração religiosa? Do meu ponto de vista, não. Por quê? Porque na vida real as coisas não se separam de modo distintivo. Separações desta natureza são exercícios de purificação operados a partir de determinados pontos de vista normativos sobre a ordem “verdadeira”, “boa” e “legítima” das coisas.<br /><br />Olho então para a minha querida Salvador...<br /><br />A festa do dia 02 de fevereiro, dedicada ao orixá Iemanjá, no bairro do Rio Vermelho é uma festa “de largo”, como dizem os baianos, ou uma festa que ainda guarda um conteúdo religioso? Não sei dizer... Mas vejo as pessoas depositarem suas oferendas no mar, os pequenos barcos saindo com flores e presentes para Iemanjá. Ao mesmo tempo, vejo nas ruas do Rio Vermelho um verdadeiro carnaval, hotéis oferecendo pacotes e camarotes para o dia da festa. Todo mundo enchendo a cara de cerveja e se divertindo. Todo mundo fazendo oferendas, pedidos e pagando promessas feitas à Iemanjá. Sagrado ou profano?<br /><br />No Rio de Janeiro, no dia 23 de abril, o dia de São Jorge, é feriado. Milhares de pessoas se amontoam em torno do Campo de Santana, ali no final do SAARA, quase na esquina da Avenida Presidente Vargas. São devotos do Santo Guerreiro que vão à sua igreja louvá-lo. Muitos vestidos com roupas vermelhas ou vestidos de branco, chegam ainda na madrugada para aguardar o toque dos clarins dos policiais militares e bombeiros, a queima de fogos e a benção do padre da igreja, as muitas missas, a procissão e o cortejo do santo. Em Madureira, a cavalhada de São Jorge sai da quadra da Escola de Samba Império Serrano e vai até a igreja do santo em Quintino. Em torno de ambas as igrejas, muita festa, pagode, batucada e cerveja. Sagrado ou profano?<br /><br />Volto para o Haiti. Em Des Ermites olho o modo como as pessoas dançam louvando a santa. Acho curioso, dançam sensualmente, quase de modo “profano”, bebem rum e cerveja, contam piadas e fazem brincadeiras, enquanto transcorre o serviço religioso e diante dos loas manifestados. Sagrado ou profano?<br /><br />Há alguns anos escrevi um trabalho que intitulei “Profanando o Sagrado?”, que investigava uma pequena loja de artigos religiosos no bairro do Cachambi, Rio de Janeiro, onde sua dona, uma mãe de santo prestava todo tipo de atendimento espiritual na parte do fundo da loja. De um lado, um estabelecimento comercial, voltado à venda de produtos para religião. De outro lado, um verdadeiro templo religioso instalado no interior deste estabelecimento comercial. A minha conclusão era que não havia “profanação” alguma. Havia sim uma naturalização das relações entre uma coisa e outra, que atribuí então à visão de mundo do candomblé e das religiões afro-brasileiras em geral. Mais tarde, já quando defendi a minha dissertação de mestrado, aprofundava a questão afirmando que estas separações são operações de purificação utilizadas muitas vezes pelos agentes em situações de acusação. A vida real torna as coisas extremamente mescladas, complexas e precisamos separá-las para fazê-las inteligíveis.<br /><br />Talvez Saut d’Eau não seja mais uma “festa religiosa” <em>stricto senso</em>. Mas de outro lado, aprendi que as festas religiosas sempre têm uma faceta profana, que é inseparável de seu lado mais sacralizado. Não desprezaria as observações de meu interlocutor, mas diria que para mim interessa muito mais essa festa mais “misutrada”, onde o “sagrado” parece sufocado pelo “profano”, talvez exatamente porque essa mistura não apresente as coisas “puras” ou “purificadas”, mas porque para mim, suponho, elas parecem mais próximas de como o mundo real se apresenta, sem máscaras ou fantasias.<br /><br />Não quero dizer que há uma verdade nos fatos a ser descoberta, porque estaria incorrendo no mesmo erro daqueles que falam em “pureza”, “verdade” e outras coisas que no final acabam sendo formas de estabelecer uma visão normativa sobre o mundo. Só não quero também dirigir meu olhar sobre as coisas para fazê-las parecer aquilo que quero enxergar. Quero que as coisas, as sensações, os fatos, entrem pelos meus olhos, ouvidos, pelos meus poros, para que de alguma forma esse exercício quase poético me permita compreender os sentidos que as pessoas atribuem às suas ações.<br /><br />E com isso, vamos à Saut d’Eau em julho, sem expectativas especiais, apenas para olhar o grande santuário católico/vodu, ver a fé das pessoas misturada com sua alegria, bebedeira e danças. Não quero ver apenas o Apolo do rito bem organizado e preparado, mas ver exatamente o Dionísio presente nestas festas. Porque estes vivem juntos e inseparáveis.<br /><br />Quero juntar Rimbaud com Max Weber e ver no que dá...</span></div></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-69665468640332366002008-06-18T23:51:00.000-07:002008-06-19T15:18:21.429-07:00Um festival de incompetência<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipYAQRnCo_sW3PhvIbYld7OcCkIqi28EyKrbiAP8zNKFOPzzt7-tJ1H2gxU2GB7winH65Y9LQIw0oJAhiBkTjXCUBXmwsPZV0yER3exwNqusGg1aJw-bWVMBxATUsreSkEGWZ52zDudmhV/s1600-h/Sele%C3%A7%C3%A3o1.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5213482576336557858" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipYAQRnCo_sW3PhvIbYld7OcCkIqi28EyKrbiAP8zNKFOPzzt7-tJ1H2gxU2GB7winH65Y9LQIw0oJAhiBkTjXCUBXmwsPZV0yER3exwNqusGg1aJw-bWVMBxATUsreSkEGWZ52zDudmhV/s400/Sele%C3%A7%C3%A3o1.jpg" border="0" /></a><br /><div align="center"><span style="font-size:78%;">Se o Lúcio que tá lá, não agüenta ver, imagina nós???</span></div><div align="center"><span style="font-size:78%;"></span></div><div align="center"><span style="font-size:78%;"></span></div><div></div><div>Falando sério? Foi um festival de incompetência dos dois times...</div><br /><div><br />O Brasil de Dunga é um time tão criativo quanto foi o bravo capitão do tetra. E eu nunca tinha visto um time argentino com tanto medo de ganhar do Brasil. Este é o retrato do jogo: um festival de incompetência dos dois lados. Covardia da Argentina versus a falta de brilho do time brasileiro...<br />O Vanderlei Luxemburgo costuma dizer que o medo de perder tira a coragem de ganhar. Eis o que aconteceu com os dois times, um jogo que empatou porque nenhum dos dois times teve realmente vontade de ganhar.<br /><br />O técnico da seleção responde: “É preciso ver que do outro lado estava a Argentina”. Que Argentina?<br /><br />Houve um tempo que a gente morria de medo de jogar com a Argentina. Bastava piscar o olho e... Pimba! Eles metiam um gol... E a gente não conseguia fazer nada... Era ridículo... Lembro daquela bisonha tentativa de voleio do Müller na Copa de 90... A Argentina não jogava nada, mas em um minuto, num vacilo, numa piscadela... Perdíamos...<br /><br />Os tempos mudaram para os dois times...<br /><br />Especialmente para a Argentina, que parece não ter forças para nos ganhar. Parece conformada com uma espécie de “escrita”. “Não, não vamos ganhar do Brasil, porque infelizmente não conseguimos...”. Não acreditam? Perdoem-me meus amigos argentinos, mas falaria de três lances neste jogo que a Argentina poderia ter provocado a (tão esperada) demissão do Dunga.<br /><br />Querem ver?<br /><br />Messi entra pela esquerda, nas costas de Lúcio, ganha na velocidade e está sozinho diante de Júlio César... Chuta... A bola sai pela lateral!!!<br /><br />Julio Cruz recebe, aparentemente em impedimento... Sozinho, na cara do Júlio César. Hum! (Fecho olho) Agora f...! O bandeira vai dar (tem que dar!!!)... Não? Ai! Chuta por cima!!! Caraca!!! E não estava impedido? Não! Maicon dava condição lá pela direita.<br /><br />Finalzinho do jogo, acho que lá pelos 43 minutos... Messi vem com bola pela esquerda, de novo... Hum, isso vai dar merda... Ele bate... Júlio César faz grande defesa, mas dá rebote... Cadê a zaga que não chega? Messi pega de novo e chuta por cima... Fim do jogo.<br /><br />Começo a acreditar que os argentinos fizeram de sacanagem... Não quiseram ganhar o jogo para não provocar a saída do Dunga que é melhor para eles...<br /><br />Os otimistas dirão ainda: “a Argentina não nos vence há três anos”. “Nos últimos sete confrontos ganhamos quatro e empatamos dois”. “A Argentina é uma seleção fortíssima”... Sim, não nego que respeito muito a seleção argentina. Sou da geração que ficou 24 anos sem ganhar uma Copa do Mundo, enquanto a Argentina ganhou as suas duas nas quatro que assisti pela TV (1978, 1982, a mais sofrida, 1986 e 1990) até 1994, e a de 1974 não lembro com tanta precisão de detalhes.<br /><br />Mas na boa?<br /><br />Esse time não deu nem para assustar... Cadê o Riquelme??? Acho que ele não se recuperou do sacode que tomou no Maracanã... O Messi??? O craque deles, a esperança, o “novo Maradona”, perdeu um gol bisonhamente... Onde está a Argentina do abusado Caniggia, do gigante Batistuta, do raçudo Kempes, do catimbeiro Simeone, do elegante Redondo, do imbatível Fillol, do genial Maradona???<br /><br />Até o “bonde” do Jorge Valdano era melhor do que o Julio Cruz...<br /><br />Meus amigos argentinos devem estar revoltados, pois eu falo de um festival de incompetência mútua, e até agora só descasquei o time argentino... Claro! Sou brasileiro!<br /><br />Sim, sou brasileiro mas não sou cego... Vi o jogo, e vou falar da minha tristeza com a seleção...<br /><br />Primeiro, porque aqui no Haiti todo mundo me diz assim: “Mwen fanatik Brésil”. Mas também desde aquele jogo contra a Venezuela, me perguntam: “Sa k pase avek Brésil?”. Para esta pergunta (“O que está acontecendo com o Brasil?”), eu tenho a resposta pronta: “Mesye Dunga pa klèr, li pa serie!” (“O Sr. Dunga não é muito ‘claro’, ele não é sério”). Alguns riem e dizem que ele ganhou a Copa América... E em cima da Argentina! Eu digo que é verdade... Mas... Maicon? Daniel Alves? Sei não...<br /><br />Acho até bom que ele não desfalque o Flamengo e nem quero “puxar a brasa para a sardinha do meu time”, mas francamente, esses dois não jogam juntos a metade do que joga o Léo Moura. Caramba! Basta jogar na Europa para ser craque de seleção?<br /><br />Ah, tá bom...<br /><br />Tem mais? Tem de sobra...<br /><br />Tudo bem que a gente tem que respeitar a Argentina, sim é verdade... Mas escalar QUATRO CABEÇAS DE ÁREA??? Isso parece coisa do Papai Joel...<br /><br />Alguns ainda dirão, “ah, mas dá um desconto, o Júlio Baptista não é volante e o Anderson muito menos, pode até estar jogando como tal, mas sua posição de origem é de meia armador”. É... Pode ser... Mas respondendo a estes, direi: Sim, de fato, o Anderson não é um volante de origem, mas a origem do Júlio Baptista é jogar como volante, no final, dá tudo no mesmo: um não era volante e virou, o outro era volante e virou meia... No final, o que importa é que os dois jogaram como volantes... Não?<br /><br />Querem ver?<br /><br />Por volta dos 20 minutos do primeiro tempo, o Brasil ainda não havia dado sequer um chute em gol e a Argentina já tinha criado uma boa oportunidade numa cabeçada de Julio Cruz facilmente defendida por Júlio César. Olhando para o posicionamento do meio campo do Brasil, este formava uma linha de quatro jogadores atrás do grande círculo, com o Adriano isolado na frente, e o Robinho desaparecido por alguma lateral do campo, voltando para ajudar a defesa...<br />O meio campo do Brasil só acertava passes laterais, e os zagueiros faziam aqueles “lançamentos” (a famosa “ligação direta”) que caíam nos pés dos zagueiros argentinos. Para piorar, de onde se esperava algum lampejo de talento e algo mais que passes laterais, vinham passes afoitos, errados, muitas faltas e um cartão. Anderson, que supostamente entrou para “dar qualidade ao passe do meio campo”, não acertava lhufas... Júlio Baptista, o outro armador, fazia “o de sempre”, muito vigor, muita vontade, saúde, mas sem brilho...<br /><br />Mas aos 22 minutos, um alento: Robinho... Ah, Robinho... Sumido, ele resolveu aparecer, dar o ar de sua graça. Numa bela entrada pela direita, dá uma meia lua no zagueiro, e bate em cima de Abondanzieri, a bola espirra e sobra para Júlio Baptista, agora vai! Ele bate em cima de Abondanzieri, de novo!!!<br /><br />Agora vai... Vai para p...!!!<br /><br />Numa dessas “ligações diretas” (daí o fato de muita gente achar que isso é uma “jogada ensaiada”, esse chutão dos zagueiros para o atacante brigar com a zaga) alguém “lançou” (desculpe, Gérson Canhotinha!) para o Adriano, impedido, mas este inteligentemente parou, pois o Robinho, vindo de trás, entrava em condições de jogo... O “Rei das Pedaladas” entra livre pela esquerda, dribla o goleiro, caminha para linha de fundo, Abondanzieri tenta detê-lo, não consegue, e quando consegue, agarra sua camisa (pelo que lembro, pênalti não tem “lei da vantagem”), mas Robinho não consegue chutar e nem cruzar... Ai, ai, ai!!! O locutor da TV haitiana diz: “Eternel!!!”.<br /><br />E só... Isso foi a seleção no primeiro tempo...<br /><br />Ah, ia esquecendo... Aos 33 minutos, o Anderson se machucou... Ai, cacete!!! Já vi tudo... O Dunga vai ter que tirar um volante e, tão óbvio quanto o futebol que ele jogava, vai colocar outro... Ai... Mas ele me surpreende... Coloca o Diego... Agora tem um lampejo de talento nesse meio de campo... Porém, Diego está numa noite infeliz... Como Anderson, apesar do talento, não consegue acertar nada...<br /><br />Mas o Dunga como sempre, capaz de surpreender positivamente, como fez com aquele famoso “lançamento” para o Romário no jogo contra Camarões em 1994 (ninguém me tira da cabeça que aquilo foi uma tremenda cagada!), também nos surpreende negativamente...<br /><br />Ok, o Diego não está bem... Não se achou em campo... Se você fosse o técnico, Zé Renato, o que faria... Eu???<br /><br />Ah, tá bom... Vamos fazer o seguinte, dá para ganhar esse jogo, né? Dá!<br /><br />Vamos fazer o seguinte, eu vou dizer para o Júlio recuar, e só “sair na boa”, vou botar o Robinho de quarto homem do meio de campo, e meter o Pato na frente... É bola ou búlica!!! Tudo bem, no Brasil todos somos técnicos e todos temos uma solução mágica para ganhar o jogo...<br /><br />Mas essa solução não é nada mágica. Ele mesmo tentou e fracassou contra a Venezuela. Perdia o jogo e arriscou tudo... E o Júlio é volante de origem, o Robinho joga às vezes nessa função no Real... Pô, dá para ser...<br /><br />Tá bom... Mas tirar o Diego e colocar o Daniel Alves???? O que ele quis fazer com isso???<br /><br />Não! Assim é demais... Os haitianos que viam o jogo comigo, riam do meu desespero...<br /><br />Mas não dá...<br /><br />Enfim, não quero ser óbvio e nem reforçar o coro daquilo que todo mundo deve estar repetindo aí no Brasil: porém, <strong>FORA DUNGA!!!</strong> </div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-69749427487147180872008-06-11T08:03:00.000-07:002008-06-11T08:55:12.070-07:00Respondendo aos comentários...<div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Resolvi postar em resposta à gentil atitude de dois meus 12 fiéis leitores em comentar as coisas que escrevo aqui...</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Então aí vai...</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Primeiro, ao João Marcelo...</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Sim, meu caro, é exatamente este o problema que vimos colocando como questão central para a nossa pesquisa aqui no Haiti (a minha, de Federico e demais colegas) como perceber as coisas daqui sem recorrer aos modelos prontos, modelos estes que não são senão "modelos" que não se realizam nem mesmo nos países onde ele foram concebidos. Ora, a "república" francesa, berço da moderna noção de cidadania, nunca viveu tamanha crise de identidade ao se deparar com conflitos como aquele que você expõe. Os instrumentos "clássicos", como você chama, não estão conseguindo dar conta das tensões reais que as relações entre os mundos pós-coloniais e as ex-metrópoles estão impondo. Há uma conta a ser paga, e agora estão aí na porta batendo, cobrando o preço.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Porém, nosotros, daqui da periferia sempre nos acostumamos a lidar com um mundo mais desordenado e caótico do ponto de vista deles. E fazer a ordem desse caos... </span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">O nosso modelo de ação afirmativa, por exemplo, confunde a cabeça de uma parcela significativa dos nossos intelectuais que estão sempre referidos, de forma crítica, ao modelo norte americano. Apontam que houve uma importação direta de um modelo que "cria um conflito onde ele não existe". Não incorporam, por exemplo, uma percepção que uma suposta tendência às "saídas negociadas", à "convergência para o centro", não são nada mais que expressões deste conflito. Só é possível haver negociação quando há interesses em choque. Ninguém negocia sem interesses.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">E o mais interessante é perceber que em sociedade como o Haiti, onde supostamente todos são descendentes de ex-escravos, todos são, no limite, <em>negros</em>, há tensões raciais. Pode ser que estejamos falando da "linha de cor" de Dubois, ou ainda, de uma histórica tensão econômica entre negros <em>boçais</em> e mulatos ricos. De qualquer forma, há no seio uma sociedade que é, por assim dizer, <em>negra</em>, tensões raciais. Invocar a mestiçagem não soluciona o problema. E quando passamos para o outro lado da ilha, a República Dominicana, as tensões aumentam ainda mais. Nação e raça se confundem... Infelizmente, queiram ou não certos intelectuais invocar a biologia para dizer: "Ei, vocês estão enganados, raça não existe". Eles talvez precisem dar um passeio pelo mundo para entender melhor a sua própria casa e perceber que muitas vezes são eles mesmos que estão importando modelos políticos/analíticos que não dão conta da realidade. Não sou um empirista radical, mas acho que tem faltado a essa gente andar pelas ruas e se misturar com o seu material de pesquisa. Não adianta dizer que faz pesquisa há 30 anos com relações raciais... Precisam olhar o momento. Pesquisa é isso... É um frame... </span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Modelos são úteis para pensar, mas não podem dirigir de modo normativo o nosso olhar. Diferente de um microscópio ou um moderno telescópio, a pesquisa social requer que os instrumentos sejam permanentemente ajustados àquilo que estamos vendo... Enfim...</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Agora o Leonardo, sobre o Obama.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Em primeiro lugar, foi exatamente isto que possibilitou a comparação entre ele e o Lula de 1989 (diria mesmo que o Lula de 2002 também) a idéia de que sua candidatura quebra um paradigma. Esta é a sua força (como sempre foi a força do PT e de Lula) trazer uma mensagem diferente, de esperança e de mudança. Mas sociedades reais resistem às mudanças, e quebras de paradigma às vezes se apresentam como mudanças demasiadamente radicais para ser incorporadas facilmente.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">E isto é que me faz pensar que vou, infelizmente, ganhar a tal aposta. </span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Nossa experiência frustrada de 1989 nos mostrou que não adianta ser criativo na hora de fazer campanha. Certos golpes são duros demais para se absorver e como eu disse, não será fácil para um americano médio ouvir McCain se referir nos debates ao seu opositor como Mr. Hussein. E não adiantará Obama dizer que seu nome é Barack Obama. Isso só vai pesar contra ele, porque pode ser visto como uma negação de seu nome. Será um complicado jogo de xadrez, muito mais complexo do que convencer um partido (supostamente) progressista a adotar uma candidatura que rompe paradigmas.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">E aí vem a questão da Unidade e Esperança... Sim, esse discurso é muito bom para nós. Mas mesmo Bush, no auge da crise do onze de setembro, invocou a nação Una e Indivisível sob os olhos de Deus. E com isso conseguiu fazer passar uma legislação que coloca por terra uma série de tradições ligadas aos direitos individuais nos EUA. E ainda, conseguiu criar uma situação que desrespeita protocolos internacionais relativos aos aeroportos, posto que país algum exige visto para estabelecer uma conexão entre vôos. Somente os EUA... Tudo em nome da unidade da nação e da esperança de manter unido este povo...</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Sei não, meu caro, sou muito pessimista, o calo nos ensina a andar de sapato apertado...</span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Embora não seja partidário da noção de unidade, prefiro a pluralidade e o pluralismo, tenho sempre esperança. Como disse, aposto no Fluminense na final da Libertadores, mas não me incomodaria em perder. Aposto em McCain para a presidência dos EUA, adoraria perder!</span></div><div align="justify"></div><div align="justify">O que parece ainda mais interessante é como estas eleições afetam o Haiti e sobretudo a comunidade haitiano-americana. Afeta tanto que meu amigo da aposta vai falar no sábado em um programa de rádio, transmitido para a Flórida (onde se encontra parte substantiva da comunidade haitiana nos EUA), fazendo um manifesto em favor do voto dos haitianos em Obama. Disse a ele que isso não lhe fará ganhar a aposta, pois ele <em>vai pregar para convertidos</em>: imigrantes normalmente votam em candidatos democratas e, mesmo com o grande apoio dos haitianos ao casal Clinton e a pré candidata Hilary, será mais do que natural o voto destes em Obama.</div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify">Enfim... Acho que é isso...</div><div align="justify"></div><div align="justify">Um abraço aos dois amigos e aos outros dez leitores</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-62201172833422874522008-06-10T22:59:00.000-07:002008-06-11T08:00:34.106-07:00"Antropologices" ou "A maldição"<div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijEXxr0dL3cUxjnG2MXXTIzJjuhku4g-vE2bE9DypINbFuvsktgYpiLhTFQQYHZ34P7m6eY0ssDJfNBHO7fCfl0B2jaxVzPbG5Z8o326fLsMwaH89QDfEQcJEboBoR9cBoosJ7Ahea7MeV/s1600-h/27382739.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5210517842025069330" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijEXxr0dL3cUxjnG2MXXTIzJjuhku4g-vE2bE9DypINbFuvsktgYpiLhTFQQYHZ34P7m6eY0ssDJfNBHO7fCfl0B2jaxVzPbG5Z8o326fLsMwaH89QDfEQcJEboBoR9cBoosJ7Ahea7MeV/s400/27382739.JPG" border="0" /></a><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Cada vez que converso com um hatiano que encontro pelo caminho das minhas pesquisas sobre o vodu, tenho a impressão de que muitos haitianos crêem que seu país sofre de algum tipo de maldição proferida por Deus ou pelos deuses.</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Tenho percebido que há por aqui entre os cristãos, católicos, voduissants e protestantes,uma idéia muito forte de um Deus todo poderoso, ciumento e vingador, imagem que entre nós brasileiros parece muito mais recorrente em certas versões do protestantismo, referidas ao Deus do antigo testamento. Fosse tal visão apenas partilhada pelos religiosos, não pareceria estranho, no entanto, ela parece também atravessar de alguma forma a visão de certos intelectuais daqui sobre o seu país.</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Enquanto para os religiosos a visão de mundo é atravessada por crenças em divindades sobrenaturais, em poderes superiores e inexplicáveis, pela ação de entidades maléficas exteriores aos homens, ou ainda que são parte de uma natureza pervertida da espécie humana, uma natureza marcada pelo pecado original, entre os intelectuais este pecado original está na Cultura. <em>Cultura autoritária, cultura da violência, cultura da barbárie, cultura "macoute", cultura da "marronage", </em>estão entre muitas associações entre o termo <em>cultura</em> e os males da nação.</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Num certo sentido a cultura aparece como um <em>deus ex-machina</em> capaz de resolver e explicar todos os problemas, conferir sentido racional a tudo aquilo que parece fora de ordem ou desarrumado. Em outras palavras, a <em>cosmologia</em> de certa parcela dos intelectuais daqui pode ser enquadrada nos mesmos marcos que as explicações nativas sobre um suposto <em>mal de raiz, </em>uma "natureza" dos haitianos voltada para o mal, apoiadas nas crenças religiosas de católicos, voduissants e protestantes.</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Para estes, o mal de raiz viria exatamente do ato de nascença do Haiti: <em>o Sacrifício de Bois Caiman.</em></span></div><br /><div align="justify"><em></em></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Tido como o ato que deflagrou a luta de independência na região norte do país, que uniu os escravos e eclodiu a revolta nas fazendas da região, Bois Caiman é um mito de origem nacional que faz uma associação perfeita entre construção nacional e vodu. Para quem não conhece a história do Haiti, Bois Caiman foi o local onde se realizou uma grande cerimônia vodu, liderada pelo jamaicano Boukman, que organizou os escravos e deu início à luta de independência, onde teria sido sacrificado um porco ou cem porcos às divindades vodu. </span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Por si só tal ato criaria uma cisão irreconciliável entre o movimento de racionalização, essencial às construção de uma ordem <em>moderna </em>e <em>republicana</em>, e as crenças ancestrais africanas, símbolos por excelência do <em>atraso</em> e da <em>irracionalidade</em>. Como criar uma nação a partir disto? Seria como se algum pintor "espírito de porco" pintasse o Grito do Ipiranga com D. Pedro com as calças na mão, depois de <em>obrar</em>, montado em um burrico. Nada mais realista e menos heróico. </span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Aliás, é deste modo que se estabelece de maneira perfeita o pecado original dos intelectuais, a ligação perfeita entre <em>cultura haitiana</em> e <em>atraso</em>: não é a razão instrumental que cria uma nação, não é esta que cria o novo mundo pós-colonial no Haiti, não é desta que brota uma nação, mas de seu extremo oposto: é a <em>magia, o encanto e o mito</em> que estão por trás da criação da nova nação. Eis o lugar onde a cultura aparece...</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">E este ato, Bois Caiman, é quase uma condenação à danação eterna: jamais será possível fazer prevalecer a razão num mundo onde os agentes mágicos se fazem tão presentes e com tamanha força. Não será possível criar uma nação sob os olhos de Deus onde os <em>djab / esprit</em> sejam tão fortes.</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Evans-Pritchard escreveu um clássico sobre os Azande, conseguindo demonstrar que através da bruxaria é possível perceber um esquema racional capaz de explicar o funcionamento do mundo e do infortúnio. Fez isso sem recorrer ao esquema evolucionista spenceriano baseado no tripé magia-religião-ciência. Lévi-Strauss foi ainda mais longe ao perceber que os esquemas do "pensamento selvagem" e o pensamento mítico não estão tão distantes assim da "racionalidade" dos sistemas ditos "científicos".</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">O fato de estarmos fazendo pesquisa no Haiti nos oferece uma visão privilegiada para investigar espaços de pensamento "não purificados", onde oposições binárias não são capazes de explicar com precisão a complexidade da vida social. Seqüências binárias do tipo atraso/modernidade, racional/irracional, rural/urbano não são suficientes para entender o que se passa por aqui. É um mundo de milhões de telefones celulares pelos quais <em>loup garrou</em> e <em>djab</em> diversos se comunicam o tempo todo. As oposições rígidas não servem senão como um exercício heurístico permanentemente descartável. Usamos uma oposição binária no primeiro parágrafo, para descartá-la no segundo, sobretudo quando somos colocados diante de situações sociais reais, empíricas.</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Aliás, somente estas situações sociais, as "cenas sociais" que Florence Weber propõe, interações momentâneas de caráter durável ou não, é que nos permitem perceber o quanto e como as tensões se evidenciam entre os modelos analíticos e o mundo que observamos. São exatamente as relações sociais e os sentidos atribuídos às ações pelos agente que talvez nos permitem compreender o que se passa por aqui no Haiti e talvez no resto do mundo.</span></div></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-87556733937609250862008-06-06T09:52:00.000-07:002008-06-06T09:53:34.742-07:00Apostas<span style="font-family:georgia;">Há certos tipos de aposta que adoraríamos perder...<br />Por exemplo, se hoje eu tivesse que apostar na equipe que seria campeã da Taça Libertadores, apostaria de olhos fechados no Fluminense, e sei que fatalmente iria ganhar. Eis uma aposta que gostaria de perder...<br /><br />Recentemente fiz uma aposta com um amigo haitiano entusiasta da candidatura de Barack Obama à presidência dos EUA. Seu entusiasmo é, sobretudo, com uma crença de que os EUA estariam mudando e que Obama representa esta mudança de mentalidade. Não é com menos entusiasmo que vejo esta candidatura como um sinal de uma importante mudança no mundo, a mais rica e poderosa nação, cuja história sempre foi marcada por uma radical clivagem racial, teria em sua presidência um “homem de cor”. Mas também olho com um pouco mais de realismo desencantado: não, os EUA ainda não estão preparados para ter um negro como seu presidente.<br /><br />Então, fizemos uma aposta: Obama não derrotará McCain. Vamos jantar num caro restaurante chinês de Pétion Ville, se Obama se tornar presidente dos EUA, eu pagarei o jantar. Se ele perder, meu amigo pagará o jantar. Eis uma aposta que adoraria perder...<br />As eleições nos EUA sempre têm grande importância aqui no Haiti.<br /><br />Os próprios movimentos da política nacional do Haiti estiveram nos últimos quinze anos muito relacionados com a alternância entre republicanos e democratas no poder nos EUA. O golpe de 1991 contra Aristide, segundo alguns relatos daqui, estaria intimamente ligado às ações da CIA, posto que um dos líderes deste golpe, que viria a se tornar presidente com a derrubada de Aristide, Raoul Cedras, foi aluno da malsinada “Escola das Américas”. Estes mesmos relatos afirmam que o golpe dado teria apoio do então presidente George Bush “Pai”.<br /><br />De outro lado, a volta de Aristide ao poder, segundo o jornalista Jean Dominique, assassinado em 2000, foi um coup de télephone (literalmente, “golpe de telefone”), dado por Bill Clinton no governo Cedras. Dominique afirmava que os EUA derrubaram Baby Doc da mesma forma, e num programa de TV nos EUA, disse que se tratava do Presidente dos EUA tomar uma atitude contra o governo golpista e restituir Aristide ao seu lugar de presidente eleito. Aristide voltou ao país protegido pelos marines americanos e retomou seu posto de presidente.<br /><br />Alguns críticos mais radicais e adeptos de teorias conspiratórias fazem uma associação curiosa entre a queda de Aristide em 2004 e o fato do presidente dos EUA ser George Bush, “Filho”. O fato é que a comunidade haitiana nos EUA apóia intensamente os democratas, pois crê que a política destes para o Haiti é mais positiva (e propositiva) que o “Big Stick” republicano. O curioso é que algumas informações que tive por aqui diziam que esta comunidade apoiava a candidatura do casal Clinton e, reforçando a crítica comum à Obama, que este não seria “suficientemente negro”. Outros afirmam que este apoio viria de partidários de Aristide, que são muitos na Flórida, principalmente, que conta com a simpatia e o apoio do casal Clinton.<br /><br /> O cenário das eleições nos EUA tem grande importância no Haiti por variadas razões. Boa parte da comunidade haitiana nos EUA sustenta a economia do país através de remessas de dinheiro e alimentos para os parentes daqui. Uma das principais alternativas para melhoria de vida por aqui é a ida para os EUA, para desta forma remeter dinheiro para os parentes daqui. A falta de perspectivas dos jovens e jovens adultos faz dos EUA um eldorado e o sonho do Green Card povoa até as demandas aos sacerdotes vodu, que têm na diáspora haitiana uma parcela significativa de sua clientela.<br /><br />Neste momento, Obama já derrotou Hilary Clinton e está frente a frente com McCain para disputar a presidência do país. Meu amigo diz para mim que já venceu a metade da aposta, e eu lhe respondo que não, pois sempre lhe dissera que Obama seria capaz de derrotar Hilary. Digo sempre que o difícil será convencer algum morador do Kansas, ou do Alabama que o presidente dos EUA se chama Barack Hussein Obama... Ou ouvir McCain nos debates se referir à Obama como Mr. Hussein...<br /><br />Em 1989 eu militava num partido que tinha como sonho levar um operário fabril à presidência do Brasil. Em 2002, com alguma desilusão e muito realismo chegamos com Lula ao poder, já não eram mais o mesmo projeto e o mesmo operário que chegava ao poder. Mas havíamos vencido. Vejo o caminho de Obama como este mesmo sonho. Será que ele se realiza tão rápido ou será ainda necessária uma longa espera, muitas desilusões e mudanças para chegar lá?<br /><br />Abraço</span>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-59061240462125777552008-05-28T11:20:00.000-07:002008-05-28T11:21:23.060-07:00Impressões<span style="font-family:georgia;">Depois de algum tempo sem fazer nenhuma postagem, não sei se por falta de inspiração ou por preguiça, andei refletindo sobre uma questão que é recorrente por aqui e, em especial, para os estrangeiros que vêm ao país: o “problema do Estado Haitiano”.<br /><br />Na verdade, mais do que tratar deste “problema”, a impressão que muitos estrangeiros temos no Haiti é exatamente o contrário, que não se trata de um problema, posto que o Estado Moderno “não existe ou não se realiza no Haiti”. Esta visão, atravessada de prescrições normativas sobre o modo de funcionamento das relações sociais e as formas de regulação destas, é demasiado complicada e prejudica a observação da realidade daqui, sem que as coisas sejam encaradas sempre pelo que chamo de “lógica falta”: “falta Estado”, logo, “faltam educação, comida, segurança, hospitais, etc.”. Do mesmo modo que as intervenções no espaço haitiano são exatamente fundadas nesta lógica: “O Haiti não tem segurança: damos a ele a Minustah”, “O Haiti não tem médicos, damos cooperação na área de saúde”, tudo que é feito por aqui parece operar com esse paradigma: é preciso “cobrir” estas “faltas”.<br /><br />Mas precisamos nos perguntar até onde tais “faltas” não refletem de modo exato essa visão normativa, que impõe um modelo de funcionamento das coisas que não se realiza no mundo real, mas que corresponde a um ideal inatingível para sociedades “falíveis” ou “failble states”. Trata-se de pensar que diversas formas de intervenção no Haiti foram historicamente construídas a partir destas considerações: “o Haiti e os haitianos não são capazes de se governar, governemos por eles”.<br /><br />É preciso também ter na cabeça que os mundos sociais são organizados exatamente a partir de formas sociais que não correspondem aos nossos ideais, e que certos universalismos senão todos no limite acabam sendo perigosas maneiras de estabelecer controle sobre os sujeitos que organizam seus mundos em torno de regras particulares. Não defendo aqui que tenhamos que sair do Haiti, todos os estrangeiros e pessoas que atuam no país como cooperantes, diplomatas, militares, agentes de diversas extrações, e que deixemos que eles resolvam seus conflitos de maneira interna, apenas este tipo de consideração, de que estamos aqui para “ajuda-los a resolver seus problemas”, já me causa arrepios. Porém, as imagens que vimos pela tv ou documentários diversos sobre os conflitos anteriores à chegada da Minustah e toda sua entourage despertam pânico, da mesma forma que diversas experiências pelo mundo, tais como Darfur, Timor, Ruanda, Serra Leoa, Bósnia, etc. colocam em xeque quaisquer idéias simplista sobre “autonomia dos povos”.<br /><br />Os conceitos de autonomia e soberania dos povos são mais complexos do que parecem, não são apenas uma forma normativa de ordenar relações entre países, mas uma forma de estabelecer limites nas formas de agir sobre estes países. Acho mesmo que tais noções são extensões da noção moderna de indivíduo sobre coletividades e “nações”.<br /><br />Um fato que salta aos olhos na primeira impressão sobre o Haiti é o alto grau de mercantilização da sociedade local. Todo lugar é potencialmente um mercado, e todo sujeito é potencialmente um mercador/consumidor. Isto parece simples, mas se pensarmos no alto grau de desregulamentação do país, nas formas de fiscalização e ordenamento do espaço público que passam ao largo do Estado, que aliás, independem absolutamente deste, na idéia de que a chamada “economia formal” no Haiti é incapaz de responder pelos fluxos de pessoas e mercadorias, no alto grau internacionalização da economia e na desregulamentação das relações de trabalho, se juntarmos todos estes aspectos, o Haiti é o modelo perfeito de país neoliberal.<br /><br />Se não julgamos o país pelas suas “faltas”, mas exatamente pela forma que as coisas assumiram aqui, um Estado que permite um alto grau de liberdade econômica para os diversos agentes é, de fato, um modelo perfeito de sociedade neoliberal. Talvez seria necessário refinar estas idéias, mas parece perfeitamente possível perceber que alguma coisa deu errado no modelo neoliberal. E se deu errado, deu por aqui, no Haiti.<br /><br />Não é preciso que eu repita, por exemplo, que qualquer indivíduo com pouco mais de US$ 2 está plenamente habilitado a se estabelecer nas ruas como comerciante. Talvez o mais complexo disto fosse saber quem, se não é o Estado, responde pela ocupação do espaço. No entanto, é muito significativo o fato de que diversas casas de família vendem “fritaj” ou “boisson glacê” nas suas portas, por vezes ocupando as calçadas. “Fritaj” é nome dado aos alimentos fritos vendidos em barracas na rua. Alguém controla esta ocupação do espaço. E eu creio, pessoalmente, que cabe exatamente ao Estado estabelecer formas de diálogo com a população através destes interlocutores responsáveis pela gestão, tida por alguns como “caótica”, do espaço público.<br /><br />Mesmo que se trate de, como disse em conversa informal meu amigo João, “construir o Estado a partir da domesticação dos interesses privados”, a luta para organizar o espaço público depende sempre de estabelecer uma interlocução precisa entre estes agentes públicos. Eis me aqui criticando o idealismo de certas concepções de espaço público e de política, oferecendo um outro idealismo...<br /><br />O que entendo de fato é que faz se necessária uma perspectiva que seja mais habilitada a entender como se constrói o espaço público por aqui, como os atores sociais chegam à estabelecer uma “ordem pública”?<br /><br />Outro dia, fui ao bairro pobre de Des Ermites, uma favela em Pétion Ville, onde há uma capela católica que foi transformada em santuário vodu, em honra à Ezili Dantor. Escolhi este lugar como um espaço privilegiado para a minha pesquisa e para talvez entender melhor como se estabelecem certos processos sociais no Haiti. A vizinhança pobre com vielas e rotas pedregosas que nos dias de chuva podem causar tombos e acidentes mais graves.<br /><br />Pois bem, há duas semanas voltava da capela, pela rota, quando deparei com um grupo de pessoas trabalhando na rota, e com uma caixa de papelão pediam contribuições para fazer melhorias na rota. Não acho que isto seja um modelo a ser seguido, quando os cidadãos, na ausência da ação do Estado, tomam para si o dever de melhorar as condições das vias públicas. Porém, o que se vê é que, naquele lugar, as pessoas têm plena consciência de que as vias são um bem público e que eles devem zelar por elas e garantir seu bom estado, para sua própria segurança.<br /><br />Ora, o que mais ouço por aqui é “os haitianos não têm noção de espaço público”. E esta pequena situação entre muitas outras demonstram que não é bem assim. O que parece faltar a todos é exatamente isto: meios para agir. De um lado, há uma esperança de que a cooperação internacional, a Minustah e todos que estão por aqui, “façam algo pelo Haiti”. Porém, a coisa não se processa desta forma. O país precisa de um projeto nacional, de meios para enfrentar a crise, meios que não provém destes organismos internacionais, mas de uma vontade política de organizar e criar onde as coisas são muito precárias. De outro lado, há uma voz permanente das elites locais, de diversas extrações, que parecem aceitar certa incapacidade de mudar as coisas, aquilo que Nelson Rodrigues chamava de “Complexo de Vira-Lata”, quando se referia à incapacidade de nosso futebol de vencer uma Copa do Mundo, mas que refletia de uma maneira geral o sentimento do brasileiro diante dos outros povos do mundo.<br /><br />Pobre Haiti? O país com o menor IDH das Américas? Sim, de fato... Como mudar?<br /><br />Este é o ponto. O Haiti é capaz de encontrar as suas saídas, não a partir de certas regras pré-determinadas em manuais sobre desenvolvimento, Estado e Sociedade, mas exatamente a partir das formas locais, particulares e exclusivas de um povo singular e ao mesmo tempo universal em sua experiência humana. O Haiti pode nos ensinar muito sobre o futuro do mundo. A pergunta a ser feita é se, de fato, estamos prontos para aprender com quem julgamos “inferiores”.</span>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-40780181320548807202008-05-07T21:51:00.000-07:002008-05-07T22:11:43.535-07:00TRISTEZA D'ALÉM MAR...<span style="font-size:78%;">"Tristeza não tem fim...</span><br /><span style="font-size:78%;">Felicidade sim..."</span><br /><span style="font-size:78%;"></span><br /><span style="font-size:78%;"></span><br />O poeta Vinícius de Moraes escreveu estes versos. Não se inspirava no seu Botafogo, que na época andava por cima no futebol. Eram os anos 60 e no seu time jogaram alguns dos maiores gênios do futebol brasileiro de todos os tempos. O futebol não inspirava o botafoguense Vinícius...<br /><br /><br />Nestes últimos tempos no entanto, vinha sendo o futebol a única inspiração para eu escrever no blog, era o que me fazia sentir mais conectado aos acontecimentos do Brasil, além da família e os amigos. Hoje, juntando o futebol com algumas coisas que estão acontecendo comigo, aumentou demais a minha saudade de casa, da minha mãe e dos meus amigos... Talvez fosse mais sofrido ter ido ao Maracanã hoje, ver o vexame do Flamengo. Com ares de novela mexiacana, o Flamengo perdeu...<br /><br /><span style="font-size:78%;">"Eu tiro o domingo para descansar</span><br /><span style="font-size:78%;">Mas não descansei, que louco fui eu</span><br /><span style="font-size:78%;">Regressei do futebol </span><br /><span style="font-size:78%;">Todo queimado de sol</span><br /><span style="font-size:78%;">O Flamengo perdeu</span><br /><span style="font-size:78%;">Pro Botafogo</span><br /><span style="font-size:78%;">Amanhã vou trabalhar </span><br /><span style="font-size:78%;">E o patrão que é vascaíno </span><br /><span style="font-size:78%;">E de mim vai zombar</span><br /><span style="font-size:78%;"></span><br /><span style="font-size:78%;">Foram noventa minutos</span><br /><span style="font-size:78%;">Que eu sofri como um louco até ficar rouco</span><br /><span style="font-size:78%;">Obina passa a Tardelli</span><br /><span style="font-size:78%;">Tardelli passa a Obina</span><br /><span style="font-size:78%;">Que preparou prá chutar</span><br /><span style="font-size:78%;">Aí o juiz apitou </span><br /><span style="font-size:78%;">O tempo regulamentar"</span><br /><span style="font-size:78%;"></span><br />O Flamengo já inspirou alguns versos e foi paixão de artistas geniais de nossa música. Para citar alguns, Ary Barroso, João Nogueira, Jorge Ben (antes de ser "Benjor")... E mesmo os não rubro negros reconhecem a grandeza do Mengo: foi um tricolor, Nelson Rodrigues que melhor definiu o espírito do Flamengo: na derrota, sangramos como um César apunhalado, ou ainda, "a baba elástica e bovina e o olho rútilo do crioulo sem dentes gritando: Mengo!"... Sim, o Flamengo inspira amores enlouquecidos e ódios furiosos, acima de tudo a paixão pelo Flamengo afeta mesmo aqueles que não são Flamengo...<br /><br /><span style="font-size:78%;">"Quando você gritou 'Mengo'</span><br /><span style="font-size:78%;">No segundo gol do Zico</span><br /><span style="font-size:78%;">Tirei sem pensar o cinto</span><br /><span style="font-size:78%;">E bati sem cansar</span><br /><span style="font-size:78%;">Três anos vivendo juntos</span><br /><span style="font-size:78%;">E eu sempre disse contente:</span><br /><span style="font-size:78%;">Minha preta é uma rainha</span><br /><span style="font-size:78%;">Porque não teme o batente</span><br /><span style="font-size:78%;">Se garante na cozinha</span><br /><span style="font-size:78%;">E ainda é Vasco doente</span><br /><span style="font-size:78%;"></span><br /><span style="font-size:78%;">Daquele gol até hoje</span><br /><span style="font-size:78%;">O meu rádio está desligado</span><br /><span style="font-size:78%;">Como se irradiasse a tristeza de um gol anulado</span><br /><span style="font-size:78%;">Eu aprendi que a alegria</span><br /><span style="font-size:78%;">De quem está apaixonado</span><br /><span style="font-size:78%;">É como a falsa euforia</span><br /><span style="font-size:78%;">De um gol anulado"</span><br /><span style="font-size:78%;"></span><br />Essa foi escrita por um vascaíno, Aldir Blanc, mas é a prova mais perfeita de que mesmo aqueles que não são Flamengo, estão sempre sendo afetados pela sua presença...<br /><br />Hoje estou triste, muito triste. Não apenas porque o Flamengo perdeu.<br /><br />Apenas porque estou triste e o Flamengo, que perdeu, me deixou um pouco mais triste.<br /><br />O Flamengo é uma das minhas paixões, junto com o meu trabalho, que é tentar fazer antropologia. E como diz a música, a alegria de quem está apaixonado é sempre como a falsa euforia de um gol anulado...<br /><br />Abraços<br /><br />ZéZé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-77987994839196004612008-05-04T14:23:00.000-07:002008-05-04T14:49:54.352-07:00ALEGRIA LONGE DE CASA!!!!<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj95XrkcaIwOpOLPd2s6gtw86Y2hKvC8T3R5bO1hER-1Dkyydz7VdetWzML91tVoEUUgYcEfQ0sMzvYMubBfz8lumzODkTaoeLI2lrX-Dkp1XCb5lUDbtMd9H8R3toNmq7q16U_x2rUzLge/s1600-h/obina.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5196637083353770130" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj95XrkcaIwOpOLPd2s6gtw86Y2hKvC8T3R5bO1hER-1Dkyydz7VdetWzML91tVoEUUgYcEfQ0sMzvYMubBfz8lumzODkTaoeLI2lrX-Dkp1XCb5lUDbtMd9H8R3toNmq7q16U_x2rUzLge/s400/obina.jpg" border="0" /></a><br /><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Meu grande amigo Fernando Rabossi, argentino, torcedor do Boca Juniors, me contou de seu sofrimento e alegria solitários em plena Suécia, quando o seu Boca conquistou um título mundial...</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Vivi hoje essa emoção ao acompanhar de um cyber café, como já havia feito nos jogos contra o Cienciano na Libertadores e contra o América, e no ano passado, aqui mesmo no Haiti, quando o Flamengo se sagrou campeão nos penaltis, contra o mesmo Botafogo.</span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Estou feliz da vida, o Flamengo ganha um título, segue na Libertadores, quem sabe, com chances de ganhar mais um título nesta temporada, que igualaria o meu sentimento solitário e os gritos abafados dentro de um cyber em Jacmel, Haiti...</span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Estou feliz... o Flamengo ganha mais um título... Longe de casa, nestes momentos sinto saudade do Maracanã lotado, a casa da Nação Rubro Negra, o território desta Nação imensa e feliz... </span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Perdoem a preguiça dos últimos tempos e as poucas postagens... está difícil escrever... às vezes estamos cansados, com saudades e sem ter condiçõs de ordenar as idéias para escrever e dizer algo realmente interessante...</span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Por isso mando essa garrafa com uma mensagem de alegria!!!</span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Estou Feliz... O Flamengo é campeão!!!!!</span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Beijos a todos</span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:130%;">Zé</span></div><br />rZé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-26583012151995014172008-04-16T19:04:00.000-07:002008-04-17T20:57:03.395-07:00HEROLD<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcHylJ4I74x93DI9HBkN3lnlbD_d-Ky5Nn9UHmxcGn9ws1uDNBvHB38ABFrs97n6CZt8YYwHSiSGBijMsnDAV6xxnPQSD2x14fkSEHtMNb1d6ema7jHnTUTqj0RtTvmi5VW6ZOmU4MQi2s/s1600-h/HPIM3092.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5190033728825395538" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhcHylJ4I74x93DI9HBkN3lnlbD_d-Ky5Nn9UHmxcGn9ws1uDNBvHB38ABFrs97n6CZt8YYwHSiSGBijMsnDAV6xxnPQSD2x14fkSEHtMNb1d6ema7jHnTUTqj0RtTvmi5VW6ZOmU4MQi2s/s400/HPIM3092.JPG" border="0" /></a><br /><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;font-size:78%;">Grandes espíritos não montam em maus cavalos - Provérbio Haitiano extraído da epígrafe do livro "Divine Horsemen" de Maya Deren</span></div><div align="justify"><span style="font-size:78%;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-size:78%;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-size:78%;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span> </div><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Há duas semanas atrás, antes de estourarem os protestos e as tensões em PaP, estive na cidade circulando por áreas que jamais fora antes. Nas duas vezes que estive aqui antes, apenas numa delas passei por fora de La Saline, para me dirigir ao Marche Croix des Bossales. No entanto, desta vez pude ir à Cité Soleil e sua gente. Desta vez também pude ir aos mercados do centro de PaP, o próprio Croix des Bossales, la Polite, Têt Boeuf e Marche en Fer. Nestes últimos pude ir desta vez com Herold.</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify">Herold é uma daquelas figuras inesquecíveis, que no Brasil certamente seria um diretor de harmonia ou compositor de uma escola de samba, partideiro, militante, pessoa querida por todos na vizinhança, respeitado pelos velhos, adorado pelas crianças, enfim, essas figuras míticas que conhecemos fazendo pesquisa de campo em antropologia. Herold é o cara...</div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify">Sabe o que é sair pelas vizinhanças falando com todo mundo de Carrefour Feuilles, por Bel Air ou La Saline, favela onde ele nasceu, se criou e saiu de lá para se tornar uma figura que opera neste nebuloso meio campo entre pesquisadores, cooperantes, agências e demais figuras que estão agora e sempre estiveram no Haiti. </div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify">Formado em Psicologia Social, Herold fez questão de, após nosso passeio pelos mercados, sabendo de meu interesse no vodu, levar-me ao Bureau de Ethnologie e me apresentar lá como um pesquisador brasileiro, interessado no vodu. Disse-me que ele mesmo é um <em>serviteur</em> dos loas. E foi essa a mediação que me levou a entrar fundo em La Saline e conhecer alguns ougáns, mambos e hounsis (servidores dos loas) de lá. </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Havíamos saído pelos mercados na segunda e terça feira de manhã. Nestes dois dias conversamos muito e marcamos encontro para domingo. Saí de Jacmel para PaP bem cedo, quase madrugada. Queria chegar na hora. Cheguei cedo ao Oloffson, onde marcamos nosso encontro, tomei um café da manhã reforçado, pois não comera nada antes de viajar. Pontualmente, às 11 da manhã ele apareceu no estacionamento do hotel, cercado das crianças de Bel Air. Parou para falar com uma francesa que trabalha em alguma agência internacional, enquanto os moleques se penduravam nos seus braços. Subiu, tomou um copo d'água, flertando com a garçonete do Oloffson e seguimos para a rua.</div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Na rua, paramos várias vezes para ele falar com gente da vizinhança, moleques, homens adultos, senhoras que vendem mercadorias nas ruas. Como disse a ele que não tinha um carro, pegamos um tap tap. </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Antes de entrarmos nas vielas estreitas e sujas de La Saline, ele fez questão de cada vez que passávamos pelos "chefes do local" me apresentar e dizer o que eu estava fazendo lá. Para cada um, um sorriso, uma piada, uma gentileza. Fomos direto procurar Samba Papito, um músico e líder comunitário de La Saline que havia conhecido há uma semana. Herold caminha pelas vielas a passos largos, pára de repente e fala com alguém. Caminhamos mais um pouco, ele pára mais adiante para me dizer: "Este é fulano e faz isso assim, assim", "este você precisa saber quem é, para procurar mais tarde para a sua pesquisa", etc. </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Encontramos Samba Papito, que almoçava um prato de arroz e feijão, com um molho. Ele juntou-se a nós para nos levar para mais dentro ainda da favela. Dali chegamos num inusitado sítio dentro da confusão da favela. Uma espécie de quintal, com uma árvore, com panos e objetos amarrados. Estava claro que aquela árvore, naquele lugar, não era uma árvore comum. As pessoas da casa se juntaram para buscar cadeiras e sentamos para conversar. Ao lado havia um poço, coisa rara nestas favelas. Ali, disseram-me, morava o <em>esprit</em> que montava a jovem Nadine, o mesmo que montou durante anos sua mãe, até que esta morresse e que foi herdado por Nadine. Não era nem uma árvore, nem um poço comuns. A água esverdeada do poço parecia esconder mistérios que nem comecei ainda a desvendar. Aliás, um dos nomes dados aos loas é exatamente este: mistérios. </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Depois fomos procurar um outro jovem ougán. Herold sempre me apresentava fazendo várias (boas) recomendações, de que fossem atenciosos comigo. Este segundo encontro foi revelador. Sobretudo pelas coisas que se desenrolaram ao longo da semana, com os protestos. Este jovem ougán, Michel, estava acompanhado de outros jovens, que estavam intrigados com minha presença. O que quereria um brasileiro ali? Expliquei várias vezes enquanto conversávamos, mas isto não resolvia. Até que disse que eles poderiam colocar questões para mim, que pergutassem o que quisesse. Sumiram as desconfianças e sorrisos apareceram nos rostos quando disse que não era do governo brasileiro, nem da Minustah e nem estava ali em uma missão especial. Estava por minha conta, recebia uma bolsa para estudar um tema que foi de minha escolha, e tinha autonomia perante a embaixada ou qualquer agência, exceto à Capes, que financiava a minha pesquisa, mas que ela não interferia em absolutamente nada. </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Daí em diante falaram muito, falaram das perseguições que o vodu sofrera ao longo da história e de seu papel na independência do país. Falaram com orgulho de Bois Caiman, o sacrifício realizado por Buckman e que deflagrou a luta de independência, e que os espíritos ancestrais estavam sempre lutando para libertar o Haiti. Falaram da fome e que os espíritos não podem resolvê-la, mas que dão força para que eles lutem para enfrentá-la. Foi uma conversa emocionante, pois era a primeira vez que via voduissants falarem numa perspectiva de luta política e de enfrentamento através de sua religião, das perseguições e dos novos inimigos, os pentecostais que perseguiam o vodu. Convidaram-me então para uma festa que vai acontecer no fim do mês de maio. Agradeci e disse que faria questão de estar lá.</div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Fiquei longo tempo com eles até Herold voltar, para me levar a um outro jovem <em>hounsi</em> e seu tio, que me falaram de várias coisas. Falaram sobretudo que <em>trabalhavam para o bem, mas se necessário, conheciam as artes necessárias para fazer malefícios. Mas que só faziam isso como contra-magia, contra os <strong>bokô</strong> (feiticeiros)</em>. Depois o tio me mostrou que com o <em>asson,</em> uma cabaça coberta com miçangas e um pequeno sino, dois ougáns e/ou os espíritos podem se comunicar entre si. Convidaram-me também para uma cerimônia no fim de abril, que fariam para alimentar o loa que monta o jovem Jean. </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Saímos de La Saline conversando sobre muitas coisas, Herold esclarecia algumas dúvidas e fazias certas observações que me deixavam intrigado, mas que abriam novos interesses e questões. No fim, disse-lhe que gostaria de entrevistá-lo, ao que respondeu que faria com o maior prazer. </div><div align="justify"> </div><div align="justify">Despedimo-nos, ele seguiu para Carrefour Feuilles e eu fui voltei para Jacmel animadíssimo, pois combinamos que voltaria na semana seguinte para visitar alguns oufós e voduissants em Bel Air. Infelizmente, a semana quente em PaP impediu que nos encontrássemos, mas fica aberta esta nova e excitante possibilidade de pesquisa.</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div><div align="justify">Abraços</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div><div align="justify">Zé</div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-68177607137356461902008-04-16T14:42:00.000-07:002008-04-16T19:03:56.788-07:00O DIABO E O VODU<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqGtwxu_VRiFrXQgNzOVeLJgTPFHar9BvAwQj8bLh8d1Rp2O_UtR2THXbmVfYMvZqPacYesY1IoytYn-BXkKsDYDwLT6A4XDZfofoxcoiPTfsC0aveGngUC9CB2LZpT8w6xYv2W7S49zdB/s1600-h/HPIM3164.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189998866575853858" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqGtwxu_VRiFrXQgNzOVeLJgTPFHar9BvAwQj8bLh8d1Rp2O_UtR2THXbmVfYMvZqPacYesY1IoytYn-BXkKsDYDwLT6A4XDZfofoxcoiPTfsC0aveGngUC9CB2LZpT8w6xYv2W7S49zdB/s400/HPIM3164.JPG" border="0" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEwfRfIlV44XTMKYFMMFcPzWW_KIPeritf5IhGgp5PxAkxxNTSmj_u7Yz1YWX1zelRz_L21LlSzbzk2qbmhDxg31hkLrYEx0PegGMUisM15mCCdDQ_tYWonJTuX-F3o2_1gX56WW3z9BvA/s1600-h/HPIM3153.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189998875165788466" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEwfRfIlV44XTMKYFMMFcPzWW_KIPeritf5IhGgp5PxAkxxNTSmj_u7Yz1YWX1zelRz_L21LlSzbzk2qbmhDxg31hkLrYEx0PegGMUisM15mCCdDQ_tYWonJTuX-F3o2_1gX56WW3z9BvA/s400/HPIM3153.JPG" border="0" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisb0tlty3UJBeCErGmgGMuOEv0wPiUo9B4AvGvRaPUm2f5cup5wjye3yMbgv0WTxyOXTPlXXSZ1Gh7eYkyZQiE9YalsslhrYk-vWeL9zOiaUdiGTJwlCeDr5DdqgAqpWy78QYxILdFWOqV/s1600-h/HPIM3195.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189998879460755778" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisb0tlty3UJBeCErGmgGMuOEv0wPiUo9B4AvGvRaPUm2f5cup5wjye3yMbgv0WTxyOXTPlXXSZ1Gh7eYkyZQiE9YalsslhrYk-vWeL9zOiaUdiGTJwlCeDr5DdqgAqpWy78QYxILdFWOqV/s400/HPIM3195.JPG" border="0" /></a><span style="font-family:georgia;"><br /></span><div align="justify"><span style="font-family:georgia;font-size:78%;">- Le diable est especiallement fort nan peyi d'Ayiti, nan Afrique - diz Mme. Evance</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;font-size:78%;">- Poukisa? -pergunto</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;font-size:78%;">- Paske nan peyi d'Ayiti genyen anpil hougán, anpil mambo. Li sont tout serviteur des esprit. Et les esprit son le Diable! responde Mme. Evance</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;font-size:78%;">- Men lè le esprit Bondieu manifeste nan église protestant? Kijan ou fét pou reconnais si est yon esprit de Dieu ou le diable?</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;font-size:78%;">- Nan église la seul le esprit Bondieu manifeste!</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;font-size:78%;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Este diálogo que mescla palavras em creóle e francês foi travado por mim e a cozinheira de Laennec, Mme. Evance. Conversávamos sobre Deus e o Diabo, quando Mme. Evance disse que "O diabo é especialmente forte no Haiti e na África". Perguntei-lhe o por quê disse, ela respondeu que nestes lugares há vários "servidores dos espíritos, mas que no fundo servem ao Diabo". Provocativamente, disse a ela que os espíritos se manifestam também nas igrejas pentecostais, e como era possível reconhecer a diferença entre a manifestação de um espírito numa igreja e os espíritos que possuem as mambos e ougáns (sacerdotes vodu). Sua resposta foi seca e direta: Na igreja só se manifesta o espírito de Deus!</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Mme. Evance ainda me diria que o Haiti tem muito <em>Maçon Loge</em>, que os maçons daqui são todos ligados ao vodu.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Levei um tempo para refletir sobre isso e lembrei do meu primeiro encontro com Valsaint. Aliás, com exceção dos ougáns de La Saline, que fizeram sempre questão de falar de seu poder mágico, mas sem tentar com isso despertar medo ou terror, às vezes até omitindo algumas informações, sempre que tenho um primeiro contato com um ougán, ele sempre insiste em tentar provocar algum medo ou terror, falando de coisas místicas ou de poderes incontroláveis. Não sei se o que ocorreu em La Saline foi diferente em função da mediação de Herold, que me apresentava como "um estudante, pesquisador de antropologia, <em>iniciado no culto vodu brasileiro</em>", e isto transformava a relação entre eu e ougáns como uma relação entre iguais, numa troca de conhecimentos, mas realmente nesta situação ninguém falou do diabo.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">O próprio Herold já me falara de uma distinção entre os ougáns, entre "aqueles que só trabalham para o mal", para fazer "magi nwa" ou "feitiçaria", que ele chama de "macoutes", e os outros ougáns, que tem poder para fazer o mal, mas preferem trabalhar com curas espirituais (guérison), para ajudar numa "expedition" (trabalhos de contra magia) ou para obter "une chance" (sorte no jogo). O fato é que sempre se fala em "trabalhos para a mão direita e para a mão esquerda".</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">No meu primeiro encontro com Valsaint sempre senti que ele, de alguma forma, queria me impressionar, mostrar algo assustador ou bizarro. As fotos que coloquei na postagem anterior lembram uma história que virou piada entre alguns amigos mais próximos, quando contei que ele me mostrara um caixãozinho e perguntou se eu queria ver o que havia dentro. Como respondi que não, na época ele riu e meus amigos também se riram da história. Desta vez, quando ele falou novamente do caixão, pedi para abrir, pois queria fazer uma foto. Ele disse que o espírito estava ali, mas era invisível, que eu veria um caixão vazio, mas que o espírito estava ali.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Num outro momento, Valsaint insistia em dizer que é mesmo um servidor do diabo. Aí lhe perguntei, mas Ogou não é Saint Jacques Majeur? Ele respondeu que sim... E perguntei-lhei mas então, como é que um santo católico pode ser um servidor do diabo? Se ele serve à Ogou e ao Baron Criminel, como é que ele serve ao diabo? Ele disse que servia com as duas mãos... A esquerda e a direita. Se eu quisesse, se eu lhe pedisse, ele disse que pode matar alguém. Fazer uma expedição para fazer o mal. A escolha é minha...</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Fiquei intrigado... Ele disse, o Baron é o próprio diabo! Ele é o diabo... E ria...</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Naturalmente, essa idéia de relação com o diabo, tão forte aqui no Haiti, nasce exatamente de uma influência significativa do catolicismo no mundo social do vodu. Não se pode falar em vodu no Haiti sem estar olhando para o catolicismo.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Um amigo que está aqui no Haiti recebeu uma incumbência de conseguir uma imagem do loa (<em>lwa) </em>correspondente ao orixá de um outro amigo. Quando ele me perguntou como faria para comprar uma imagem, tal como aquelas que hoje são comuns dos orixás africanos no Brasil, respondi-lhe que ele conseguiria no máximo uma imagem de um santo católico ou teria que conseguir uma estampa ou camisa com <em>véve</em> correspondente ao loa. As imagens dos loas aqui no Haiti são imagens católicas. São Tiago (Saint Jacques) é Ogou, mas diferente da relação que os cariocas fazem com o Santo Guerreiro, São Jorge, e o Ogum dos terreiros, onde as coisas aparecem separadas pelos praticantes da religião (lembro a famosa frase de Mãe Menininha "Santa Bárbara não é Iansã" e o Manifesto contra o Sincretismo, assinado por diversos pais e mais de santo baianos, entre eles a própria Menininha e Mãe Stella de Oxóssi), para os voduissants não parecer haver distinção alguma.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">O que espanta mais é que supostamente dentro das concepções espiritualistas africanas, o diabo não existiria. Essa acaba sendo uma questão fundamental sobre a forma que os cultos às divindades africanas assumem no contexto das Américas e do Caribe. A continuidade entre a África e as práticas religiosas daqui fica em xeque, ou a suposta defesa da pureza africana é falaciosa. Mas de outro lado, como tratar dessa memória mítica da África? Esse é exatamente o ponto. Pouco importa se na África havia ou não o diabo, importa como os contatos entre africanos e europeus e afro-americanos e europeus produziram e reelaboraram seus sistemas de crença em relação uns com os outros. Se para o candomblé no Brasil, Exu não é o diabo, o Baron Cémetiére ou o Baron Samedi estão para o diabo, como Seu Sete Encruzilhadas e Exu Caveira estão. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Mesmo com as tentativas de domesticação destes princípios operadas pela chamada "Umbanda Branca" ou "Umbanda Esotérica" (pegando um pouco de empréstimo, muito superficialmente, as considerações de Renato Ortiz em "A morte branca do feiticeiro negro"), ou as operações de perseguição que marcaram historicamente a relação das elites haitianas com o vodu, tudo nos leva a crer que se não se trata do diabo, se trata realmente de potências incontroláveis, bárbaras, que precisam sempre ser contidas.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Se no Haiti foram sempre as elites mulatas que "diabolizaram" a religião vodu, foi o racismo da classe média branca no Brasil que agiu como esse operador que constrói o discurso do diabo nas religiões africanas.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">O que ninguém contava é que os agentes sociais aceitassem essa "diabolização" e reformulassem ela em termos de outras formas de exercício de poder. Poder receber e controlar o poder do Diabo é uma forma de controlar o mundo, de fazer o possível num mundo onde tudo conspira contra você. É criar uma alternativa capaz de enfrentar a miséria diária e o sofrimento que afeta diariamente o haitiano.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Mme. Evance talvez tenha razão. O diabo é forte no Haiti. Deveria sê-lo mais, porque seria capaz de enfrentar as forças de um falso deus que sempre tentou domesticar e controlar esse povo, de tirar a sua força e sua capacidade de mover a roda da história a seu favor. Foi ao lado do "diabo" que os revolucionários haitianos derrotaram a França, a Espanha e a Inglaterra cristãs, que defendiam a escravidão, a exploração do homem pelo homem e todos os males que vinham junto com a fé cristã e o capitalismo.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Abraços a todos</span></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-46359775501925706072008-04-14T12:44:00.000-07:002008-04-14T13:38:01.861-07:00O PRESIDENTE E O PAÍS<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2uAn6HIaA_V0n7AVLmsMhZgp4ayUXKxJYhrlPHqnH54klaebANaUyyMUveAxTC0iKTyZMaQDbROKEhIqrhUpqzobGD2hvyEGxForbd19QHsOsIO_iYtu9zgs8PCGLTi-7jx0F8FlA78_2/s1600-h/HPIM3218.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189202360595843314" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2uAn6HIaA_V0n7AVLmsMhZgp4ayUXKxJYhrlPHqnH54klaebANaUyyMUveAxTC0iKTyZMaQDbROKEhIqrhUpqzobGD2hvyEGxForbd19QHsOsIO_iYtu9zgs8PCGLTi-7jx0F8FlA78_2/s400/HPIM3218.JPG" border="0" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3_4FIwZtsLl6Ib6O5U87VTcG7Rf_YQasiGIOef9YUil20OzRgewPoxTu9_F1jZ_gBp9uhjkT1TGR2hH2qaMwbMhN9ws_WtN6zTd_kkNgGPk1Ecqz5SWMJzfqA0tEswwSwTxtXeQcBlAFn/s1600-h/HPIM3209.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189202369185777922" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3_4FIwZtsLl6Ib6O5U87VTcG7Rf_YQasiGIOef9YUil20OzRgewPoxTu9_F1jZ_gBp9uhjkT1TGR2hH2qaMwbMhN9ws_WtN6zTd_kkNgGPk1Ecqz5SWMJzfqA0tEswwSwTxtXeQcBlAFn/s400/HPIM3209.JPG" border="0" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7M_0KiJLzKIoah2lRy7EYMU72wBeMqQDU4vpvshUMl_eZ31aBlzXhLgWJxD-nqrW4uZhqZMVaD3QA58oIgaNiuLD0NfiioR9GUjzxfQiHiidxnTUIjQSfn6l9ZbRaKczoYWncyUZj-H4e/s1600-h/HPIM3259.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189202377775712530" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7M_0KiJLzKIoah2lRy7EYMU72wBeMqQDU4vpvshUMl_eZ31aBlzXhLgWJxD-nqrW4uZhqZMVaD3QA58oIgaNiuLD0NfiioR9GUjzxfQiHiidxnTUIjQSfn6l9ZbRaKczoYWncyUZj-H4e/s400/HPIM3259.JPG" border="0" /></a><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Contei numa postagem anterior que tive um encontro mais do que casual com o Presidente do Haiti. Hoje, passando pelas ruas de Jacmel, fui abordado por estudantes e depois, encontrei M. Serge, dono de um cyber café, que falaram de Preval. Todos são unânimes em apontar que as raízes dos problemas que o país atravessa estão fundadas exatamente numa certa atitude de Préval, que se demonstra incapaz de agir e quando age não dá nenhuma impressão de que suas ações possam realmente surtir efeito. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Quanto a mim, nenhum encontro superficial pode causar alguma impressão que não seja absolutamente falsa sobre as coisas, e por mais que acreditemos que "a primeira impressão é a que fica", não poderia dizer nada de muito profundo sobre o presidente do Haiti. Mas de outro lado, os fatos que se seguiram a este encontro, toda a situação que forjou ele, o evidente confronto entre Marcelin e Préval naquele dia, velhos militantes políticos do país, o jogo de provocações mútuas que pouco podíamos entender que se desenrolava e a crise que explodiu uma semana depois permitem, como sempre digo, fazer um relato impressionista sobre o presidente. E é disso que vou falar. Vou, sem nenhum compromisso intelectual mais profundo, fazer relações entre aquele encontro e o desenrolar da crise da última semana. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Como contei, havíamos chegado de Cité Soleil, onde fomos com Marcelin, que faz lá um projeto de pesquisa/intervenção baseado nas demandas locais sobre os problemas. O projeto de Marcelin parte de uma percepção local de que, a despeito de todos os projetos de intervenção de ONGs em Cité Soleil, muito pouco aconteceu que mudasse efetivamente a vida das pessoas. As ONGs estão lá, o dinheiro chega, os projetos existem, mas Cité Soleil não avança sobre os reais problemas e, principalmente, não supera os estigmas ligados ao lugar. Isto posto, Marcelin propôs uma discussão com os agentes políticos locais, líderes, chefes de organizações populares, atores sociais envolvidos no cotidiano local, a prefeitura de Cité Soleil (sim, a maior favela do Haiti é uma cidade, com administração autônoma - seria como dizer que a Rocinha se tornasse um município). O objetivo desta discussão é organizar estes agentes e que eles proponham uma pauta de pesquisa que parta de seus próprios interesses e não dos acadêmicos ou agências de cooperação que olham e se debruçam sobre Cité Soleil.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Não sei até onde este tipo de idéia pode funcionar, mas o simples fato de ter uma idéia como essa já é bastante significativo e os resultados disto podem ser, no mínimo, muito interessantes. Poucas vezes vemos os atores sociais os quais estudamos pautarem nossas pesquisas. Voltamos ao Olofsson muito satisfeitos e animados com o que poderia acontecer no sábado, onde haveria um grande fórum. Marcelin estava elétrico quando chegamos ao Olofssoon, para que ele conversasse com Christophe Wargny, do <em>Le Monde Diplomatique. </em>Marcelin havia convidado-o para ir à Cité Soleil naquela sexta, porém, em virtude de sua agenda, Wargny disse que não poderia ir. Disse, no entanto, que queria conversar com ele sobre Cité Soleil.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Quando Marcelin chegou para falar com Wargny, este estava tomando um rum na varanda do Olofsson com Préval, e convidou-o a se juntar aos dois para conversar. Os outros havíamos seguido imediatamente para o quarto, onde conversávamos numa ante-sala, quando fomos chamados para descer e falar com o Presidente do Haiti. Como já contei, quase que não levo a sério o convite, afinal, o que é que o presidente do país ia querer comigo? </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">A conversa com o presidente foi esquisita. Esquisita pelo local, pela ausência total de protocolo, pelo inusitado de um estudante de doutorado em antropologia ser instado a falar com o presidente de um país. Há que se estranhar também o fato de estarmos sentados em uma varanda de um hotel, em Carrefour des Feuilles, uma das áreas onde nas semanas seguintes haveriam os mais pesados e violentos protestos contra o seu governo. Era inusitado que, num país onde os protestos assumiram a face que todos viram pela TV nos últimos dias, o presidente pudesse sentar na varanda de um bar ou hotel de Copacabana para conversar com amigos.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">O que me incomodou especialmente foi a sua atitude quando era feita qualquer pergunta sobre os problemas dos país, sobre Cité Soleil e a pobreza violenta que ataca a maior parte dos habitantes do país. Quando perguntado sobre as organizações populares, ele apenas dizia que o "o povo prescinde do Estado para se organizar. O país tem que encontrar o seu caminho e é o próprio povo quem tem que fazer este caminho". A pergunta óbvia que nos incomodava era exatamente: Sim, presidente, e que caminho o senhor acha que o país tem que seguir? Escorregadio como uma cobra ensaboada, Preval se esquivava de qualquer resposta ou posição. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Causava até uma certa irritação suas declarações sobre o povo. Não era um desprezo ou um elitismo, mas uma espécie de indiferença, que parecia dizer algo sobre uma impotência do poder do presidente em mudar efetivamente as coisas. Não era uma indiferença prepotente, mas uma indiferença estranha, de quem conhece o drama, mas parece não mais acreditar nos instrumentos que dispõe para operar uma transformação efetiva. Não havia mau-caratismo nisso, apenas uma impotência que produz uma indiferença e uma indiferença que leva à inação.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Isso leva a pensar sobre o exercício do poder em países como o Haiti. Boa parte dos investimentos no país dependem essencialmente da cooperação internacional. A parte mais fundamental e essencial da segurança pública no país é feita pela Minustah, que ajuda a reorganizar e a dirigir a polícia nacional. É praticamente nula a capacidade de arrecadação do Estado e, com efeito, a possibilidade de investimento público é mínima. O país não tem reservas próprias de gás e combustíveis, essenciais para o funcionamento do país. O que pode um presidente fazer num quadro como este?</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Nada?</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Talvez, mas no mínimo, seria importante ele demonstrar vontade de fazer. Um desejo de potência que seria justamente a força capaz de fazer destas impossibilidades as armas para a criação de alternativas. Infelizmente, este não é Préval. Aliás, falta ao Haiti exatamente este tipo de líder, gente com vocação par criar um jardim de pedras em pleno deserto. Essa gente existe aqui, dispersa em meio as massas que protestam, que se matam e são mortas nestes conflitos. Pode ser que neste exato momento esteja sendo gestado no meio da massa um líder, um novo Louverture, um novo Dessalines, que possa conduzir este país à sua nova revolução.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Abraços</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Zé</span></div><br /><div align="justify"></div><br /><div align="justify"></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-55576182992399143512008-04-13T19:05:00.002-07:002008-04-14T12:40:13.363-07:00REENCONTRO COM VALSAINT (E COM O VODU)<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7ak4X2KO48GZF1UjIASjHj-CdwHrvLbWGxwQoQtM8RG1Ldk2D9uNo32zUSrNad8nAvvcy7Kn8XgeYUrGO4RKdIiWnhvJ0ftRsT0c7ik0J-x4EBtXBbh2r_fUeKwnhco3P9Vb2HkORqNOX/s1600-h/30613127.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189184244423788706" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7ak4X2KO48GZF1UjIASjHj-CdwHrvLbWGxwQoQtM8RG1Ldk2D9uNo32zUSrNad8nAvvcy7Kn8XgeYUrGO4RKdIiWnhvJ0ftRsT0c7ik0J-x4EBtXBbh2r_fUeKwnhco3P9Vb2HkORqNOX/s400/30613127.JPG" border="0" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg1J3FPoHlBKKnvt2ro6dXtLfESbwSNID5-JIRjei-d2KdUMfvzZsomLxxbwma1oHo05g1z62YB98wGc3SbEJiYe4l6cO11NrVkfR6F3AjB-kQOiGfQWBNz9n2W9xyQTLkSE8E7XBaWYmN/s1600-h/30933183.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189184265898625202" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg1J3FPoHlBKKnvt2ro6dXtLfESbwSNID5-JIRjei-d2KdUMfvzZsomLxxbwma1oHo05g1z62YB98wGc3SbEJiYe4l6cO11NrVkfR6F3AjB-kQOiGfQWBNz9n2W9xyQTLkSE8E7XBaWYmN/s400/30933183.JPG" border="0" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzsUNADFWyhNL_-bu4X9W6MX52WJW7K_kQYCtcrsnjJNSFw75uMEzuI61REOWBoK1baUmJQmxa-6II27FIMk0FaoUm8AqRV8FauJcTg1CJd1jWkWjU-crv-Gxtd8-lJGnJyf3TsC09db1z/s1600-h/HPIM3130.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189184278783527106" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzsUNADFWyhNL_-bu4X9W6MX52WJW7K_kQYCtcrsnjJNSFw75uMEzuI61REOWBoK1baUmJQmxa-6II27FIMk0FaoUm8AqRV8FauJcTg1CJd1jWkWjU-crv-Gxtd8-lJGnJyf3TsC09db1z/s400/HPIM3130.JPG" border="0" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEDjNu5M3OuOdHgEEBUhX1_N0jq31MrhmC_VQmV1ImbIznfI78aaupE2z8MXPGIuZRTdtvxbgsyjw-gGWjXl5uZJYpgigZOVt8QkW6vher12yuPi4oU6gltNEAcpa42dRfqiEDwNzFj4EO/s1600-h/HPIM3164.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189184283078494418" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEDjNu5M3OuOdHgEEBUhX1_N0jq31MrhmC_VQmV1ImbIznfI78aaupE2z8MXPGIuZRTdtvxbgsyjw-gGWjXl5uZJYpgigZOVt8QkW6vher12yuPi4oU6gltNEAcpa42dRfqiEDwNzFj4EO/s400/HPIM3164.JPG" border="0" /></a><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLVyRCIp16wlcRqYUMPsTac3Ixq_9ctBYFu_K1WVXEAov-lZu0pfv2jqpookajgCcAIfGZIi5YhlKXAtPXR9-XK_Eehjt80DRxkKA19S1fx7dCIpAONfhTzthaUgufzCV45-JX7XMqEcls/s1600-h/HPIM3160.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5189184291668429026" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLVyRCIp16wlcRqYUMPsTac3Ixq_9ctBYFu_K1WVXEAov-lZu0pfv2jqpookajgCcAIfGZIi5YhlKXAtPXR9-XK_Eehjt80DRxkKA19S1fx7dCIpAONfhTzthaUgufzCV45-JX7XMqEcls/s400/HPIM3160.JPG" border="0" /></a><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Depois de longo tempo, especialmente depois de voltar ao Haiti, ainda não havia procurado Avenant Valsaint, o hougan do vodu que conheci na minha primeira viagem ao Haiti. Parece estranho que tenha vindo ao país para pesquisar exatamente o vodu e que não tivesse saído em busca do tema da minha pesquisa, mesmo estando aqui há dois meses. Não acho isso, acho que antes de procurar o vodu, queria ser encontrado por ele ou encontrá-lo por acidente numa esquina do mercado, numa rua, numa conversa casual.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Foi assim, aos poucos, que fui reencontrar Valsaint. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Na verdade, não foi exatamente por causa do próprio Valsaint, mas porque conheci em PaP, na semana que estive por lá, Herold. Herold trabalha para uma série de organizações, inclusive para Unesco, ONU e para o Viva Rio. Formado em psicologia, foi aluno da Escola de Etnologia, mas sua principal característica é exatamente ser um cara que circula pelas ruas de PaP, de Carrefour Feuilles, de Bel Air, de La Saline e ser conhecido por todos nestes lugares. Cria da favela de La Saline, saiu de lá exatamente para se tornar esta figura que combina um intelectual acadêmico, com um homem que age a atua nas ruas, que faz mediações importantes para as agências internacionais presentes em PaP. Enfim, uma das muitas figuras fascinantes que conheci por aqui. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Com Herold pude não apenas andar pelos mercados de PaP, mas entrar em La Saline e conversar com alguns hougáns de lá e discutir uma série de coisas com o próprio Herold. E só assim, após ter "reencontrado o vodu", esbarrado por acaso com ele numa esquina do mercado, que pude reencontrar Valsaint. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Contarei em outro momento com mais detalhes estes dois encontros. Ficam as fotos para dar uma idéia da coisa...</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Abraço</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Zé</span></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2330688661577778936.post-22772118028736106372008-04-13T18:23:00.000-07:002008-04-16T14:42:58.237-07:00DIAS DE CALMA?<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkEXryJMGlpazekCZbNM41N-7X_MceJwFWUVGUspAbzNsxdmlJRboGGbLu4rmvYBgEmtEPSxVeD63VeyYfA5HAedtKpyWURSUpIeT04pHhsN_jHrx_OvvIck8XYptFz9vQgULw-cNL5wvv/s1600-h/HPIM3256.JPG"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5188915886277199938" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkEXryJMGlpazekCZbNM41N-7X_MceJwFWUVGUspAbzNsxdmlJRboGGbLu4rmvYBgEmtEPSxVeD63VeyYfA5HAedtKpyWURSUpIeT04pHhsN_jHrx_OvvIck8XYptFz9vQgULw-cNL5wvv/s400/HPIM3256.JPG" border="0" /></a><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">As coisas por aqui em Jacmel parecem ter retomado seu ritmo normal. Como costuma-se dizer por aqui, diferente de outras cidades do país, que têm uma certa tradição de agitação política, como Cap Haitien, Jeremie, Gonaives, Jacmel não costuma ser palco de protestos ou de ações mais incisivas no plano da política nacional do país. Mesmo entre os soldados e oficiais brasileiros da Minustah com quem tive contato, costuma-se dizer que é um lugar tranqüilo. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Os últimos dias, no entanto, pareciam dizer o contrário. Havia um clima pesado no ar, como nunca havia sentido, mesmo em 2006, quando supostamente a situação estava muito mais instável que nos dias de hoje. Há quem diga que a atual crise é justamente causada por isso, diante de um quadro politicamente estável, seria o momento de criar empregos, baixar preços, avançar em políticas de promoção social. Este clima tenso parecia se espalhar e nosso ar culpado de estrangeiros em um país ocupado, aumentava dentro de nós essa tensão.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">As coisas supostamente avançaram. Mas ainda está longe de haver tranqüilidade. O primeiro ministro Jacques Edouard Alexis caiu, mas o seu substituto ainda não foi indicado. Preval é acusado constantemente de demorar a agir e de não usar os instrumentos que permitiriam baixar os preços e garantir as condições para matar a fome do povo. Pronunciamentos da ONU e dos organismos econômicos internacionais como BIRD e FMI falam que é preciso que se busque saídas para o problema da alta dos alimentos, que está provocando protestos não apenas no Haiti, mas estes podem se espalhar como um rastilho de pólvora por diversos lugares do mundo.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Ontem, achei curioso as crianças Wilkens e Kadoni, filhos de Veline, a moça que mora e trabalha na minha casa, brincarem de "Manifestation". Mas pensei em como cada pessoa por aqui tem uma opinião sobre a situação política. A política parece atravessar diariamente a vida das pessoas.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Ao mesmo tempo, as manifestações contra "La Vie Chére" combinam diferentes movimentos e correntes políticas. E essa combinação estabelece também pautas diferenciadas, com diversas clivagens. A queda do primeiro ministro, por exemplo, não interessava a alguns setores do Lavalas, antigo movimento político de J. Bertrand Aristide, que parece ser uma sombra, que paira como um fantasma sobre estes protestos. Para os estudantes, não interessa apenas a queda do atual gabinete, mas também de Preval e a saída da Minsutah. Para a maior parte da massa envolvida nos protestos, há o problema efetivo dos preços, o aumento absurdo do preço do arroz, alimento básico da dieta.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Um amigo me pediu uma vez que fizesse uma postagem definitiva sobre a Minustah. Hoje, mais do que nunca não sei o que dizer. Se de um lado, ela é uma força que garante um mínimo de equilíbrio e segurança, de outro lado, ela é um exército estrangeiro ocupando um país. Seria mais ou menos como se nós, cariocas, víssemos tropas da ONU ocuparem as favelas do Rio, porque o Estado brasileiro é incapaz de conter a violências nestas áreas. Antes que alguém apóie esta idéia, digo que sou contra, pois isto fere a autonomia e a sobreania de um povo. Logo, a soberania e a autonomia do Haiti estão em jogo neste tipo de situação. Há o fato do país não ter um exército nacional, dissolvido por Aristide em seu primeiro mandato, quando retorna ao poder em 1994, depois da derrota do golpe militar contra seu governo. A dissolução do exército parecia óbvia naquele momento, em função do grande contingente de elementos ligados à ditadura Duvalier, mas também pelas articulações destes militares contra governos constitucionais. Estes setores migraram para a Polícia Nacional Haitiana, que vem sendo renovada justamente pela ação da Minustah. O jogo é demasiado complexo para levantar opiniões superficiais.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Ontem à tarde, no entanto, mais um incidente aponta para um início de semana tenso. O assassinato de um policial da Minustah em PaP, próximo à catedral e aos mercados do centro da cidade, e as diversas versões sobre o incidente, indicam que os dias de calma estão longe de voltar. Me espanta muito saber essas coisas, pois há duas semanas passeávamos pelas ruas de PaP tranqüilos, como se o país vivesse dias paz. Na semana seguinte, vimos PaP e o país inteiro pegar fogo.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Não sei dizer exatamente o que virá, confesso que pela primeira vez no Haiti percebo a tensão que tanto se falava na primeira vez que estive aqui. Mesmo aqui em Jacmel o clima parece que pode esquentar a qualquer momento. </span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Vamos aguardar os próximos dias, talvez as coisas se acalmem e tudo não passe de uma crise momentânea.</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Abraços a todos</span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;"></span></div><br /><div align="justify"><span style="font-family:georgia;">Zé</span></div>Zé Renatohttp://www.blogger.com/profile/14719293274718876573noreply@blogger.com0