quinta-feira, 3 de abril de 2008

Silêncio... Ritmo Intenso!




Amigos leitores deste blog,


Perdoem o longo silêncio do últimos dias, mas meu amigo João Marcelo (um dos 12 leitores deste blog. Sim, pelos últimos comentários alguns novos leitores se juntaram a ele) costuma dizer que quanto mais postagens no blog, menos pesquisa... Não é bem assim... Mas realmente as duas últimas semanas foram intensas e ocupadas com muitas coisas novas, contatos, idas e vindas, enfim...


Para se ter uma idéia, até com o presidente do Haiti eu estive... Não, não é gozação não... É sério...


Bem, o que aconteceu foi que na última semana de março, Jacmel esteve às escuras, com problemas no motor da usina termo-elétrica que produz energia para a cidade e, por isso, a cidade passou cinco dias na mais total escuridão. O ruim disso foi ver as coisas que comprei estragarem na geladeira, que sem corrente elétrica não fucionava. Uma lição que aprendi foi que, infelizmente, preciso fazer compras diariamente para comer.


Nesse meio tempo, com um acesso intermitente, mesmo restrito à internet, recebi uma mensagem do Federico, me convidando para ir à PaP, para uma conversa com o novo Embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kippman, um simpático curitibano, ex-chefe da área do Caribe e América Central do Itamarati. A conversa foi ótima. Falamos de nossos projetos de pesquisa no Haiti e da relação com a Embaixada, que parece cada vez mais sólida.


Depois, fui para o Hotel Oloffson, para a festa semanal de lá, às quintas, onde toda quinta feira toca o grupo RAM, uma banda que faz um som com grandes referências ao vodu. Aliás, o Hotel Oloffson é um lugar interessantíssimo, um ponto de encontro de todos os agentes da cooperação internacional, que se encontram em sua varanda para suas reuniões de planejamento. Lá também está a base logística do Viva Rio em terras haitianas. E neste dia, tive oportunidade de conhecer o jornalista Christophe Wargny, do Le Monde Diplomatique, que já escreveu alguns artigos bem interessantes sobre o Haiti. Durante o jantar, conversamos com lele sobre o país. Wargny conheceu bem Aristide, e foi seu colaborador, antes de seu exílio nos EUA (ele mesmo diz em artigos no Diplo que Aristide, depois de voltar dos EUA, tornou-se Harry Stide). Talvez pela intensa proximidade, no âmbito do debate na imprensa internacional, Wargny tornou-se uma voz forte em oposição à Aristide. Mas a conversa com ele não foi sobre Aristide. Falamos mais sobre o Haiti em geral e sobre o polêmico (e segundo ele, "mal compreendido") título de seu livro "Haïti n'existe pas" (O Haiti não existe).


No dia seguinte, sexta feira, fui parar na reunião de planejamento do próximo encontro da Haitian Studies Association, onde pude acompanhar algumas questões burcocráticas sobre a preparação de um encontro desta ordem. Seria mais ou menos como se eu fosse convidado para o conselho organizador da ABA ou da Anpocs, para os mais familiarizados com a área de ciências sociais. Embora não pudesse opinar ou dizer qualquer coisa, já foi uma experiência interessante. Mas a sexta feira apenas começava. Pois fora para PaP com o objetivo de encontrar Herns Marcelin para ir à Cité Soleil.


Era mesmo uma oportunidade única, ir à PaP para conhecer a maior favela do país. De cara já descobri que Cité Soleil não é apenas mais uma favela. Ela é uma municipalidade, com prefeitura e administração autônomas de PaP. Mais interessante ainda foi cair com Marcelin numa reunião com alguns líderes comunitários do local. A questão principal foi descobrir como uma quantidade incrível de projetos de ONGs e da cooperação internacional não conseguem transfomar efetivamente a vida das pessoas. As lideranças locais apontavam para esta questão. E mais, descobre-se com isso, que sem uma política de Estado para atuar nestes espaços, muito pouco se pode avançar, senão pontualmente e em alguns aspectos.


Não entrei em Cité Soleil como tal, nas áreas mais internas da "cidade" e nos bairros mais pobres, fiquei apenas numa área, que pode-se dizer que é como entrar na Maré e ir por ali no centro cultural, não entrar fundo em áreas mais complicadas da favela. Mas de qualquer forma foi já um choque. Maior ainda é o choque de perceber que as pessoas têm consciência total que serão as políticas públicas de longo alcance, e não a ação pontual de ONGs que vão mudar as coisas nestes lugares. Fica a lição para o Brasil onde, segundo as notícias que recebo aqui, está recebendo um grande investimento do Estado nas principais favelas do Rio de Janeiro. Esperemos o futuro nos dizer o que virá...


Na volta ao Oloffson, cansado, porém animado, sentei para tentar escrever alguma coisa, que falasse um pouco desta experiência, pois no dia seguinte ela teria continuidade com um encontro mais amplo, organizado por Marcelin, envolvendo todos os agentes comunitários e atores políticos engajados em projetos em Cité Soleil. Este encontro visava preparar uma pesquisa que construa suas questões a partir das demandas locais. Marcelin quer estabelecer uma pauta de pesquisa a partir de uma espécie de "diagnóstico nativo", na falta de um melhor termo, sobre os problemas de Cité Soleil. Uma técnica interessante de trabalho, que pode produzir efeitos bem interessantes. Estava sem camisa, sentado numa varanda com o laptop, quando alguém fala assim em créole: "Anda, se veste que o presidente está esperando vocês!".


Claro que não dei atenção... Achei que era uma brincadeira ou que eu estava entendendo mal o créole.


Foi quando Natacha virou-se para mim e disse: "Anda Zé, se veste, que o Preval tá lá embaixo! Ele quer nos conhecer!". COMO ASSIM???? O PRESIDENTE DO HAITI QUER ME CONHECER???? CARACA!!!!!


Me vesti correndo e desci... Lá estava ele, bebendo rum numa mesa da varanda do Oloffson com Wargny e Marcelin. Escrevo depois para contar como foi... Mas foi engraçado conversar informalmente com um presidente da república de um país...


Falamos muito sobre Cité Soleil, ele porém não se empolgou de ir até lá...


No sábado de manhã, novamente Cité Soleil...


Foi emocionante ver o encontro que Louis preparou... Uma situação simplesmente fantástica, várias lideranças de lugares variados de Cité Soleil que já enfrentaram em conflitos em outras ocasiões ali discutindo como os diversos projetos de cerca de 33 ongs nunca foram capazes de promover uma mudança efetiva nas suas vidas e apontar as questões centrais para uma pesquisa sobre a vida das famílias de Cité Soleil.


Saí de Cité Soleil para buscar no Aeroporto o pessoal de nossa equipe de pesquisa que chegava do Brasil. Passeamos pela cidade um pouco, depois fomos ao Oloffson jantar e encontrar Federico e Natacha. No dia seguinte iríamos à Belair, para a final de um torneio de futebol organizado pelo Viva Rio na região... Depois também postarei algo sobre esta partida e sobre este encontro.


A agenda destes dias em PaP foi cheia... Pois nos dias que se seguiram, ainda fomos duas vezes à La Saline, uma imensa favela de PaP, próxima ao Mercado de Croix des Bossales e depois fomos na terça, antes de viajar para Jacmel, circular pelos três principais mercados de PaP, o Tèt Bouef, o Croix des Bossales e o Marché en Fer, para terminar em Belair depois deste passeio.
Contarei ainda com detalhes tudo isso em outras postagens...
Abraços a todos.
P.S.: As duas primeiras fotos são de Cité Soleil e a terceira de La Saline, no Marché Croix des Bossales

2 comentários:

João Marcelo Maia disse...

Zé, não perca a oportunidade de colher dados, narrativas e eventos relacionados à dinâmica Estado-ONGs-comunidades no Haiti, pois pela tua narrativa você tá no olho do furacão, e isso pode render uma otura pesquisa muito boa no futuro...
Por acá, Cienciano x Flamengo quarta à noite vai ser o jogo do ano até agora. Se você tiver uma conexão boa e estável, posso tentar viabilizar um link pra você da transmissão com um colega meu...

Unknown disse...

Grande Zé, passei parte dessa manhã lendo teu Blog. Maravilhoso. Tá tão bom que nem tenho sentido o habitual embrulho que me causa as imagens e elogios ao "time das massas", que vc não esquece de jeito nenhum...hahaha
Continuo acompanhando o seriado...
abração