quarta-feira, 11 de junho de 2008

Respondendo aos comentários...

Resolvi postar em resposta à gentil atitude de dois meus 12 fiéis leitores em comentar as coisas que escrevo aqui...
Então aí vai...
Primeiro, ao João Marcelo...
Sim, meu caro, é exatamente este o problema que vimos colocando como questão central para a nossa pesquisa aqui no Haiti (a minha, de Federico e demais colegas) como perceber as coisas daqui sem recorrer aos modelos prontos, modelos estes que não são senão "modelos" que não se realizam nem mesmo nos países onde ele foram concebidos. Ora, a "república" francesa, berço da moderna noção de cidadania, nunca viveu tamanha crise de identidade ao se deparar com conflitos como aquele que você expõe. Os instrumentos "clássicos", como você chama, não estão conseguindo dar conta das tensões reais que as relações entre os mundos pós-coloniais e as ex-metrópoles estão impondo. Há uma conta a ser paga, e agora estão aí na porta batendo, cobrando o preço.
Porém, nosotros, daqui da periferia sempre nos acostumamos a lidar com um mundo mais desordenado e caótico do ponto de vista deles. E fazer a ordem desse caos...
O nosso modelo de ação afirmativa, por exemplo, confunde a cabeça de uma parcela significativa dos nossos intelectuais que estão sempre referidos, de forma crítica, ao modelo norte americano. Apontam que houve uma importação direta de um modelo que "cria um conflito onde ele não existe". Não incorporam, por exemplo, uma percepção que uma suposta tendência às "saídas negociadas", à "convergência para o centro", não são nada mais que expressões deste conflito. Só é possível haver negociação quando há interesses em choque. Ninguém negocia sem interesses.
E o mais interessante é perceber que em sociedade como o Haiti, onde supostamente todos são descendentes de ex-escravos, todos são, no limite, negros, há tensões raciais. Pode ser que estejamos falando da "linha de cor" de Dubois, ou ainda, de uma histórica tensão econômica entre negros boçais e mulatos ricos. De qualquer forma, há no seio uma sociedade que é, por assim dizer, negra, tensões raciais. Invocar a mestiçagem não soluciona o problema. E quando passamos para o outro lado da ilha, a República Dominicana, as tensões aumentam ainda mais. Nação e raça se confundem... Infelizmente, queiram ou não certos intelectuais invocar a biologia para dizer: "Ei, vocês estão enganados, raça não existe". Eles talvez precisem dar um passeio pelo mundo para entender melhor a sua própria casa e perceber que muitas vezes são eles mesmos que estão importando modelos políticos/analíticos que não dão conta da realidade. Não sou um empirista radical, mas acho que tem faltado a essa gente andar pelas ruas e se misturar com o seu material de pesquisa. Não adianta dizer que faz pesquisa há 30 anos com relações raciais... Precisam olhar o momento. Pesquisa é isso... É um frame...
Modelos são úteis para pensar, mas não podem dirigir de modo normativo o nosso olhar. Diferente de um microscópio ou um moderno telescópio, a pesquisa social requer que os instrumentos sejam permanentemente ajustados àquilo que estamos vendo... Enfim...
Agora o Leonardo, sobre o Obama.
Em primeiro lugar, foi exatamente isto que possibilitou a comparação entre ele e o Lula de 1989 (diria mesmo que o Lula de 2002 também) a idéia de que sua candidatura quebra um paradigma. Esta é a sua força (como sempre foi a força do PT e de Lula) trazer uma mensagem diferente, de esperança e de mudança. Mas sociedades reais resistem às mudanças, e quebras de paradigma às vezes se apresentam como mudanças demasiadamente radicais para ser incorporadas facilmente.
E isto é que me faz pensar que vou, infelizmente, ganhar a tal aposta.
Nossa experiência frustrada de 1989 nos mostrou que não adianta ser criativo na hora de fazer campanha. Certos golpes são duros demais para se absorver e como eu disse, não será fácil para um americano médio ouvir McCain se referir nos debates ao seu opositor como Mr. Hussein. E não adiantará Obama dizer que seu nome é Barack Obama. Isso só vai pesar contra ele, porque pode ser visto como uma negação de seu nome. Será um complicado jogo de xadrez, muito mais complexo do que convencer um partido (supostamente) progressista a adotar uma candidatura que rompe paradigmas.
E aí vem a questão da Unidade e Esperança... Sim, esse discurso é muito bom para nós. Mas mesmo Bush, no auge da crise do onze de setembro, invocou a nação Una e Indivisível sob os olhos de Deus. E com isso conseguiu fazer passar uma legislação que coloca por terra uma série de tradições ligadas aos direitos individuais nos EUA. E ainda, conseguiu criar uma situação que desrespeita protocolos internacionais relativos aos aeroportos, posto que país algum exige visto para estabelecer uma conexão entre vôos. Somente os EUA... Tudo em nome da unidade da nação e da esperança de manter unido este povo...
Sei não, meu caro, sou muito pessimista, o calo nos ensina a andar de sapato apertado...
Embora não seja partidário da noção de unidade, prefiro a pluralidade e o pluralismo, tenho sempre esperança. Como disse, aposto no Fluminense na final da Libertadores, mas não me incomodaria em perder. Aposto em McCain para a presidência dos EUA, adoraria perder!
O que parece ainda mais interessante é como estas eleições afetam o Haiti e sobretudo a comunidade haitiano-americana. Afeta tanto que meu amigo da aposta vai falar no sábado em um programa de rádio, transmitido para a Flórida (onde se encontra parte substantiva da comunidade haitiana nos EUA), fazendo um manifesto em favor do voto dos haitianos em Obama. Disse a ele que isso não lhe fará ganhar a aposta, pois ele vai pregar para convertidos: imigrantes normalmente votam em candidatos democratas e, mesmo com o grande apoio dos haitianos ao casal Clinton e a pré candidata Hilary, será mais do que natural o voto destes em Obama.
Enfim... Acho que é isso...
Um abraço aos dois amigos e aos outros dez leitores

2 comentários:

João Marcelo Maia disse...

Uma dúvida: essa contagem de doze leitores é fruto de um survey ou uma jogada retórica para fazer charminho, à lá Xexéo??

Zé Renato disse...

Não é charminho, mas também não é survey... É uma espécie de número médio entre as pessoas que sempre dizem que lêem o blog assiduamente: você, o Federico, o Léo, a Isabel, O Gulherme, a Patrícia, O Xampu, meu irmão Duda, alguns que nem sempre comentam aqui no blog, mas falam comigo que leram, fazem comentários e outros amigos que dizem que leram alguma vez... Acho que somando os que lembre agora com os intermitentes deve dar uma média de doze...
E a tua seleção, hein? Que merda!!!