quinta-feira, 10 de abril de 2008

A FORÇA INTERNACIONAL (ou "Os Haitianos e o Futebol II)




Já é fato sabido e repetido por mim que os haitianos amam o futebol...


Mas às vezes não custa chover no molhado um pouquinho para contar algumas histórias curiosas...


A primeira delas foi a nossa ida, do grupo de pesquisadores do Museu Nacional que está aqui no Haiti, a um jogo de futebol promovido pelo Viva Rio na "Praça da Paz" em Bel Air. Bel Air é um dos bairros centrais de PaP que estão tremendamente degradados, onde se estabeleceu um reduto de resistência à queda de Aristide e depois à presença da Minustah. A chegada do batalhão brasileiro mudou a relação no local, facilitando a retomada da vida do bairro e o desarmamento (?) das gangues locais. O fato é que Bel Air tornou-se uma "pacificada", chamada pela ONU de "Zona de Pós-Conflito", onde uma divisão específica da organização atua para criar as condições para a retomada da vida normal do bairro. É aí que entrou o Viva Rio, convidado pelo governo local e pela DDR, a tal divisão especial da ONU, cuja sigla significa Desarmamento, Desmobilização e Reintegração.


A ida à Bel Air, por si só, já teria sido muito interessante. Um torneio de futebol disputado entre policiais da área, times de duas escolas do bairro e um "time do Viva Rio", formado por jovens que "deixaram as armas para ajudar na pacificação do bairro". A combinação é meio esquisita e nem chega a dar a impressão que deu totalmente certo, mas já vale a pena imaginar que as tensões se transferiram para o futebol e não se transformam mais em conflitos armados. Seria mais ou menos como pacificar o complexo da Maré e marcar um jogo entre três times de zonas diferentes do complexo, controladas por facções rivais e policiais do Bope... Bem, até que não foi ruim, embora fosse sensível o clima de tensão no jogo.


Não vimos as outras partidas, apenas a decisão do torneio entre o time do Viva Rio, que venceu o time da polícia, e o Lycée Alexandre Pétion, uma das escolas mais antigas do bairro.


O jogo aliás era horroroso. Muitas entradas desleais, jogadas disputadas com virilidade execessiva, descambando mesmo para a violência. Houve um momento que um gozador na platéia que assistia disse: "E eles são o time do Viva Rio, que vem com essa história de paz...". Independente disso, os dois times eram violentos. Cartões amarelos para os dois lados logo nos primeiros minutos, mas depois o juiz esqueceu o cartão no bolso, só esquecendo de tirá-los no segundo tempo, na verdade para tirar apenas o vermelho e expulsar um jogador do Viva Rio, que já levara um cartão amarelo, por uma entrada desleal.


O gol da vitória do time Viva Rio, aliás, saiu num lance bizarro, em que o goleiro deixou passar entre as suas duas mãos e as pernas uma bola fraca, levantada na área. A bola sobrou para um atacante que empurrou-a para o gol. Um gol que foi a cara do jogo.


Entre as muitas aventuras deste dia, tive que encarar uma partida de basquete contra um dos garotos do lugar que me desafiou. Lá fui eu, com o peso de meus 40 anos mais 125 kg de carcaça. Me saí bem. Não perdi, mas pedi para parar quando os moleques empataram o jogo, porque a minha língua já estava sobre o meu umbigo...


Legal também foi ver as crianças de Bel Air e La Saline, que estavam por lá, fazendo uma algazarra incrível e conversando muito (ou pelo menos tentando fazê-lo) em créole conosco.


A segunda história é de Kenley, um haitiano daqui de Jacmel, segundo ele, como todo haitiano, "fanatic pou Brésil". Sempre que o Brasil joga, dizem por aqui que é "jou congée", dia de folga, feriado. Que é uma verdadeira loucura pelo Brasil. O gás da casa acabou e tive que sair para buscar um botijão novo. O primeiro botijão que trouxe estava com um problema, pois a válvula de segurança não funcionava, e foi Kenley que veio "atestar" para que trocássemos por outro. Enquanto esperávamos a troca conversamos sobre futebol, e ele falou de sua paixão por Ronaldô, Ronaldinhô, Kaká, Robinhô... Que os grandes times da Europa, todos têm que ter um brasileiro, pois isso os faz mais fortes...


Mas a melhor que Kenley me contou foi sobre a final da última Copa América...


Pois é, Kenley, como muitos haitianos, joga muito na borlette, apostam em brigas de galo e faz várias apostas de futebol. Entre elas esteve a Copa de 1990, quando Canniggia e Maradona derrubaram o Brasil de Lazzaroni, as Copas de 94 e 2002, esta última quando poucos acreditavam no Brasil, a Copa das Confederações 2005 e a Copa América de 2007, quando ele disse ter ganho algo em torno de US$ 2 mil, por bancar todas as apostas no Brasil, contra todos que diziam que a Argentina levaria a final da competição. Se pensarmos no quanto de dinheiro ele ganhou em apostas, num país pobre como o Haiti, é curioso. Mais curiosa é a sua coragem de apostar em um time que nem o mais ufanista e fanático dos brasileiros não levava fé.


A terceira e última história não é bem uma história... É uma constatação sobre essa força cósmica chamada CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO.


Pois bem, estávamos lá, próximos ao Champ Mars, indo para o Hotel Oloffson, no carro de Bello, motorista responsável por nos conduzir de Delmas para o Centro de PaP. E passando pela Rue Pétion, olhem no que eu esbarro: um cara vestindo o MANTO SAGRADO.


A história se repetia como em 2006, mas desta vez não era nem farsa, nem tragédia. Era a chance de provar o que eu disse na primeira viagem, que meus olhos não me enganavam, o sujeito vestia uma camisa do Mengão!!! E desta vez, diferente da situação anterior, estava com minha câmera!


Paramos o carro e pedi ao cara para tirar uma foto, expliquei a ele em créole que era brasileiro e rubro negro. Quando ouviu que éramos brasileiros, sorriu e me deixou fazer a foto.


Aí está ela...


Aliás, a "Força Internacional" do título não é a Minustah, mas o Flamengo, que não é Internacional, É cósmico, é sideral!!!!!


Abraços




P.S.: Ainda há tempo para amenidades no meio do fogo ateado no país...

3 comentários:

Pedro Migão disse...

Sensacional, Zé !

Anônimo disse...

Prezado Zé,

Cheguei ao seu blog por meio do João Marcelo Ehlert. Também sou rubro-negro exilado, na Argentina, onde é bastante comum ver os locais com o Manto, como [i]recuerdo de Río de Janeiro[/i].

Grande abraço e [i]let's keep the flag flying[/i].

Anônimo disse...

Amore, e você ainda pensa no Flamengo - valha-me Deus!!
Sei que sou neófita nessa história de Blog, mas me amarrei. Tô impressionada com o Haiti, e com você aí, no meio disso tudo!!
Na verdade queria te escrever um e-mail, mas já tinha entendido que você não está muito on-line ultimamente.
Mas é bom saber que apesar de tudo você mantém o bom humor.

Muitas saudades do meu amigo!!!