quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Caribbean: o mercado dos "ricos"


Toda vez que falo em mercado aqui, e as imagens que fiz devem reforçar essa idéia, todo deve mundo imaginar mercados de rua para todos os lados, o que não deixa de ser verdade. Há de fato mercados de rua em todo lugar, desde os pequenos grupos nas esquinas que podem vender principalmente frutas, pequenas coisas do dia a dia, desde alimentos até artigos de plástico, algumas senhoras vendendo comida pronta: griot de porc, cabrito, banane pisée, riz ak pwa (arroz com feijão), enfim, pequenos comércios de esquina, até grandes extensões por diversas ruas, como aquela que descrevi aqui mesmo, onde é possível comprar de tudo, desde alimentos, passando por roupas e sapatos, até artigos eletrônicos.



Mas é claro que alguns não podem imaginar que possa haver supermercados, e creio que esta imagem se deve muito à minha obsessão pelos mercados de rua e, pode se dizer até, certo desprezo que tenho por descrever aquilo que (supostamente) já conhecemos.

Quando estive em Salvador pela primeira vez, me apaixonei pela Feira de São Joaquim justamente pela sua cara de mercado de rua, diferente da coisa arrumada para turista ver do Mercado Modelo. Nas situações seguintes, voltei lá exatamente quando em pesquisa do mestrado, uma delas acompanhando uma mãe de santo baiana radicada no Rio de Janeiro, Mãe Detinha de Xangô, que se hospeda no Pilão de Prata para o ciclo de festas de Pai Air, e aproveita estas ocasiões para comprar os produtos da “Boa Terra” para levar para o Rio: azeite de dendê, camarão seco e farinha de mandioca. Aprendi com ela a apreciar e a comprar estes produtos quando vou à Salvador. Então, sempre que vou àquela cidade, não deixo de ir à São Joaquim para fazer compras.


Junto isso às outras experiências antropológicas ligadas aos mercados populares, como o Mercadão de Madureira, onde estive com um grupo de alunos da disciplina “Antropologia Econômica”, que ministrei em conjunto com meus amigos, Prof. Marco Antônio da Silva Mello e Diana Nogueira Lima, no IFCS/UFRJ, no primeiro semestre de 2007. Tudo isso reflete um interesse obsessivo por este tipo de mercado, que às vezes me impede de olhar exatamente para aquilo que suponho conhecer de perto.

Mas sempre somos colocados diante de lições antigas, que retornam para nós como um mantra: “estranhar aquilo que nos é familiar, tornar familiar aquilo que é exótico”. Devo admitir que não venha seguindo esta máxima aqui neste blog, até porque este não é o objetivo. Aqui coloco impressões de modo despreocupado, sem deixar de registrá-las diariamente em minhas notas de campo, mas escrevendo sem muito rigor sociológico.


De fato, me faltava tornar exótico aquilo que me parecia tão familiar: um supermercado. O que é que pode haver de “exótico” num supermercado. Bem, se considerarmos rapidamente que estou em um país muito diferente do Brasil em muitas coisas e totalmente semelhante em outras, diria que o Caribbean Supermarket S.A. se assemelha muito com aqueles grandes mercados da Barra. Não no tamanho, mas, digamos, no estilo. Talvez pelo seu público, principalmente, que é bem distinto da gente que se vê diariamente nas ruas daqui.

A começar pelo seu estacionamento, ali vemos um número enorme, principalmente aos sábados, de veículos com o símbolo das Nações Unidas ou de organismos de cooperação internacional e ONGs. Além destes, vemos também grandes automóveis das famílias “burguesas” daqui, normalmente veículos grandes, com tração nas quatro rodas (Toyotas, Mitsubishi, Nissan, por aí vai). Pouquíssima gente chega ou sai a pé deste mercado. Vim uma vez com M. Evance a ele, e fomos quase vistos como uma aberração, posto que estivéssemos a pé...


A quantidade de estrangeiros neste supermercado é sempre impressionante e, como disse, aos sábados, ela vai à potência de 10. Também neste mercado é que podemos encontrar agentes de polícia internacional, gente das diversas polícias do mundo, lotadas na ONU, em ação no Haiti. Encontrei uma vez um policial de Brasília. Da primeira vez que estive aqui no país, um dos lugares onde encontrei soldados brasileiros foi no Caribbean. Isso faz um incrível mistura de sotaques e pessoas, que você tem a impressão de estar no Duty Free de um aeroporto internacional.

E realmente, a julgar pelos produtos que se pode encontrar, o Caribbean parece mesmo um Duty Free. Toda sorte de bebidas das mais diversas nacionalidades, inclusive a boa cerveja haitiana Prestige e o Rum Barbancourt. Todas as marcas internacionais estão aqui representadas. Ainda não achei cerveja brasileira, mas biscoitos e outras pequenas bobagens sim. Xampus, sabonetes, produtos de limpeza, molhos prontos, massa italiana, etc.


Pode-se comprar lá, também, carnes variadas: boi, porco e cabrito, resfriados ou congelados, em cortes bem embalados em pratos de isopor e filme de PVC. Peixes e aves inteiras ou em cortes. Queijos de todas as partes do mundo, presuntos, frios variados, um excelente pão francês em baguettes. Um mundo incrível de coisas que poucas pessoas no país podem ter acesso.

E tal fato, a falta de acesso a estes produtos se explica por uma razão simples: os preços. Uma pequena compra para o almoço no Caribbean pode custar algo em torno de 500 a 800 gourdes. Não parece muito, mas parando para pensar um pouco, são 20 e poucos dólares americanos. Por mês, pode dar algo em torno de 600 dólares mensais. Pouquíssima gente tem essa renda por aqui. Mesmo as pessoas mais ricas, complementam as suas compras nos mercados de rua, pois suponho que pouca gente seja capaz de suportar esse golpe mensal no orçamento. Somente os muito ricos daqui e o pessoal que trabalha na ONU, na ONGs, nos serviços consulares e embaixadas, enfim, o pessoal que tem grana. Por isso disse que o Caribbean é o mercado dos ricos.


O que espanta é que um lugar como este, capaz de fazer a grana circular, seria um paraíso para arrecadação de impostos e taxas públicas. No entanto, me parece que o Estado haitiano não teria meios para fazê-lo. Ou interesse. Fica isso para pensar...

Abraços


P.S.: A imagem mostra algo que se parece com uma fortaleza... Não senhores, é apenas a entrada do Caribbean Supermarket S.A.

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