terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Longe de Casa


Para Kátia Apostólico, minha irmã de Oxum

Hoje à tarde aconteceu uma situação curiosa.

Muitos amigos têm acesso a mim através do site de relacionamentos Orkut, que acaba se revelando uma ferramenta útil, pois lá tenho conseguido postar minhas fotos com relativo sucesso, recebo recados e mensagens rápidas das pessoas, comentários sobre as fotos... Enfim, é um meio rápido de estar em contato comigo e de saber notícias.

Pois bem, pelo Orkut realmente é difícil para as pessoas tomarem conhecimento das condições daqui do Haiti, de como estou vivendo, quais as dificuldades que enfrento quais os meus problemas de adaptação, com a língua (aliás, as duas línguas, o creóle e o francês), a comida, as pessoas, o dia a dia.

Para poder falar com os amigos, ao mesmo tempo com todos eles, e em especial com alguns, criei este blog, onde procuro mandar notícias daqui, fazer comentários, referências ao meu dia a dia. Lembrei-me, aliás, das lições de meu professor e amigo Marco Antônio da Silva Mello e de uma conversa com outro amigo e seu orientando, o Zé Colaço, quando falamos do Sznanieck e das cartas sem destinatário. São cartas abertas, registros que podem ser para uma única pessoa ou para várias delas, escritas para registrar as nossas experiências e deixar algo para as gerações futuras.

Nem de longe é esta a minha pretensão (deixar um registro para as gerações futuras), quero apenas me valer deste recurso tecnológico para estar em contato com todas as pessoas conhecidas.

O fato curioso é que, em meio à querela virtual que acontecia entre eu e uma amiga, onde explicava os problemas da falta de energia, a conexão oscilante, o acesso intermitente à internet, eis o que acontece: acaba a energia. Estabelecido o mal-estar, não havia nem chance de eu tentar explicar exatamente o que estava acontecendo: ficara sem energia elétrica e com isso, a despeito da bateria do meu notebook permitir que eu continuasse escrevendo normalmente, a conexão da internet caiu. E o dado engraçado é que continuei tentando escrever as mensagens, até que me dei conta, quando a página da internet não respondia, que faltava energia.

Lamentavelmente não pude deixar claro para essa amiga que o problema não é e nunca seria com ela, de quem gosto muito, mas comigo mesmo, com os problemas variados que venho enfrentando aqui, e que de alguma forma, meus nove leitores (espero que ela agora se incorpore a eles, completando uma dezena) têm pleno conhecimento.

Portanto, peço aos amigos que demandam notícias ou um contato mais pessoal e menos indireto, menos “seco” que uma mensagem curta, ou menos “frio” do que este se faz através de um blog aberto, um pouco de paciência comigo e com a demora nas mensagens e nas respostas, pois algumas vezes eu tenho precisado de três ou quatro tentativas para enviar um e-mail, scrap ou recado qualquer. Não sei o que se passa, a minha conexão está ruim, e não tenho tido sorte algumas vezes. E ainda podem ocorrer situações como esta do momento em que escrevo esta mensagem: estou sem energia elétrica.

Isso também me leva a falar de uma questão ainda mais pessoal...

No dia em que parti para cá, estava em casa, aguardando a hora de ir para o Aeroporto. Minha irmã Ana Maria, animada com o carnaval acabara de chegar lá em casa para se despedir. Queria me animar, me estimular porque eu estava partindo para uma experiência única, especial em minha vida. Naquele dia, no entanto, fora assaltado por duas notícias que me deixaram muito triste. A primeira era a morte de um ogã do Terreiro Pilão de Prata, o Roberto, de câncer. Roberto fora um grande amigo e um excepcional informante de minha dissertação de mestrado. Com ele tive grandes conversas e tinha por ele o carinho especial que temos por um grande amigo. Não o via desde agosto de 2005, antes de minha defesa, mas sempre guardava por ele um especial afeto e por sua esposa Bernadete, alguns dos bons amigos que fiz em Salvador.

Mais tarde, ainda um pouco antes de minha irmã chegar à minha casa, recebi a segunda e dolorosa notícia: a morte de Iyá Nitinha. Acho que só falo agora dessas coisas porque tenho a impressão de que, desde a morte do meu pai, procuro anestesiar os meus sentidos para ir digerindo aos poucos essas perdas. Não posso dizer que fosse amigo dessa grande dama, pelo contrário. Era um dos seus muitos “filhos”, na verdade, filho de um filho seu. Mas sempre que estivemos juntos, ela me tratou com carinho e deferência especiais, aquela que ela sempre teve pelos “filhos de Papai Flávio”. Lembro-me de um episódio, quando ainda dava meus primeiros passos no candomblé, há pouco mais de uma dezena de anos, quando uma irmã de santo de meu Pai Flávio falou a ela da cor dos meus olhos, e disse a ela que eles eram lindos. Em respeito a uma velha iniciada, aprendi que jamais deveria olhar nos olhos dos mais velhos, portanto, me mantinha sentado no chão, em uma esteira, de cabeça baixa, quando ela me disse com seu sotaque baiano e a voz fininha quase sem sair: “Levanta a cabeça menino, deixa eu ver teus olhos... Vixi, num é que são bonitos mesmo?”. Essa é a lembrança mais doce que guardo desta grande senhora, Minha Mãe Nitinha da Oxum.

Bem, o fato é que minha irmã, no seu esforço em tornar um pouco mais alegre a minha despedida, acabou ficando chateada com meu pouco humor e distanciamento das coisas. Quando fizemos algumas fotos, e depois pude ver na câmera digital, a minha cara estava horrível. Conversamos pelo Skype no domingo e quando ela viu as fotos, uma delas feita por mim dentro do avião, ela disse: “Puxa, até que enfim um sorriso!”. Depois expliquei a ela que, além de toda tensão que uma partida pelo longo tempo impõe, para um país diferente, para realizar um trabalho que nunca podemos ter certeza de que caminho vai seguir, enfim, todos os problemas que envolvem uma partida para o campo, fora assaltado pela notícia da morte de duas pessoas queridas. Não havia como sorrir naquele momento, naquela noite.

Às vezes, não é fácil, mas é preciso tentar se colocar no lugar do outro para entender o que se passa.

Sei que isso não passa de obviedades, mas elas às vezes são necessárias para que fique claro para os outros o lugar de onde estamos falando. Antropólogos têm sempre que estar atentos ao lugar de onde se diz e como se diz algo. Por vício de profissão, procuro sempre fazer isso, mas também por má formação, acabo exigindo também que os outros façam o mesmo...

Beijos a todos