terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Instalando-me em Jacmel
domingo, 24 de fevereiro de 2008
Feliz da Vida
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
Caribbean: o mercado dos "ricos"
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Minha Casa no Haiti
Prezados Amigos,
Enfim consegui achar a casa em Jacmel onde vou morar.
Na verdade a casa é uma daquelas que vi na primeira viagem e não gostei, mas contei para um amigo a história do bode na sala.
Uma família enorme, pai, mãe, sogra, sete filhos, noras e genros moram numa casa de apenas dois cômodos. Um verdadeiro inferno. Ninguém suporta viver na casa, posto que não há intimidade, todos vivem incomodados. Resolvido a dar um fim nas reclamações, o chefe da família decide colocar um bode na sala. O que era um inferno piorou de modo insuportável. Ninguém agüentava o cheiro do animal, suas fezes e o incômodo de toda aquela gente junta mais o bode. As reclamações chegam a um ponto insuportável, verdadeira crise familiar. O chefe da família resolve tirar o bode da sala. A paz volta ao lar e ninguém reclama mais de ter que conviver amontoado na casa.
Bem, essa historinha serve para contar a minha saga em Jacmel atrás da casa perfeita. Em primeiro lugar a casa perfeita não existe, há a casa possível, e esta foi aquela primeira casa que falei, cuja distância do centro da vila caiu de 4 a 5 km, para 3 km medidos através do velocímetro do carro de Laeneck. Comecei a perceber que pelo que o sujeito me oferece, mais as coisas que a casa já tem, acho que o preço está excelente.
A cozinha está bem equipada, tem uma mesa grande e uma deliciosa varanda na frente... Acho que estava sendo exigente demais...
Vou ficar com a casa. Depois mostro umas fotos de dentro
Beijos a tod@s
Zé
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
Papai Joel contra Mestre Cuca
Quem faz o melhor tempero? Quem vai dar um presente à sua torcida?
Sou mais o meu Urubu...
Abraços
E Saudações Rubro Negras
Zé
Prefete Duffaut: imagens de poesia
Pois bem, sábado pela manhã, por acaso, Laeneck não quis ir à FOKAL para a mesa de encerramento do Colóquio. Disse-me estar cansado para dirigir até o centro de Port au Prince e, sobretudo, estava desinteressado das discussões daquele dia. Já havíamos ido pela manhã à casa de Michel Hector, onde conversamos longamente com este, e com Luc (Loulou) Smarth, sociólogo e professor da Université d’Etat. No caminho da descida para Port au Prince ele me perguntou se queria mesmo ir ao Colóquio. Disse que para mim era indiferente, que podíamos voltar. Ele fez uma chamada telefônica e disse que íamos passar para ver um amigo seu.
Sobre o Embaixador Brasileiro no Haiti
domingo, 17 de fevereiro de 2008
Jacmel
Mas independente de qualquer coisa, Jacmel é sim apaixonante. A cidade tem nela ainda um pouco do que resta das construções mais antigas, do começo do século, as gingerbread houses, casas em estilo antigo, combinando em sua construção detalhes em madeira e metal com a base em alvenaria. Há também aquele charme decadente, que meu amigo João Marcelo atribui bem à nossa bela São Sebastião do Rio de Janeiro, e que faz de Jacmel algo mais sedutor. Pesam ainda as questões de segurança. Longe da confusão caótica e dos blokis na circulação entre Delmas, Carrefour, Pétion Ville e o coração da capital, o centro de Port au Prince, Jacmel é uma tranqüilidade. Não há sinais da (suposta ou real) violência da capital, o que não torna, porém, a cidade menos pobre. Sim, a pobreza crônica daqui também se apresenta com sua face mais cruel, refletindo a distância absurda entre o mundo rural do Haiti e o mundo urbano, que se misturam de uma forma, muitas vezes indecifrável.
Vi outras casas, onde tudo parecia ainda por fazer, tudo muito desarrumado e abafado, calorento e ruim. Como disse e insisto, não sou exigente. Quero um mínimo que possibilite desenvolver meu trabalho. Se puder conseguir isso, me basta.
sábado, 16 de fevereiro de 2008
Injustiça
De fato, reconheço que sou excessivamente crítico com certa parcela da intelectualidade do Haiti por julgar que eles tratam os problemas com uma visão de cima para baixo. Conversando hoje pela manhã com ele, à casa de M. Michel Hector, historiador haitiano, ficou um pouco mais clara, para mim, a posição dele em relação à massa haitiana e o problema do Estado de Direito.
Muitas críticas podem e devem ser feitas à ação da MINUSTAH no sentido de legitimar os poderes instituídos, mas creio, no entanto, que foi para isso mesmo que ela foi convocada, é importante que se diga, pelo próprio governo do país, para garantir a ordem institucional. Portanto, pode parecer estranho que se critique a missão da ONU por fazer exatamente aquilo que ela veio fazer. Mas de outro lado, é muito importante perceber que algumas críticas ao governo Préval e à suposta estabilidade política que existe decorre exatamente disto: a Missão da ONU neutraliza, segundo alguns interlocutores, certas formas de oposição ao governo. Uma das questões centrais seria a não realização de um segundo turno nas eleições presidenciais, fato previsto pela constituição, e a posse de Préval, sob o apoio explícito da Missão Militar da ONU. Outra questão é que nesta “estabilidade” marcada pelo signo da MINUSTAH, dificilmente o parlamento daria um voto de desconfiança ao primeiro-ministro Aléxis, e tal fato caracterizaria uma suposta situação de que a democracia no âmbito do estado haitiano vive sob permanente ameça.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
Colóquio na Université Quisqueya
Na verdade, trata-se de um preconceito recorrente, sobre países como o Haiti e países africanos. A Índia, por exemplo, por conta do trabalho de intelectuais como Amartya Sen, passou a contar com algum crédito, e também pelo desempenho de intelectuais indianos em outras áreas, sobretudo, na matemática e na área tecnológica. Mas o fato é que ainda olhamos com profundo preconceito a possibilidade de uma produção intelectual de qualidade vinda destes países. Isso até serve para olharmos para nós mesmos, brasileiros, e compreendermos que temos uma produção intelectual respeitável, e que temos autores que figuram nas melhores bibliografias do mundo.
Digo isso principalmente em função de alguns comentários sobre o fato de vir fazer pesquisa no Haiti. As pessoas falam quase sempre como se não existisse nada aqui, exceto um belo material etnográfico, o que é até verdade, mas o país tem uma grande e original produção intelectual. Já falei aqui de Louis Joseph Janvier, e em outras ocasiões de Jean Price-Mars e Antenor Firmin. Este último, costumo dizer que sua contribuição, o extraordinário ensaio intitulado “De L’Egaltié des Races Humaines: Anthropologie Positive”, ignorado por nós e publicado em língua inglesa somente no ano de 2000, mais de um século depois de sua primeira publicação (1885), poderia ser considerada um marco fundamental na antropologia.
Firmin procura em sua obra contestar, valendo-se de uma argumentação positivista, baseada essencialmente em considerações de caráter científico, todo o conjunto de teorias sustentado a partir da obra do Conde de Gobineau, De L’Inegalité des Races Humaines, e dos estudos de Paul Broca, baseados na antropometria, sobre as diferenças entre as raças e a decorrente hierarquia das raças, que serviu de base para as teorias racistas da primeira metade do século e, acima de tudo, para sustentar as teorias nazistas de superioridade da raça ariana.
Como já disse repetidas vezes, falta realmente alguém com disposição e tempo para fazer um trabalho desta magnitude: uma sociologia dos intelectuais do Haiti e suas relações com as demais produções intelectuais. Material de pesquisa não falta...
Disse tudo isso para introduzir o fato de que participei de um colóquio hoje, na Université Quisqueya, uma universidade privada local, sustentada com recursos da AUF (Agénce Univéristaire de la Francophonie) e de outras fontes. Trata-se de uma bela universidade, localizada na esquina da Rue Charéon e Boulevard Harry Truman (Bicentenaire), bem no centro de Port au Prince. Uma das diferenças essenciais entre esta e a Université d’Etat trata-se justamente do volume de recursos disponíveis: algumas salas com ar condicionado e gerador para as constantes quedas de energia.
De cara, antecipo para os meus 12 leitores (o número vem crescendo) que não gosto deste termo “governança”. Sempre que ouço, dá uma certa dor no ouvido, ainda mais que aí no Brasil o termo é caro à imprensa, sobretudo a comentaristas políticos como Merval Pereira, Alexandre Garcia e comentaristas de economia como Miriam Leitão.
Não estou preocupado, nem com a etimologia do termo, nem com seu significado exato. Acho que uma palavra tem mais importância pelo uso que as pessoas fazem dela. E falar em governança, no fundo, no fundo, é falar de “gerenciamento”. O termo vem do setor privado, e se refere à gestão eficaz, eficiente. Já dá para ver onde isso vai dar, né? Referir-se a Estado e Governança, para mim, me parece falar de formas de gestão “eficaz” do Estado baseadas em conceitos da gestão privada.
Mas fui para o colóquio de espírito desarmado. Sobretudo porque meu orientador daqui ia falar e, embora tenha lá minhas divergências com algumas concepções dele sobre a situação do Haiti, trata-se de uma visão respeitável, digna de atenção. Seu trabalho intelectual tem grande significado nas análises sobre a crise haitiana e ao lado de Michel Rolf-Trouillot é uma das visões mais respeitáveis sobre o país. Sem contar o fato de ser um especialista no meu tema de pesquisa, o vodu haitiano.
Mesmo desarmado, não dá mesmo para aturar certas coisas.
O problema era principalmente que o seu discurso demasiadamente didático e que aos poucos revelava uma noção de Estado que se baseia essencialmente na redução do volume e do raio de ação deste. Não considerou o douto professor que nos países latino-americanos o desenvolvimento se fez através do Estado. Que é justamente na capacidade de investimento público que reside o motor do crescimento econômico nos países pobres. Qual seria a saída que ele preconizava para o Haiti?
Sinceramente, M. Manigat não me impressiona. Seu sobrenome é de longa tradição no Haiti. É apenas mais uma liderança intelectual que vem das elites, não creio que seja capaz de promover as transformações políticas necessárias ao país, e pelo que conversei com Laeneck, é avessa às alianças políticas. No meu parco entendimento, não é possível governar país algum sem alianças. Aliás, a sensação de que um colóquio desta ordem onde estão ausentes as lideranças da sociedade civil, os partidos políticos, as organizações sindicais e estudantis não me parece que vá muito longe, senão num tipo de diagnóstico impressionista sobre a vida real das pessoas das camadas populares do país.
Na verdade, o que sinto é que faltam lideranças populares que confrontem candidaturas óbvias, como àquelas que já são poder, àquelas que já foram poder e as elites do país, de diferentes extrações. O colóquio foi um bom encontro com uma vida universitária de alto nível, onde os debates se sustentam em argumentos de grande qualidade. E isso não ocorreu nem numa universidade americana ou da Europa, mas aqui mesmo no Haiti. O Haiti é aqui. E tem muito mais coisa do que podemos imaginar de longe.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
No Mercado em Pétion Ville
Enfim, pude sair às ruas não mais no automóvel de meu orientador, mas pegar uma caminhonete (tap tap) e me dirigir ao mercado de rua em Pétion Ville, junto com a cozinheira da casa. Não foi nada de especial, mas foi bom poder andar a pé e me misturar com a gente das ruas, fizemos compras, pude entender muito pouco do que se passava, mas ainda assim valeu muito a pena. Evitei levar a câmera fotográfica, não por temer algo, mas para chamar o mínimo de atenção possível que um blanc (termo em creóle adotado para os estrangeiros) nwa (de noir, negro, como eu) pode despertar nas ruas, com seu (mau) francês cheio de sotaque e sua incapacidade total de se fazer entender em creóle. De qualquer forma, foi bom ir ao mercado, desta vez como um pratik (cliente).
Como já havia dito em outras ocasiões, há de fato uma predominância da presença de mulheres às ruas, no entanto, como já notara muito antes em Jacmel, há de fato homens no mercado, exercendo algumas funções muito específicas, ou parados, observando o movimento, como que controlando algo. Vi, também, homens vendendo especialmente produtos industrializados, roupas, sapatos, cintos, cartões telefônicos e, ainda, relógios e artigos de joalheria.
Como tenho despertado muito cedo aqui, saímos logo após o café da manhã, por volta de umas 7:45 h.. Caminhamos até a saída pelas ruas tranqüilas do elegante bairro de Belvil, para cair na agitação constante da poeirenta Route des Fréres. Esperamos algum tempo até poder pegar uma caminhonete, pois eu e M. Evance precisávamos de dois lugares, elas já vinham todas lotadas ou com apenas um lugar. Aliás, esse negócio dos tap taps é realmente curioso. As pessoas sempre tentam, de modo solidário, dar um jeito de você conseguir embarcar. O difícil é colocar um sujeito de 120 kg e 1,85 m nos estreitos bancos improvisados da traseira de uma caminhonete. As pessoas são quase sempre gentis e generosas, lhe ajudam a subir, a se acomodar, seguram crianças no colo, carregam bolsas. Algumas fazem caretas e sinais de reprovação, mas nem por isso deixam de ajudar. Pa gen place, não tem lugar, dizem, mas tentam, de todo jeito, te ajudar a embarcar.
Enfim, conseguimos embarcar numa delas. Tive a impressão (que se confirmou depois, quando fui com M. Evance a um supermercado na Rt. Delmas) de que praticamente todas as caminhonetes que passam pela Rt. des Fréres vão mesmo para Pétion Ville. Há uma saída que vai para a Rte Delmas, antes de chegar à estação final, que fica defronte ao cemitério. Algumas delas têm escrito na porta da frente o percurso, mas a maioria não. O preço da viagem é baratíssimo 7 gourdes. A subida até Pétion Ville segue pela rota esburacada e poeirenta, sacudindo as pessoas na caçamba do veículo. O trânsito é lento, marcado pelos inúmeros blokis (engarrafamentos), mesmo que se saia de cas muito cedo.
Já havia feito esse percurso uma vez, com Frantz (conto esta história no blog antigo http://aityannuvel.zip.net/arch2006-12-17_2006-12-23.html ), e me lembrava bem de como chegar à Pétion Ville. Até caminhamos pelo mercado, mas sem o objetivo de comprar nada, diferente desta vez, quando estava com M. Evance, a cozinheira. Ela ia fazer algumas compras que serviriam à preparação do almoço do dia. Disse-lhe que queria ir para comprar algumas frutas, corrossol, que pelo que parece é o nome da graviola em terras haitianas, pois havia tomado o suco na minha ida à Librérie Pleaide, na quinta-feira passada, zoranj, as laranjas, e conhecer um pouco do mercado.
Seriam necessárias algumas muitas idas diárias ao mercado com M. Evance para compreender minimamente o caminho que fizemos, porque compramos certas coisas aqui e não lá, e outras tantas lá e não aqui, como ela negocia os preços, até onde pode se negociar e o jogo de cena necessário para conseguir baixar um preço, enfim, toda a mis en scéne do mercado de rua. Uma das primeiras lições é que não há “idas diárias ao mercado”, vai-se quando se tem necessidade, quando é preciso comprar alguma coisa específica. E M. Evance havia me dito que precisava ir comprar cebolas, principalmente, mas lá veríamos o que mais houvesse para comprar, como de fato ocorreu.
Saltamos do tap tap no final da Rt. de Fréres e seguimos à direita lateralmente ao cemitério. A via muda de nome para Rue Métélus quando continua subindo em direção à Place Boyer, a Fréres acaba justamente ali, na esquina com Delmas, na estação dos tap taps, próxima à entrada principal do cemitério. M. Evance ia rápido, à frente, e ora me chamava atenção para tomar cuidado com os carros: Attention machine la a!
Entramos por uma rua com chão de terra batida, e muita gente com seus produtos pelo chão. Algumas pessoas vendiam peixes e siris, e tais produtos atraíam verdadeiras nuvens de moscas. É difícil não sentir certo desconforto com a visão dos peixes à venda cobertos pelas moscas... Além dos peixes, muitos produtos que se repetiriam adiante: cebolas, pimentas, pimentões, cabeças de alho, alguns legumes e muitos feijões, principalmente o vermelho de grão grande e os verdes em vagens que eram debulhadas na hora em que passávamos pelas mulheres. Vi, quase que imediatamente, os primeiros homens trabalhando no mercado, vendendo relógios e peças em prata ou aço (ou algum metal qualquer, prateado), pulseiras de todos os tipos, alguns pingentes, anéis e correntes.
Vi também algumas “barracas” (por assim dizer, posto que a maior parte dos produtos fica exposta no chão sobre um pano, peneira em palha trançada ou saco de aniagem) que vendiam óleo de soja, diversos produtos industrializados, como sabonetes, colônias, xampus e outros de cozinha: sardinhas em lata, leite em pó, aqueles pequenos caldos em cubo para tempero. Uma constelação de coisas que impressiona o olhar. Íamos rápido, mal podia parar para reparar as coisas. Em dado momento, depois de passarmos por várias pessoas vendendo cebolas, M. Evance parou. Conversou algo com a vendedora num creóle que mal podia entender, estava comprando pimentões. Quando consegui começar a entender, ela dizia à vendedora que estava caro. Repetia que tudo no Haiti é caro, e oferecia um valor pelo lote de pimentões. A vendedora retorquia, colocando mais pimentões e renegociava o preço.
A primeira impressão diante da cena é que nos mercados de rua nada tem preço fixo. Tudo está aberto para a negociação. Há um jogo entre cliente e vendedor onde o preço tem que ser negociado, não há outro caminho. O preço é jogado para cima pelo vendedor e atirado a baixo pelo comprador. É numa espécie de média, que se relaciona com a quantidade comprada e o preço oferecido que se encontra o preço ideal. É importante ter atenção com o fato de que os produtos existem em abundância em todas as demais “barracas” e que seu preço acaba não sendo determinado pela raridade ou exclusividade do produto, mas exatamente das relações entre o comprador (que suponho ser um cliente habitual) e o vendedor. Digo isso porque foi curiosa a forma que circulamos pelo mercado até parar naquela vendedora específica.
Pelo fato de termos passado por diversas pessoas que vendiam as mesmas coisas e sequer M. Evance ter se dado ao trabalho de examinar o seu preço, acabei deduzindo que ela prefere certos produtos com vendedores específicos, sobretudo àqueles que ela saiu de casa com o objetivo de comprá-los, no caso, as cebolas. Percebi depois, quando compramos um abacaxi, que certos produtos são comprados exatamente por essa relação de confiança com o vendedor.
Como me disse a ela que queria comprar frutas, volta e meia parávamos para cotar preços. A certa altura paramos diante de uma vendedora para comprar graviolas. A negociação começa: douz dolá (lembro aos leitores que aqui falamos de dólares haitianos http://aityannuvel.zip.net/arch2006-12-10_2006-12-16.html ), diz a vendedora. Twa dolá, responde M. Evance, a vendedora ri e diz algo como “madame está louca?”, e responde, imperativamente, com outro preço, diz dolá! M. Evance não cede, e esponde firme: kat dolá! A vendedora repete, diz dolá! M. Evance faz menção de ir embora, rindo, responde à vendedora algo do tipo: Louca está você! Senk dolá! A vendedora cede: néf! M. Evance permanece firme e sai da barraca: senk! Quando parece que a negociação se encerrou com a partida de Evance, a vendedora chama-a, e diz: uit dolá. Evance enfim cede e diz, dako! A negociação está encerrada: a vendedora consegiu vender seu produto e a compradora compra-lo. Ambas parecem sair satisfeitas.
Esse jogo ocorre muitas vezes, pois hoje mesmo (quinta feira) fomos à rua novamente e disse-lhe que precisava comprar um rádio para ir treinando os ouvidos para aprender creóle. Havíamos ido ao supermercado Caribbean, do qual falarei uma outra hora, pois se trata de uma verdadeira sucursal da ONU e da cooperação internacional no país, na volta, estávamos na Route des Fréres para retomar o tap tap de volta à Belvil, quando vi um sujeito na rua vendendo vários rádios diferentes. Perguntei a M. Evance se podia comprar ali, ela perguntou o preço, e daí, nova negociação e de novo o jogo de desdenhar o produto, enfim, a mesma mis-en-scéne que marcou a situação anterior. Acabamos no fim das contas comprando baixando em 50 gourdes (dez dólares haitianos) o radinho de pilha que custaria 200 gourdes.
Fizemos uma espécie de percurso circular, que começa pela via de terra batida e desemboca na Rue Geffard. Seguimos por ela até a Rue Grégoire, nos misturando aos veículos de passeio e tap taps que circulam por Pétion Ville e quevão ao centro de Port au Prince pela Rt. Panaméricaine, pois a “estação” dos tap tap fica exatamente defronte ao posto de gasolina National na esquina entre estas e a Rue Rigaud pela qual seguimos até chegar à Rue Magny que desemboca no Posto Texaco do fim da Rt. Delmas. Descendo por esta, até a porta principal do cemitério, onde fica a estação dos tap tap para descer a Rt. des Fréres. Ali pegamos a condução de volta à Belvil.
Já havia circulado pelo mercado de Tét Boeuf e pelo Marche en Fer, do qual tirei fotos do Blvd. Jean Jacques Dessalines, de onde se podia, nas fotos, ver o mercado de rua nesta área de Port au Prince. Mas quanto mais se chega perto de um mercado, mais impressionante ainda ele se torna, mais sedutor. Não estou exotizando as coisas, nem muito menos as romantizando, pelo contrário, são nestes mercados que vamos encontrar os grandes sinais da miséria daqui, os reflexos de problemas imensos com a gestão da coisa pública pelo Estado e pela Sociedade haitianos (uso o termo sociedade, pela falta de um termo melhor para dar conta do que quero falar). O imenso acúmulo de lixo e a ausência de uma coleta organizada, o caos do trânsito e a constante ameaça de atropelamentos, um quadro que serve justamente para pensar com muita propriedade diversas questões sobre a vida urbana, a vida social haitiana, sua política, sua economia, enfim, a tal constelação de coisas que um mercado de rua coloca de maneira indecifrável diante de nossos olhos.
Zé
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Longe de Casa
Hoje à tarde aconteceu uma situação curiosa.
Muitos amigos têm acesso a mim através do site de relacionamentos Orkut, que acaba se revelando uma ferramenta útil, pois lá tenho conseguido postar minhas fotos com relativo sucesso, recebo recados e mensagens rápidas das pessoas, comentários sobre as fotos... Enfim, é um meio rápido de estar em contato comigo e de saber notícias.
Pois bem, pelo Orkut realmente é difícil para as pessoas tomarem conhecimento das condições daqui do Haiti, de como estou vivendo, quais as dificuldades que enfrento quais os meus problemas de adaptação, com a língua (aliás, as duas línguas, o creóle e o francês), a comida, as pessoas, o dia a dia.
Para poder falar com os amigos, ao mesmo tempo com todos eles, e em especial com alguns, criei este blog, onde procuro mandar notícias daqui, fazer comentários, referências ao meu dia a dia. Lembrei-me, aliás, das lições de meu professor e amigo Marco Antônio da Silva Mello e de uma conversa com outro amigo e seu orientando, o Zé Colaço, quando falamos do Sznanieck e das cartas sem destinatário. São cartas abertas, registros que podem ser para uma única pessoa ou para várias delas, escritas para registrar as nossas experiências e deixar algo para as gerações futuras.
Nem de longe é esta a minha pretensão (deixar um registro para as gerações futuras), quero apenas me valer deste recurso tecnológico para estar em contato com todas as pessoas conhecidas.
O fato curioso é que, em meio à querela virtual que acontecia entre eu e uma amiga, onde explicava os problemas da falta de energia, a conexão oscilante, o acesso intermitente à internet, eis o que acontece: acaba a energia. Estabelecido o mal-estar, não havia nem chance de eu tentar explicar exatamente o que estava acontecendo: ficara sem energia elétrica e com isso, a despeito da bateria do meu notebook permitir que eu continuasse escrevendo normalmente, a conexão da internet caiu. E o dado engraçado é que continuei tentando escrever as mensagens, até que me dei conta, quando a página da internet não respondia, que faltava energia.
Lamentavelmente não pude deixar claro para essa amiga que o problema não é e nunca seria com ela, de quem gosto muito, mas comigo mesmo, com os problemas variados que venho enfrentando aqui, e que de alguma forma, meus nove leitores (espero que ela agora se incorpore a eles, completando uma dezena) têm pleno conhecimento.
Portanto, peço aos amigos que demandam notícias ou um contato mais pessoal e menos indireto, menos “seco” que uma mensagem curta, ou menos “frio” do que este se faz através de um blog aberto, um pouco de paciência comigo e com a demora nas mensagens e nas respostas, pois algumas vezes eu tenho precisado de três ou quatro tentativas para enviar um e-mail, scrap ou recado qualquer. Não sei o que se passa, a minha conexão está ruim, e não tenho tido sorte algumas vezes. E ainda podem ocorrer situações como esta do momento em que escrevo esta mensagem: estou sem energia elétrica.
Isso também me leva a falar de uma questão ainda mais pessoal...
No dia em que parti para cá, estava em casa, aguardando a hora de ir para o Aeroporto. Minha irmã Ana Maria, animada com o carnaval acabara de chegar lá em casa para se despedir. Queria me animar, me estimular porque eu estava partindo para uma experiência única, especial em minha vida. Naquele dia, no entanto, fora assaltado por duas notícias que me deixaram muito triste. A primeira era a morte de um ogã do Terreiro Pilão de Prata, o Roberto, de câncer. Roberto fora um grande amigo e um excepcional informante de minha dissertação de mestrado. Com ele tive grandes conversas e tinha por ele o carinho especial que temos por um grande amigo. Não o via desde agosto de 2005, antes de minha defesa, mas sempre guardava por ele um especial afeto e por sua esposa Bernadete, alguns dos bons amigos que fiz em Salvador.
Mais tarde, ainda um pouco antes de minha irmã chegar à minha casa, recebi a segunda e dolorosa notícia: a morte de Iyá Nitinha. Acho que só falo agora dessas coisas porque tenho a impressão de que, desde a morte do meu pai, procuro anestesiar os meus sentidos para ir digerindo aos poucos essas perdas. Não posso dizer que fosse amigo dessa grande dama, pelo contrário. Era um dos seus muitos “filhos”, na verdade, filho de um filho seu. Mas sempre que estivemos juntos, ela me tratou com carinho e deferência especiais, aquela que ela sempre teve pelos “filhos de Papai Flávio”. Lembro-me de um episódio, quando ainda dava meus primeiros passos no candomblé, há pouco mais de uma dezena de anos, quando uma irmã de santo de meu Pai Flávio falou a ela da cor dos meus olhos, e disse a ela que eles eram lindos. Em respeito a uma velha iniciada, aprendi que jamais deveria olhar nos olhos dos mais velhos, portanto, me mantinha sentado no chão, em uma esteira, de cabeça baixa, quando ela me disse com seu sotaque baiano e a voz fininha quase sem sair: “Levanta a cabeça menino, deixa eu ver teus olhos... Vixi, num é que são bonitos mesmo?”. Essa é a lembrança mais doce que guardo desta grande senhora, Minha Mãe Nitinha da Oxum.
Bem, o fato é que minha irmã, no seu esforço em tornar um pouco mais alegre a minha despedida, acabou ficando chateada com meu pouco humor e distanciamento das coisas. Quando fizemos algumas fotos, e depois pude ver na câmera digital, a minha cara estava horrível. Conversamos pelo Skype no domingo e quando ela viu as fotos, uma delas feita por mim dentro do avião, ela disse: “Puxa, até que enfim um sorriso!”. Depois expliquei a ela que, além de toda tensão que uma partida pelo longo tempo impõe, para um país diferente, para realizar um trabalho que nunca podemos ter certeza de que caminho vai seguir, enfim, todos os problemas que envolvem uma partida para o campo, fora assaltado pela notícia da morte de duas pessoas queridas. Não havia como sorrir naquele momento, naquela noite.
Às vezes, não é fácil, mas é preciso tentar se colocar no lugar do outro para entender o que se passa.
Sei que isso não passa de obviedades, mas elas às vezes são necessárias para que fique claro para os outros o lugar de onde estamos falando. Antropólogos têm sempre que estar atentos ao lugar de onde se diz e como se diz algo. Por vício de profissão, procuro sempre fazer isso, mas também por má formação, acabo exigindo também que os outros façam o mesmo...
Beijos a todos
Zé
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Mais fotos
Mais fotos do Institut
Mais um pouco das instalações do Institut.
Acima, a cozinha do Institut, preparada para receber os estudantes e pesquisadores que morarão por lá.
Na segunda foto, os fundos da casa, as janelas dos quartos e uma pequena varanda que liga os dois quartos, voltada para os simpáticos jardins da casa.
E a terceira foto, uma sala de reuniões bem ampla e iluminada.
Abração a todos
Zé
Visita ao Institut de Recherche Social d'Haïti
Em primeiro lugar, o espaço é realmente excelente, encantador, eu diria. Nada muito grande ou exagerado, diria que na medida certa para o trabalho. Acho que carece de uma melhor divisão do espaço para realização de aulas ou seminários, mas de qualquer forma, a sala principal serve para conferências e há uma outra sala, que pode servir para reuniões.
Como se trata de uma casa, que certamente seria uma moradia, a estrutura das acomodações é mais do que excelente. Camas grandes, espaços arejados e bem iluminados, mesas de trabalho, um conforto incrível, de fazer inveja a um bom hotel e muito superior a qualquer albergue. São três quartos: um deles dispõe de três camas e um banheiro, além de um pequeno closet onde os ocupantes do quarto podem colocar as suas coisas. As camas dispõem de cabeceiras com pequenas estantes, que permitem deixar próximos, os livros e pequenos objetos. Há um segundo quarto, para uma única pessoa, com armários, sem banheiro. O banheiro, que serve a este quarto e ao terceiro e último, fica no corredor. É bem espaçoso, pois tal como o outro, permite servir às pessoas que ficarem neste e no outro quarto, que dispõe de duas camas do mesmo tipo das outras, além de uma escrivaninha, a ser compartilhada pelos dois ocupantes do quarto.
A casa fica a pouco mais de 700 m da entrada da Route Delmas 83 (a referência é um posto de gasolina Texaco), no número 7 – 8 da Ruelle Eucaliptus. Nesta esquina há também um supermercado, o Eagle Supermarket. Entrando pela Delmas 83, segue até a Ruelle Balmir, entra na Ruelle Cignone, a primeira à direita é a Ruella Eucaliptus. Não é difícil vindo de Pétion Ville, descer de tap tap pela Delmas, saltar no posto Texaco e andar. Subindo de Port au Prince, pegar um tap tap que suba do Centro pela Delmas.
De fato, a casa é um pouco afastada do movimento da cidade, mais próxima a Delmas do que de Port au Prince, porém, compensa pela estrutura e segurança.
A casa não dispõe de gerador, mas tem um inversor, que atende bem às condições necessárias ao trabalho. E ainda, segundo me informaram, vai dispor de internet wireless e de um vestíbulo, onde vão instalar uma TV a cabo.
O que ainda incomoda também é o pouco movimento, aliás, quase nenhum movimento no Instituto. Não há estudantes e as atividades estão restritas aos seminários que ocorrem lá. Esta semana vai haver um seminário sobre cultura e violência.
* * *
Os temas da violência e da cultura autoritária parecem uma obsessão do grupo ao qual me encontro próximo no Haiti. Há de fato uma grande preocupação com a situação do país, que avançou bastante deste a primeira vez que aqui estive. Os kidnapping não são mais o tema preferencial da imprensa local e os problemas são muitos. Mas não se fala mais tanto na violência como se falava antes, embora ela pareça um tema subjacente à qualquer conversa.
Ontem, no almoço, conversando com um grupo de pessoas, em sua maioria críticos ao governo Préval/Aléxis, um deles comentou em defesa de Préval que nunca havia ocorrido no Haiti um período tão longo sem crises institucionais. Objetaram a ele, no entanto, que tal “estabilidade” se deve à presença da Minsutah, e que nunca poderá haver eleições livres enquanto Préval e o os lavalassianos estiverem no poder. Aliás, o que se disse, claramente, é que não há eleições livres no Haiti.
Aliás, sobre as próximas eleições presidenciais, levantou-se a hipótese da candidatura de Mirlande Manigat, jurista e especialista em relações internacionais, uma importante intelectual do país. Sobre sua candidatura, disseram que ela teria poucas chances, devido ao intenso controle que Préval teria sobre a máquina pública e o fato de que as eleições no país jamais serão limpas sob o atual sistema. Sugeri que o sistema de voto eletrônico no Brasil têm sido adotado como um sistema capaz de evitar fraudes, mas um dos meus interlocutores ignorou isto, dizendo que no Haiti não é possível implementar tal sistema.
Causa atenção, aliás, o interesse que qualquer haitiano médio tem sobre política.
Onde estou hospedado, por exemplo, todos os dias meu anfitrião conversa sobre política nacional com sua cozinheira, que emite suas opiniões com bastante autonomia e propriedade. Da última vez que estive no país, conhecemos Bob, um ativista e artista que além de demonstrar grande conhecimento do quadro político mundial em que se insere a Minustah (Missão de Estabilização das Nações Unidas para o Haiti), fazia ligações entre a história da formação do Haiti como país e a atual crise.
No aeroporto da cidade do Panamá, fiquei próximo a um grupo de quatro jovens que se entretinha em acalorada discussão sobre a situação econômica do país. Um deles, com o qual travei contato, era de Jacmel e era músico. Um outro, com quem conversei mais tarde, já dentro do avião, vinha do Brasil, de São Paulo, onde estuda turismo e falava português, a estes se juntavam ainda duas religiosas e uma jovem senhora, que vez por outra emitia alguma opinião. Outros, em volta, participavam com os olhos e às vezes com meneios com a cabeça, ora concordando, ora discordando. Interessante que independente de suas formações educacionais ou posição social, todos eles discutiam sobre a política local.
No almoço de ontem, além da sucessão presidencial local, que será daqui a três anos, o tema principal era a disputa entre Barack Obama e Hilary Clinton pelo posto de candidato à presidência dos EUA pelo partido democrata. A maioria das pessoas se encanta com Obama, e acha que ele realmente vencerá as prévias. Em tom de gozação, a dona da casa sugeriu que, uma vez que os EUA são os donos do mundo, todo o resto do mundo devia votar, para escolher seu presidente. Provocativamente, objetei que, a despeito de Obama vencer as prévias, isso não garante que ele derrote McCain, provável candidato republicano, e que os EUA devem ter mais medo de um negro democrata na presidência do que de uma mulher. A crença geral, no entanto, é de que Obama vá vencer não apenas as prévias, mas a eleição presidencial, embora se imagine que ele não vá ganhar na Flórida, estado que foi decisivo na vitória de George Bush.
Na verdade, já havia notado isso antes, e da última vez que estive aqui, todos estavam com a atenção voltada para a eleição na França, que deu a vitória a Nicolas Sarkozy, em maio de 2007. Parece estranho dizer, mas as pessoas aqui parecem muito mais antenadas ao mundo do que se pode imaginar e o debate político afeta realmente o dia a dia das pessoas.
Como já disse repetidas vezes, o Haiti é um país especial, com uma história e pessoas muito especiais...
Abraços a todos,
Triste com o sacode que meu Mengão levou, mas cheio de fé para a Libertadores e que vamos vencer a Taça Guanabara.
Zé
P.S.: Para os supersticiosos e para provocar a massa de incrédulos, lembro que no ano passado, antes de ganharmos a Taça Guanabara, também tomamos um "sapeca iaiá" de um tricolor, que fez a final conosco, chegou a ganhar o primeiro jogo... Mas no final do filme, o mocinho sempre vence, MENGÃO CAMPEÃO DA TAÇA GUANABARA DE 2007... Não duvido nem um pouco que em 2008 as coisas serão do mesmo jeito.
Sa k pase?
Esse seria o meu caso específico... Não um Sebastião Salgado, mas um asno com uma câmera digital.
Criei um fotolog, apenas para registrar (ou no popular, rezistrar) alguns de meus delírios ou cliques (nada) geniais. De qualquer forma é um outro lugar para ver fotos.
http://www.fotolog.com/joserbaptista
Quem quiser dar uma olhada...
Abração