quarta-feira, 22 de abril de 2009

Casa abandonada...

Quero me desculpar com todas as pessoas que vinham postando comentários no meu blog... A verdade é que a casa andou meio abandonada...

É sempre meio difícil admitir certos momentos de esterilidade ou o simples fato de estar cansado de chover no molhado, de repetir as fórmulas. Quando retornei ao país no início do mês de fevereiro, estava realmente vivendo um momento novo, uma espécie de "reentrada" na atmosfera, o que equivale a dizer que me sentia como um astronauta que voltava ao mundo. Estranha relação que desenvolvi com o Haiti. Minha casa, meu país, minha vida e minhas coisas estão no Brasil. No entanto, parece que o ar leve, a atmosfera rarefeita das férias no Brasil, parece que minha ida ao Brasil foi como uma viagem ao espaço. Voltar então ao Haiti foi voltar ao mundo real, ao planeta terra.

E foi exatamente esse o sentido da minha primeira postagem quando voltei: o choque de realidade que o Haiti provoca.

Agora, pouco mais de dois dias após a postagem sobre as eleições, me dou conta disto: como o Haiti tem sido revelador na medida em que expõe coisas que não nos parecem óbvias à primeira vista.

Incomodou-me fortemente uma conversa com um outro observador que chegou a afirmar que "é melhor haver eleições ruins que não haver eleição alguma". Fiquei pensando se de fato a tal "comunidade internacional", tão ciosa dos rumos democráticos do "mundo livre", pensa desta maneira. Sim, porque volta e meia ouço aqueles que dizem que em Cuba "não há liberdade, não há eleições livres", pergunto: "houve, de fato, eleições livres no Haiti?". Ou ainda, como será que têm sido feitas as eleições no Iraque ou no Afeganistão? Será que elas são "livres"? É claro que os mais apressados dizem que Chávez é um ditador... Sim, talvez, mas será que as eleições do Haiti foram "mais democráticas" que qualquer pleito realizado na Venezuela nos últimos 10 (dez) anos? Não creio... No mínimo, estas eleições que fazem de Chávez um "ditador populista" foram mais concorridas que a esvaziada eleição para o senado do último domingo...

Será que a democracia, tão cara ao nosso mundo ocidental, se resume a isso? Fazer eleições ainda que pouco representativas e absolutamente distantes dos anseios populares.

Minha experiência neste país têm me mostrado um dado interessante: são inúmeras as organizações populares, os grupos chamados de "kombit" ou "têt ansanm", que visam organizar as pessoas em torno de idéias difusas sobre desenvolvimento. O fato é que em Jacmel, em Cité Soleil e Port au Prince, conhecemos (eu e outros colegas antropólogos que aqui estiveram) diversas organizações populares de caráter mais variado possível: trabalhadores rurais, religiosos, organizações de mulheres, organizações voltadas à educação. No entanto, ao se realizar uma eleição nenhuma destas organizações pareceu estar ligada a algumas candidatura, nenhuma delas se concretizou em grupos de interesse, nenhuma delas esteve ligada a partido ou organização política formal, que estivesse envolvida no processo eleitoral.

Como disse na postagem anterior, uma das reclamações foi exatamente que os candidatos a senador não possuíam nenhuma base política junto às populações.

Em contrapartida, os partidos políticos não parecem ter muita representatividade, isso parece ainda mais estranho, se nos dermos conta do número de intelectuais nacionais, como a própria primeira ministra Michelle Pierre Louis, que nunca fez parte de nenhum grupo político ou partido. Conversando com alguns intelectuais importantes do país, percebo que nenhum deles faz parte ou tem interesse de organizar-se em partidos políticos, embora estejam constantemente ocupando espaço na imprensa e na vida pública.

Qual seria então o vazio, o hiato que existe entre sociedade civil, estado, intelectuais, partidos, etc. e especialmente, o "povo" em geral?

Não posso dizer, mas percebo, de maneira ainda muito "naïf", que não parece haver interesse em resolver esse hiato, em preencher tal vazio. A presença da Minustah aqui dá uma sensação de estabilidade, que pode durar infinitamente, enquanto essa missão aqui permanecer. A ação da "comunidade internacional" e das ONGS mantém um funcionamento mínimo das coisas, que pode prescindir do Estado e a cooperação internacional completa o quadro, fazendo funcionar esse planetário, permitindo um falso equilíbrio entre forças díspares e desencontradas.

Aliás, uso provocativamente aspas para falar do povo, esta entidade abstrata e disforme da qual muitas pessoas daqui pensam não fazer parte, e por quem nós "blancs" fazemos todos os nossos esforços.

É no meio deste "povo" que ouço algumas vozes dissonantes pedir a volta de "Titid". Ouço-os dizer que este era "o único a se preocupar conosco".

E assim voltamos ao início ou à postagem anterior: se Aristide desenvolveu uma relação perniciosa com a massa e com isso tornou impossível reorganizar o espaço político em outros termos, qual seria a possibilidade de estabelecer, de fato, uma prática política democrática e popular no país? Há saída com a realização de eleições deste tipo?

Prepara-se a realização de um segundo turno das eleições no mês de junho... Será possível isso ou veremos novamente os mesmo erros serem cometidos?

Com a palavra a "comunidade internacional"?

Alguns me perguntarão, "por que não com a palavra o povo haitiano"?

Respondo: Me parece que o povo haitiano já deu a sua resposta sobre estas eleições...


Abraços

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