sábado, 16 de fevereiro de 2008

Injustiça



Devo admitir aqui, de público, que minhas observações sobre a comunicação de meu co-orientador no Colóquio de anteontem não foram muito justas com a sua posição política e intelectual.


De fato, reconheço que sou excessivamente crítico com certa parcela da intelectualidade do Haiti por julgar que eles tratam os problemas com uma visão de cima para baixo. Conversando hoje pela manhã com ele, à casa de M. Michel Hector, historiador haitiano, ficou um pouco mais clara, para mim, a posição dele em relação à massa haitiana e o problema do Estado de Direito.


Muitas críticas podem e devem ser feitas à ação da MINUSTAH no sentido de legitimar os poderes instituídos, mas creio, no entanto, que foi para isso mesmo que ela foi convocada, é importante que se diga, pelo próprio governo do país, para garantir a ordem institucional. Portanto, pode parecer estranho que se critique a missão da ONU por fazer exatamente aquilo que ela veio fazer. Mas de outro lado, é muito importante perceber que algumas críticas ao governo Préval e à suposta estabilidade política que existe decorre exatamente disto: a Missão da ONU neutraliza, segundo alguns interlocutores, certas formas de oposição ao governo. Uma das questões centrais seria a não realização de um segundo turno nas eleições presidenciais, fato previsto pela constituição, e a posse de Préval, sob o apoio explícito da Missão Militar da ONU. Outra questão é que nesta “estabilidade” marcada pelo signo da MINUSTAH, dificilmente o parlamento daria um voto de desconfiança ao primeiro-ministro Aléxis, e tal fato caracterizaria uma suposta situação de que a democracia no âmbito do estado haitiano vive sob permanente ameça.


São questões, de fato, delicadas. Confesso que não consigo, neste momento, estabelecer uma posição diante de tais afirmações. No entanto, reconheço a injustiça que faço ao sugerir certa insensibilidade de Laeneck aos reais problemas da população. Insisto, no entanto, que ele ainda está longe de conhecer de perto tal realidade. Mas tenho que fazer justiça, sobretudo, ao fato de que ele fala de um lugar de autoridade sobre esta situação do país.


O próprio Laeneck considera, sobretudo, que qualquer mudança neste país só virá quando construída de baixo para cima, quando entrarem em cena os principais atores sociais: a massa desorganizada e destituída de quaisquer direitos. Um ponto essencial que ele aponta como importante, para o qual nós estrangeiros às vezes nem atentamos, é que os políticos daqui fazem seus discursos no parlamento em francês, o mesmo ocorre com qualquer pronunciamento oficial do governo ou com as sentenças dos magistrados em tribunais. Tudo é falado em francês. Isso não seria, de fato, nenhum problema para nós estrangeiros, que temos uma idéia sobre um país bilíngüe. Mas este não é o caso. A maior parte da população daqui, como já disse outras vezes, não fala francês, mas creóle. O francês se restringe àqueles que tiveram um alto nível de escolaridade ou às elites e à burguesia do país.

O que Laeneck aponta com muita pertinência é que não se pode construir um estado de direito baseado na exclusão da maioria da população, que exerce o direito de votar, mas não possui nenhum canal de comunicação com seus líderes políticos. Por isso Laeneck apontava para a cisão histórica que remonta aos tempos da independência do país, entre uma elite política francófona e uma massa de indivíduos vindos da zona rural que só fala creóle. Nem mesmo os processos de alfabetização em creóle conseguem dar conta deste problema. Aponto como significativo o fato dos dois principais jornais locais, Le Nouvelliste e Le Matin, serem quase que totalmente escritos em francês. Em creóle, apenas a publicidade.

Ora, apenas este fato indica que há um discurso fechado e circular entre uma parcela específica da população, que controla os capitais essenciais para a participação política: a língua francesa e a informação. Sem estes dois instrumentos, como podem as massas daqui se organizar? Na verdade, a ruptura de um único círculo possibilitaria uma participação mais ampla e irrestrita da população, o uso definitivo do creóle como língua oficial do país.

Por isso reconheço aqui a minha injustiça.


Abraços para todos




P.S.: Com o coração, mais do que nunca, apertado diante de mais um Flamengo e Vasco...

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