domingo, 13 de abril de 2008

DIAS DE CALMA?


As coisas por aqui em Jacmel parecem ter retomado seu ritmo normal. Como costuma-se dizer por aqui, diferente de outras cidades do país, que têm uma certa tradição de agitação política, como Cap Haitien, Jeremie, Gonaives, Jacmel não costuma ser palco de protestos ou de ações mais incisivas no plano da política nacional do país. Mesmo entre os soldados e oficiais brasileiros da Minustah com quem tive contato, costuma-se dizer que é um lugar tranqüilo.


Os últimos dias, no entanto, pareciam dizer o contrário. Havia um clima pesado no ar, como nunca havia sentido, mesmo em 2006, quando supostamente a situação estava muito mais instável que nos dias de hoje. Há quem diga que a atual crise é justamente causada por isso, diante de um quadro politicamente estável, seria o momento de criar empregos, baixar preços, avançar em políticas de promoção social. Este clima tenso parecia se espalhar e nosso ar culpado de estrangeiros em um país ocupado, aumentava dentro de nós essa tensão.


As coisas supostamente avançaram. Mas ainda está longe de haver tranqüilidade. O primeiro ministro Jacques Edouard Alexis caiu, mas o seu substituto ainda não foi indicado. Preval é acusado constantemente de demorar a agir e de não usar os instrumentos que permitiriam baixar os preços e garantir as condições para matar a fome do povo. Pronunciamentos da ONU e dos organismos econômicos internacionais como BIRD e FMI falam que é preciso que se busque saídas para o problema da alta dos alimentos, que está provocando protestos não apenas no Haiti, mas estes podem se espalhar como um rastilho de pólvora por diversos lugares do mundo.


Ontem, achei curioso as crianças Wilkens e Kadoni, filhos de Veline, a moça que mora e trabalha na minha casa, brincarem de "Manifestation". Mas pensei em como cada pessoa por aqui tem uma opinião sobre a situação política. A política parece atravessar diariamente a vida das pessoas.


Ao mesmo tempo, as manifestações contra "La Vie Chére" combinam diferentes movimentos e correntes políticas. E essa combinação estabelece também pautas diferenciadas, com diversas clivagens. A queda do primeiro ministro, por exemplo, não interessava a alguns setores do Lavalas, antigo movimento político de J. Bertrand Aristide, que parece ser uma sombra, que paira como um fantasma sobre estes protestos. Para os estudantes, não interessa apenas a queda do atual gabinete, mas também de Preval e a saída da Minsutah. Para a maior parte da massa envolvida nos protestos, há o problema efetivo dos preços, o aumento absurdo do preço do arroz, alimento básico da dieta.


Um amigo me pediu uma vez que fizesse uma postagem definitiva sobre a Minustah. Hoje, mais do que nunca não sei o que dizer. Se de um lado, ela é uma força que garante um mínimo de equilíbrio e segurança, de outro lado, ela é um exército estrangeiro ocupando um país. Seria mais ou menos como se nós, cariocas, víssemos tropas da ONU ocuparem as favelas do Rio, porque o Estado brasileiro é incapaz de conter a violências nestas áreas. Antes que alguém apóie esta idéia, digo que sou contra, pois isto fere a autonomia e a sobreania de um povo. Logo, a soberania e a autonomia do Haiti estão em jogo neste tipo de situação. Há o fato do país não ter um exército nacional, dissolvido por Aristide em seu primeiro mandato, quando retorna ao poder em 1994, depois da derrota do golpe militar contra seu governo. A dissolução do exército parecia óbvia naquele momento, em função do grande contingente de elementos ligados à ditadura Duvalier, mas também pelas articulações destes militares contra governos constitucionais. Estes setores migraram para a Polícia Nacional Haitiana, que vem sendo renovada justamente pela ação da Minustah. O jogo é demasiado complexo para levantar opiniões superficiais.


Ontem à tarde, no entanto, mais um incidente aponta para um início de semana tenso. O assassinato de um policial da Minustah em PaP, próximo à catedral e aos mercados do centro da cidade, e as diversas versões sobre o incidente, indicam que os dias de calma estão longe de voltar. Me espanta muito saber essas coisas, pois há duas semanas passeávamos pelas ruas de PaP tranqüilos, como se o país vivesse dias paz. Na semana seguinte, vimos PaP e o país inteiro pegar fogo.


Não sei dizer exatamente o que virá, confesso que pela primeira vez no Haiti percebo a tensão que tanto se falava na primeira vez que estive aqui. Mesmo aqui em Jacmel o clima parece que pode esquentar a qualquer momento.


Vamos aguardar os próximos dias, talvez as coisas se acalmem e tudo não passe de uma crise momentânea.


Abraços a todos


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