Para meu amigo Guilherme Sá, um pedido formal de desculpas
Há certas situações que pela inesperada atitude das partes nela envolvidas produzem tamanho ruído na comunicação, que tudo o que se diz depois deixa de fazer sentido, em função da confusão de sons e vozes que se misturam. As vezes que sou obrigado a entender o que está sendo dito em créole são assim. Para não ser chato e ficar constantemente dizendo: "Pardon?", somos obrigados a entender, às vezes de maneira torta o que foi dito.
O problema maior é quando este tipo de coisa ocorre entre pessoas que falam a mesma língua. Certa entonação, o mau uso de algumas palavras ou algumas ironias podem soar como grandes ofensas e deixar de lado o sentido real de certas coisas. Esse é sempre o maior temor quando entramos em certos debates intelectuais. Certas ironias podem soar fortes demais e certas provocações adquirem um tom exagerado de desafio. Mas nem sempre as coisas são como parecem ser.
Vejo as pessoas aqui às vezes, falando alto em créole, gesticulando muito, parecendo estar em pesado conflito quando, de repente, riem juntas às gargalhadas. Para mim, tratava-se de um conflito, um mal entendido. Mas nem sempre, apenas o tom da conversa parece ir numa direção quando ela vai para outro. Se falasse créole fluentemente talvez entendesse mais rápido o que se passava. Nem sempre é assim...
Em debates com amigos as coisas às vezes são assim. Uma barulhada e uma troca de farpas nem tanto gentis assim e, de repente, risos às gargalhadas. Algumas vezes, depois de algumas garrafas de cerveja, mesmo entre grandes amigos, uma frase boba, mal colocada, gera um mal estar imenso.
Certos mal entendidos, no entanto, podem produzir idéias interessantes do ponto de vista intelectual, mesmo que às vezes dois amigos saiam meio queimados por conta de coisas que um e outro não entendam sobre o que foi dito.
Meu amigo Guilherme leu a postagem que dediquei a ele e de maneira desarmada e sincera me fez algumas questões usando categorias de análise que não utilizo e/ou não domino perfeitamente. Encarei que sua postagem era uma provocação, no bom sentido do termo, ao pensamento e respondi nestes termos (provocativos) e com alguma ironia, que agora reconheço desnecessária. Nem de longe quis ofender meu amigo e nem levantar alguma bandeira de posição intelectual A ou B. Não "sou da paz", mas não faço guerra também. E ainda mais "guerra santa".
Falei, no entanto, e apesar de certas ironias, de maneira sincera também sobre o não uso de certas categorias e respondi dentro dos termos que utilizo.
Peço aqui desculpas ao meu amigo por dizer que ele tem uma "obsessão lévi-straussiana pela divisão natureza/cultura". Não quis ofendê-lo com isso. Pelo contrário, considero que sua "obsessão" é assaz produtiva e gerou seu brilhante trabalho de doutorado que, no meu parco entendimento, é um trabalho brilhante explorando uma temática extraordinária: a relação humanos/não humanos e os termos em que estas relações se dão. Temia que qualquer discussão mais profunda fosse parecer demasiado pernóstica, e por isso fui bastante superficial em algumas respostas e vejo o quão profundo é o interesse de Guilherme no meu trabalho (que sei que é grande) e nas questões que, juntos, podemos explorar no futuro.
E voltando ao ponto anterior, sobre os termos em que se dão as relações entre humanos/não humanos, no caso da pergunta de Guilherme, humanos/objetos, quando ele me pergunta se são "naturais" ou "sociais", lhe respondi que por convicção (sincera) não acredito em relações "naturais", mas que esta são sempre "sociais". Com isso entraríamos em uma profunda questão filosófica a qual não me encontro sinceramente preparado para enveredar (ainda), mais uma vez fui bastante superficial, pois iríamos ao encontro de uma suposta "ontologia" dos objetos, termo que não utilizo, categoria de análise que não trabalho. Utilizo com mais freqüência a noção de "vida social dos objetos" ou "história social dos objetos" conforme estas são cunhadas a partir dos trabalhos de Kopytoff e Appadurai.
Depois lhe expus que o estatuto destas relações pode operar a partir de eixos analíticos distintos e, mesmo reconhecendo a rentabilidade etnográfica de certas categorias de análise com as quais não opero, sugeri que a idéias de que os objetos não sejam algo em si mesmos mas representem coisas que as pessoas e suas relações atribuem a estes pode ser rentável para pensar algumas coisas dentro do universo social do vodu.
E por último, aproveitando a última frase, disse-lhe que recusava o termo cosmologia, porque não tenho o hábito de usá-lo, e de fato evito-o o máximo que posso. Não para denegar certas vertentes antropológicas, mas pelas implicações do termo, preferindo noções com as quais estou mais familiarizado, tais como, "mundo social", "campo conceitual", "universo de sentidos", mesmo que isso signifique uma certa redução do espectro do pensamento nativo.
Mais uma vez peço imensas desculpas ao meu amigo se lhe pareci rude ou excessivamente irônico, e reconheço que as questões que ele me coloca são bastante ricas para pensar profundamente diversas questões do meu campo.
Um abraço
Zé
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