terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Instalando-me em Jacmel

Cheguei hoje pela manhã à minha nova casa.
Estava arrumada, parecendo me esperar. Abri todas as janelas para deixar o ar entrar. Comprei dois galões de água mineral, aproveitando o carro de Laennec e fiz uma compras básicas, macarrão, leite em pó, molho de tomate, sardinhas em lata, produtos de limpeza, etc.
Depois aproveitei a carona de Laennec, que deixou -me aqui para vir ao centro de Jacmel. Circulei pelo mercado de rua, comprei algumas coisas para cozinhar: cebola, alho, temperos...
Agora estou num cyber, ainda não sei como farei para ter internet em casa e usar o meu notebook. Já tive informações que a luz elétrica chega na casa por volta das 17 horas e, por isso, evitei comprar coisas que vão na geladeira, apenas umas salsichas de frango, que consumirei no máximo em dois dias.
Mal entrei na minha casa... Mas sei que vou gostar dela.
Tem um "resto-club" na esquinada rua que moro e uma mangueira enorme perto, toda carregada.
"Resto-club" é uma espécie de restaurante com boate. Só vou descobrir de fato do que se trata à noite. Em princípio, sei que é uma boa alternativa para almoçar e beber alguma coisa. Perto de casa também tem um hotel chique, o Cyvadier, que tem um bom restaurante, mas imagino que esteja acima de meu orçamento. É uma alternativa para beber alguma coisa e aproveitar a pequena enseada do hotel, que faz uma agradável praia para o banho.
Por enquanto é isso...
Sem skype e com e-mail e internet mais limitados ainda, porém, feliz da vida.
Abraços

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Feliz da Vida


Tá gente...

Eu nem vi o jogo... Nem pude ouvir pelo rádio na internet...

Os gols, eu também demorei a ver porque a conexão demorava a abrir as imagens...
Mas tô feliz da vida...
MENGO CAMPEÃO!!!!!!!!!!!!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Caribbean: o mercado dos "ricos"


Toda vez que falo em mercado aqui, e as imagens que fiz devem reforçar essa idéia, todo deve mundo imaginar mercados de rua para todos os lados, o que não deixa de ser verdade. Há de fato mercados de rua em todo lugar, desde os pequenos grupos nas esquinas que podem vender principalmente frutas, pequenas coisas do dia a dia, desde alimentos até artigos de plástico, algumas senhoras vendendo comida pronta: griot de porc, cabrito, banane pisée, riz ak pwa (arroz com feijão), enfim, pequenos comércios de esquina, até grandes extensões por diversas ruas, como aquela que descrevi aqui mesmo, onde é possível comprar de tudo, desde alimentos, passando por roupas e sapatos, até artigos eletrônicos.



Mas é claro que alguns não podem imaginar que possa haver supermercados, e creio que esta imagem se deve muito à minha obsessão pelos mercados de rua e, pode se dizer até, certo desprezo que tenho por descrever aquilo que (supostamente) já conhecemos.

Quando estive em Salvador pela primeira vez, me apaixonei pela Feira de São Joaquim justamente pela sua cara de mercado de rua, diferente da coisa arrumada para turista ver do Mercado Modelo. Nas situações seguintes, voltei lá exatamente quando em pesquisa do mestrado, uma delas acompanhando uma mãe de santo baiana radicada no Rio de Janeiro, Mãe Detinha de Xangô, que se hospeda no Pilão de Prata para o ciclo de festas de Pai Air, e aproveita estas ocasiões para comprar os produtos da “Boa Terra” para levar para o Rio: azeite de dendê, camarão seco e farinha de mandioca. Aprendi com ela a apreciar e a comprar estes produtos quando vou à Salvador. Então, sempre que vou àquela cidade, não deixo de ir à São Joaquim para fazer compras.


Junto isso às outras experiências antropológicas ligadas aos mercados populares, como o Mercadão de Madureira, onde estive com um grupo de alunos da disciplina “Antropologia Econômica”, que ministrei em conjunto com meus amigos, Prof. Marco Antônio da Silva Mello e Diana Nogueira Lima, no IFCS/UFRJ, no primeiro semestre de 2007. Tudo isso reflete um interesse obsessivo por este tipo de mercado, que às vezes me impede de olhar exatamente para aquilo que suponho conhecer de perto.

Mas sempre somos colocados diante de lições antigas, que retornam para nós como um mantra: “estranhar aquilo que nos é familiar, tornar familiar aquilo que é exótico”. Devo admitir que não venha seguindo esta máxima aqui neste blog, até porque este não é o objetivo. Aqui coloco impressões de modo despreocupado, sem deixar de registrá-las diariamente em minhas notas de campo, mas escrevendo sem muito rigor sociológico.


De fato, me faltava tornar exótico aquilo que me parecia tão familiar: um supermercado. O que é que pode haver de “exótico” num supermercado. Bem, se considerarmos rapidamente que estou em um país muito diferente do Brasil em muitas coisas e totalmente semelhante em outras, diria que o Caribbean Supermarket S.A. se assemelha muito com aqueles grandes mercados da Barra. Não no tamanho, mas, digamos, no estilo. Talvez pelo seu público, principalmente, que é bem distinto da gente que se vê diariamente nas ruas daqui.

A começar pelo seu estacionamento, ali vemos um número enorme, principalmente aos sábados, de veículos com o símbolo das Nações Unidas ou de organismos de cooperação internacional e ONGs. Além destes, vemos também grandes automóveis das famílias “burguesas” daqui, normalmente veículos grandes, com tração nas quatro rodas (Toyotas, Mitsubishi, Nissan, por aí vai). Pouquíssima gente chega ou sai a pé deste mercado. Vim uma vez com M. Evance a ele, e fomos quase vistos como uma aberração, posto que estivéssemos a pé...


A quantidade de estrangeiros neste supermercado é sempre impressionante e, como disse, aos sábados, ela vai à potência de 10. Também neste mercado é que podemos encontrar agentes de polícia internacional, gente das diversas polícias do mundo, lotadas na ONU, em ação no Haiti. Encontrei uma vez um policial de Brasília. Da primeira vez que estive aqui no país, um dos lugares onde encontrei soldados brasileiros foi no Caribbean. Isso faz um incrível mistura de sotaques e pessoas, que você tem a impressão de estar no Duty Free de um aeroporto internacional.

E realmente, a julgar pelos produtos que se pode encontrar, o Caribbean parece mesmo um Duty Free. Toda sorte de bebidas das mais diversas nacionalidades, inclusive a boa cerveja haitiana Prestige e o Rum Barbancourt. Todas as marcas internacionais estão aqui representadas. Ainda não achei cerveja brasileira, mas biscoitos e outras pequenas bobagens sim. Xampus, sabonetes, produtos de limpeza, molhos prontos, massa italiana, etc.


Pode-se comprar lá, também, carnes variadas: boi, porco e cabrito, resfriados ou congelados, em cortes bem embalados em pratos de isopor e filme de PVC. Peixes e aves inteiras ou em cortes. Queijos de todas as partes do mundo, presuntos, frios variados, um excelente pão francês em baguettes. Um mundo incrível de coisas que poucas pessoas no país podem ter acesso.

E tal fato, a falta de acesso a estes produtos se explica por uma razão simples: os preços. Uma pequena compra para o almoço no Caribbean pode custar algo em torno de 500 a 800 gourdes. Não parece muito, mas parando para pensar um pouco, são 20 e poucos dólares americanos. Por mês, pode dar algo em torno de 600 dólares mensais. Pouquíssima gente tem essa renda por aqui. Mesmo as pessoas mais ricas, complementam as suas compras nos mercados de rua, pois suponho que pouca gente seja capaz de suportar esse golpe mensal no orçamento. Somente os muito ricos daqui e o pessoal que trabalha na ONU, na ONGs, nos serviços consulares e embaixadas, enfim, o pessoal que tem grana. Por isso disse que o Caribbean é o mercado dos ricos.


O que espanta é que um lugar como este, capaz de fazer a grana circular, seria um paraíso para arrecadação de impostos e taxas públicas. No entanto, me parece que o Estado haitiano não teria meios para fazê-lo. Ou interesse. Fica isso para pensar...

Abraços


P.S.: A imagem mostra algo que se parece com uma fortaleza... Não senhores, é apenas a entrada do Caribbean Supermarket S.A.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Minha Casa no Haiti





Prezados Amigos,

Enfim consegui achar a casa em Jacmel onde vou morar.
Na verdade a casa é uma daquelas que vi na primeira viagem e não gostei, mas contei para um amigo a história do bode na sala.

Uma família enorme, pai, mãe, sogra, sete filhos, noras e genros moram numa casa de apenas dois cômodos. Um verdadeiro inferno. Ninguém suporta viver na casa, posto que não há intimidade, todos vivem incomodados. Resolvido a dar um fim nas reclamações, o chefe da família decide colocar um bode na sala. O que era um inferno piorou de modo insuportável. Ninguém agüentava o cheiro do animal, suas fezes e o incômodo de toda aquela gente junta mais o bode. As reclamações chegam a um ponto insuportável, verdadeira crise familiar. O chefe da família resolve tirar o bode da sala. A paz volta ao lar e ninguém reclama mais de ter que conviver amontoado na casa.

Bem, essa historinha serve para contar a minha saga em Jacmel atrás da casa perfeita. Em primeiro lugar a casa perfeita não existe, há a casa possível, e esta foi aquela primeira casa que falei, cuja distância do centro da vila caiu de 4 a 5 km, para 3 km medidos através do velocímetro do carro de Laeneck. Comecei a perceber que pelo que o sujeito me oferece, mais as coisas que a casa já tem, acho que o preço está excelente.

A cozinha está bem equipada, tem uma mesa grande e uma deliciosa varanda na frente... Acho que estava sendo exigente demais...

Vou ficar com a casa. Depois mostro umas fotos de dentro

Beijos a tod@s

Posted by Picasa

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Papai Joel contra Mestre Cuca

Permitam-me aqui uma breve digressão: Quem vai vencer o duelo? Papai Joel ou o Mestre Cuca?
Quem faz o melhor tempero? Quem vai dar um presente à sua torcida?
Sou mais o meu Urubu...
Abraços
E Saudações Rubro Negras

Prefete Duffaut: imagens de poesia

Para Patrícia e para minha tia Anna

Todo mergulho em um país novo pressupõe um contato com um conjunto de coisas novas às quais nem sempre conseguimos dar conta. Desde a primeira vez que vim ao Haiti, em novembro/dezembro de 2006, fiquei encantado ao conhecer a obra do pintor Prefete Duffaut. Falei dele inclusive com uma amiga querida, doutoranda em antropologia como eu, agora em fase de escrita da tese, Patrícia Reinheimer, que ela devia conhecer sua obra e os movimentos artísticos daqui, posto que o tema de sua tese esteja relacionado com as idéias de nacionalidade, o lugar do artista, enfim, uma maneira de aproximar um pouco mais as pessoas queridas deste país tão singular.

Pois bem, sábado pela manhã, por acaso, Laeneck não quis ir à FOKAL para a mesa de encerramento do Colóquio. Disse-me estar cansado para dirigir até o centro de Port au Prince e, sobretudo, estava desinteressado das discussões daquele dia. Já havíamos ido pela manhã à casa de Michel Hector, onde conversamos longamente com este, e com Luc (Loulou) Smarth, sociólogo e professor da Université d’Etat. No caminho da descida para Port au Prince ele me perguntou se queria mesmo ir ao Colóquio. Disse que para mim era indiferente, que podíamos voltar. Ele fez uma chamada telefônica e disse que íamos passar para ver um amigo seu.


Demoramos a achar a entrada da rua, pois mesmo um haitiano habituado a dirigir por aqui, este pode errar as entradas da Route Delmas. Enfim, achamos a tal entrada, seguimos por ela e fomos ter com o cineasta Arnold Antonin, diretor e documentarista daqui. Muito simpático, quando soube do meu interesse pelo vodu, falou-me de um de seus filmes sobre um oungan e de uma cena específica envolvendo dinheiro. Antes de partirmos perguntei a ele como faria para ver os seus filmes e ele, gentilmente, deu à Laeneck quatro dos seus filmes. Segundo Laeneck, um deles é inclusive premiado no exterior.


Como soube que a base de minha pesquisa era Jacmel, disse-me ainda Antonin que dois daqueles filmes eram sobre duas personalidades da cidade. Um deles era justamente Prefette Duffaut. Por esta razão me interessei imediatamente pelo filme e, com efeito, assisti a ele na manhã de domingo após o café da manhã, no meu computador.

Foi incrível conhecer a figura de Duffaut. O filme começa com uma cena um tanto bizarra, em seu atelier, Duffaut sai de um caixão todo pintado por ele mesmo. Aliás, antes dessa cena, uma bela citação de um compositor e cantor francês, Philippe Chatel, que diz assim: Façam com que os sonhos devorem suas vidas, afim de que a vida não devore seus sonhos. O subtítulo do filme é sugestivo e se relaciona intimamente com a obra de Duffaut: piedade e urbanismo imaginário.

São exatamente estes dois temas que atravessam de maneira permanente os quadros de Duffaut. Uma intensa relação com a fé e as crenças daqui do Haiti, de um lado e, de outro lado, as cidades. Há outros elementos que podemos perceber claramente em suas pinturas, mas esses dois são os eixos que sustentam a obra do pintor haitiano. O centro das imagens que ele produz é exatamente a noção de piedade e o mundo espiritual haitiano. São facilmente identificáveis em suas pinturas as divindades, sobretudo, cristãs, Jesus Cristo e a Virgem Maria, mas também os signos e divindades do vodu, colocando no mesmo universo de sentidos estas duas coisas: a religião católica e a religião dos loas.

Vemos então, no centro de um quadro, a Virgem Maria, ladeada por dois tambores do vodu, entre oferendas e sinais gráficos referidos aos loas. Muitas escadas, escadas que sobem e descem como experiência humana com seus altos e baixos, como a relação com os deuses. Subimos e descemos, atravessamos caminhos, seguimos em direção aos deuses e divindades, sem a noção exata se de fato vamos chegar a algum lugar. Os quadros de Duffaut sempre chegam ao lugar mais alto. Há uma impressionante sensação de elevação em suas imagens, elas sempre parecem apontar para o alto.

As águas também estão presentes o tempo todo em seus quadros, seja pelo fato de estarmos aqui no Haiti, numa ilha, onde a água nos cerca de todos os lados, seja porque a Virgem é sincretizada com Ezili, ou La Sirene (A Sereia) ou La Maitresse Dlo (a Senhora das Águas). O que interessa é que em seus quadros há uma abundância de água, que pode vir justamente do fato de ser oriundo de Jacmel e, além de pintor, Duffaut é carpinteiro e construtor de barcos. Mar e céu de encontram permanentemente em seus quadros, se confundindo, dividindo o mundo entre os dois azuis.

Seu trabalho se aproxima muito das obras surrealistas fazendo uma fusão entre temas do imaginário religioso e o lugar do cotidiano da cidade, que se encontram unidos da mesma forma em que se encontram na experiência diária de cada pessoa. Também é possível divisar a explosão demográfica que o país experimenta a partir dos anos 60, através de suas cidades lineares construídas nas encostas das montanhas. Esse é também um encontro feliz nas obras deste grande artista, o mar, o céu e as montanhas, a paisagem natural do Haiti marcada pela intervenção permanente do homem no espaço: as cidades.

O espaço em Duffaut é exatamente assim: uma fuga permanente. Interessante notar que o artista faz um uso muito particular da perspectiva, criando um plano onde as imagens projetadas na tela parecem estar ao mesmo tempo, projetadas de modo bidimensional e ocupando um espaço tridimensional. Como também já disse antes, suas obras dão uma impressão de se projetar para o alto, apontar para cima, colocar-nos diante da idéia de um plano superior que observa e nos guarda de modo permanente. Não sou especialista em arte, me perdoem aqueles que conhecem melhor do métier, minhas impressões aqui são de alguém que olha e reflete, de maneira naïf, sobre o que vê.

Aliás, pode haver quem ache que a obra de Duffaut seja naïf. Não creio. Pelo contrário, está longe disso. Para um homem de mais de 80 anos de idade, que começou sua carreira em torno dos anos 50, ou seja, sua obra apresenta exatamente essa maturidade, que começa a brotar a partir dos anos 80. O uso dos grafismos e das composições geométricas das imagens vai ganhando força em seu trabalho à medida que este amadurece.

Os grafismos utilizados pelo pintor para compor as imagens também nos remetem a um outro aspecto interessante de sua obra. O uso das formas geométricas aproxima seus quadros dos grafismos véve do vodu. Logo, vemos em Duffaut mais uma vez o imaginário religioso marcando a forma que ele enxerga e apresenta o mundo, um mundo Haiti, em suas pinturas. Uma mescla de signos diversos que implicam numa visão singular de arte.

Há que se lamentar que muito pouco se conheça deste excepcional pintor no Brasil e também da obra do cineasta Arnold Antonin, que realizou um filme cheio de sensibilidade sobre um artista genial. Seria uma excelente oportunidade para nós se o trabalho de Antonin pudesse ser visto em alguma mostra no Rio de Janeiro e também que nos chegassem as pinturas de Duffaut. Quem sabe quando eu voltar se tiver tempo e disposição, possa encontrar algum amigo disposto a produzir este encontro com as obras de Duffaut e Antonin, que seriam reveladoras para nós brasileiros.

Beijo para tod@s


P.S.: Saudações Rubro Negras!!!

Sobre o Embaixador Brasileiro no Haiti

Fiz hoje uma visita à embaixada brasileira aqui, em Pétion Ville, e pude ter com nosso embaixador aqui. Que pessoa agradável e simpática. Um homem de inteligência excepcional, com uma visão da cultura muito acima da média. Sua sensibilidade e interesse sobre as diversas questões da cultura haitiana, sobretudo aos temas ligados à religião são de fato admiráveis. Uma pena ele estar de partida para servir em outro país, pois creio que ele representa a fina flor de nossa diplomacia, o que há de melhor que pode produzir o Itamaraty em termos de pessoal.
Antes que alguém diga que estou jogando confete na diplomacia brasileira, que estou babando ovo de alguém, quero ressaltar que não se trata disso, mas de reconhecer as qualidades de alguns dos agentes do serviço diplomático e uma forma de agradecer o empenho do embaixador e de todos os funcionários lotados aqui na embaixada brasileira no Haiti, pela grande ajuda que eles vêm me prestando.
Ele me fez um amável convite de participar na próxima segunda-feira, dia 25 de fevereiro, da inauguração do Centro de Estudos Brasileiros “Celso Ortega Terra”, quando ocorrerá sua despedida do serviço neste país.
Uma de suas interessantes observações se refere à pesquisa histórica do trânsito de populações pelo Altântico Negro, entre Brasil, África e Caribe, citando os trabalhos de Pierre Verger e Roger Bastide, para falar das relações entre os voduns da Casa das Minas no Maranhão e as práticas religiosas no Haiti. Sua refinada percepção e sensibilidade só valorizam ainda mais os membros de nosso corpo diplomático. Quisera que todo embaixador brasileiro fosse como o simpático baiano Paulo Cordeiro de Andrade Pinto.
Abraços para tod@s

P.S.: Valeu João, pelo comentário do pênalti. Como a conexão está ruim, ainda não vi nem os gols, nem a defesa do Bruno... Mas estou de camisa do Flamengo, rindo à toa!!!!!

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Jacmel


Não são poucas as razões que tenho para gostar de Jacmel. Para muitos é de longe a melhor cidade do Haiti. Omar Thomaz me diz que prefere Cap Haïtien, que de fato deve ter seus encantos, sobretudo pela história e pelo passado da cidade. Mas Jacmel sem dúvida est três charmant.



As razões pela escolha da cidade como meu campo de pesquisa têm menos a ver com tais coisas e muito mais com as indicações de meu co-orientador Laeneck Hurbon. Natural desta cidade foi nela que desenvolveu a maior parte de suas pesquisas. Muitos apontariam o Plateau Central como uma região excelente para a minha pesquisa, outros a região de Gonaives. O vale do Rio L’Artibonite, especialmente Mirebelais, onde Herskovits fez suas pesquisas nos anos 30, e Ville de Bonheur, lugar da peregrinação anual ao Saute D’Eau, onde se cultuam os loas Danbalah Wedo (a serpente) e sua esposa Aida Wedo (o arco-íris), e ainda Ezili, também conhecida como Maitresse La Sirene ou Maitresse Dlo, rainha das águas doces. Poderia também falar de Leogane ou da própria Port au Prince, que esconde em seus bairros pobres dezenas de oufós e que foi o centro das pesquisas de Alfred Métraux. Há inúmeras cidades, algumas delas que pretendo percorrer durante este ano de pesquisas aqui, todas elas poderiam ser escolhidas como base principal de meu trabalho.


Mas independente de qualquer coisa, Jacmel é sim apaixonante. A cidade tem nela ainda um pouco do que resta das construções mais antigas, do começo do século, as gingerbread houses, casas em estilo antigo, combinando em sua construção detalhes em madeira e metal com a base em alvenaria. Há também aquele charme decadente, que meu amigo João Marcelo atribui bem à nossa bela São Sebastião do Rio de Janeiro, e que faz de Jacmel algo mais sedutor. Pesam ainda as questões de segurança. Longe da confusão caótica e dos blokis na circulação entre Delmas, Carrefour, Pétion Ville e o coração da capital, o centro de Port au Prince, Jacmel é uma tranqüilidade. Não há sinais da (suposta ou real) violência da capital, o que não torna, porém, a cidade menos pobre. Sim, a pobreza crônica daqui também se apresenta com sua face mais cruel, refletindo a distância absurda entre o mundo rural do Haiti e o mundo urbano, que se misturam de uma forma, muitas vezes indecifrável.



Mas Jacmel é uma saborosa cidade, com ar provinciano e, contraditoriamente e ao mesmo tempo, ares de capital cultural. O carnaval daqui é famoso, e foi contado em romance da escritora Edwige Danicat. As máscaras de papel marché e os grupos rara (lê-se rár-ra) com sua percussão e sopros, seu festival anual de cinema, com seus grupos de dança e teatro, Jacmel respira uma vida cultural ainda por ser descortinada.


Em Jacmel também foi o lugar onde encontrei Aveman Valsaint, um ougan do vodu, Rourource, meu “Muchona”, Rennete, uma bela e simpática dona de bar, Bobu, que me alugou a casa da primeira vez que vim aqui... Um monte de gente daqui que ainda contarei muitas histórias.

Em Jacmel é possível ter a clara noção de que estamos no Caribe: o mar, o verde, os coqueiros, a comida: Poisson à Buccaneer, peixe temperado com pimenta e outras iguarias, assado na brasa. A lembrança do tempo dos piratas... Enfim, isto é Jacmel.




* * * *


Mas por essas razões e por muitas outras, entre elas o grande interesse turístico que a cidade desperta, Jacmel é um lugar caro para morar. Difícil para um estudante com bolsa de doutorado procurar uma casa por aqui. E isso tem sido uma verdadeira cruz, pesada de carregar: encontrar o lugar definitivo de me instalar. Sinto-me mal de permanecer ainda em Port au Prince, na casa de Laeneck, sentindo que lhe incomodo, porém, muito gentilmente ele tem me ajudado a achar a melhor opção.




Hoje conversando com algumas pessoas, disseram que uma das casas que me ofereceram, pelo valor que posso pagar, é mais do que excelente. Em que pese os problemas que achei na casa: pouca luminosidade e uma distância grande do centro da vila de Jacmel. Aliás, um dos problemas das casas é exatamente a forma em que são construídas. São estranhas, pois têm pouca circulação de ar e luminosidade, apesar de até ter bom espaço. Parecem meio amontoadas, não sei descrever de modo preciso, mas têm espaços que são meio disformes. A cozinha, por exemplo, parece um ninho. Os quartos, ou são grandes demais ou, embora compridos, são estreitos. E ainda, A sala é comprida demais e estreita. Sei lá... Não quero ser exigente demais, pelo contrário...


O que eu queria de fato é um pequeno apartamento, com eletricidade e água corrente, um fogão, muita luminosidade e bem arejado. Nem faço questão de uma geladeira, uma artigo de luxo num país onde a corrente elétrica é intermitente. Se tiver, melhor ainda. Um isopor com gelo resolve o caso, conservar poucas coisas, pois aqui, por conta da falta de energia, somos obrigados a fazer compras diariamente, para evitar que carnes, frutas e legumes se estraguem. E o mais importante, mais próximo do centro da vila. Isso é o bastante.


Vi outras casas, onde tudo parecia ainda por fazer, tudo muito desarrumado e abafado, calorento e ruim. Como disse e insisto, não sou exigente. Quero um mínimo que possibilite desenvolver meu trabalho. Se puder conseguir isso, me basta.




Abraços a todos








P.S.: Feliz da vida com o Mengão!!!!!!!!!!!!!!!!

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Injustiça



Devo admitir aqui, de público, que minhas observações sobre a comunicação de meu co-orientador no Colóquio de anteontem não foram muito justas com a sua posição política e intelectual.


De fato, reconheço que sou excessivamente crítico com certa parcela da intelectualidade do Haiti por julgar que eles tratam os problemas com uma visão de cima para baixo. Conversando hoje pela manhã com ele, à casa de M. Michel Hector, historiador haitiano, ficou um pouco mais clara, para mim, a posição dele em relação à massa haitiana e o problema do Estado de Direito.


Muitas críticas podem e devem ser feitas à ação da MINUSTAH no sentido de legitimar os poderes instituídos, mas creio, no entanto, que foi para isso mesmo que ela foi convocada, é importante que se diga, pelo próprio governo do país, para garantir a ordem institucional. Portanto, pode parecer estranho que se critique a missão da ONU por fazer exatamente aquilo que ela veio fazer. Mas de outro lado, é muito importante perceber que algumas críticas ao governo Préval e à suposta estabilidade política que existe decorre exatamente disto: a Missão da ONU neutraliza, segundo alguns interlocutores, certas formas de oposição ao governo. Uma das questões centrais seria a não realização de um segundo turno nas eleições presidenciais, fato previsto pela constituição, e a posse de Préval, sob o apoio explícito da Missão Militar da ONU. Outra questão é que nesta “estabilidade” marcada pelo signo da MINUSTAH, dificilmente o parlamento daria um voto de desconfiança ao primeiro-ministro Aléxis, e tal fato caracterizaria uma suposta situação de que a democracia no âmbito do estado haitiano vive sob permanente ameça.


São questões, de fato, delicadas. Confesso que não consigo, neste momento, estabelecer uma posição diante de tais afirmações. No entanto, reconheço a injustiça que faço ao sugerir certa insensibilidade de Laeneck aos reais problemas da população. Insisto, no entanto, que ele ainda está longe de conhecer de perto tal realidade. Mas tenho que fazer justiça, sobretudo, ao fato de que ele fala de um lugar de autoridade sobre esta situação do país.


O próprio Laeneck considera, sobretudo, que qualquer mudança neste país só virá quando construída de baixo para cima, quando entrarem em cena os principais atores sociais: a massa desorganizada e destituída de quaisquer direitos. Um ponto essencial que ele aponta como importante, para o qual nós estrangeiros às vezes nem atentamos, é que os políticos daqui fazem seus discursos no parlamento em francês, o mesmo ocorre com qualquer pronunciamento oficial do governo ou com as sentenças dos magistrados em tribunais. Tudo é falado em francês. Isso não seria, de fato, nenhum problema para nós estrangeiros, que temos uma idéia sobre um país bilíngüe. Mas este não é o caso. A maior parte da população daqui, como já disse outras vezes, não fala francês, mas creóle. O francês se restringe àqueles que tiveram um alto nível de escolaridade ou às elites e à burguesia do país.

O que Laeneck aponta com muita pertinência é que não se pode construir um estado de direito baseado na exclusão da maioria da população, que exerce o direito de votar, mas não possui nenhum canal de comunicação com seus líderes políticos. Por isso Laeneck apontava para a cisão histórica que remonta aos tempos da independência do país, entre uma elite política francófona e uma massa de indivíduos vindos da zona rural que só fala creóle. Nem mesmo os processos de alfabetização em creóle conseguem dar conta deste problema. Aponto como significativo o fato dos dois principais jornais locais, Le Nouvelliste e Le Matin, serem quase que totalmente escritos em francês. Em creóle, apenas a publicidade.

Ora, apenas este fato indica que há um discurso fechado e circular entre uma parcela específica da população, que controla os capitais essenciais para a participação política: a língua francesa e a informação. Sem estes dois instrumentos, como podem as massas daqui se organizar? Na verdade, a ruptura de um único círculo possibilitaria uma participação mais ampla e irrestrita da população, o uso definitivo do creóle como língua oficial do país.

Por isso reconheço aqui a minha injustiça.


Abraços para todos




P.S.: Com o coração, mais do que nunca, apertado diante de mais um Flamengo e Vasco...

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Colóquio na Université Quisqueya

Uma das visões mais recorrentes sobre este país está relacionada ao fato de que as pessoas, por verem através das fotos uma miséria impressionante, pelas notícias dos jornais, que dão conta de um caos social e de um país sob ocupação militar, é que a vida intelectual aqui simplesmente não existe.

Na verdade, trata-se de um preconceito recorrente, sobre países como o Haiti e países africanos. A Índia, por exemplo, por conta do trabalho de intelectuais como Amartya Sen, passou a contar com algum crédito, e também pelo desempenho de intelectuais indianos em outras áreas, sobretudo, na matemática e na área tecnológica. Mas o fato é que ainda olhamos com profundo preconceito a possibilidade de uma produção intelectual de qualidade vinda destes países. Isso até serve para olharmos para nós mesmos, brasileiros, e compreendermos que temos uma produção intelectual respeitável, e que temos autores que figuram nas melhores bibliografias do mundo.

Digo isso principalmente em função de alguns comentários sobre o fato de vir fazer pesquisa no Haiti. As pessoas falam quase sempre como se não existisse nada aqui, exceto um belo material etnográfico, o que é até verdade, mas o país tem uma grande e original produção intelectual. Já falei aqui de Louis Joseph Janvier, e em outras ocasiões de Jean Price-Mars e Antenor Firmin. Este último, costumo dizer que sua contribuição, o extraordinário ensaio intitulado “De L’Egaltié des Races Humaines: Anthropologie Positive”, ignorado por nós e publicado em língua inglesa somente no ano de 2000, mais de um século depois de sua primeira publicação (1885), poderia ser considerada um marco fundamental na antropologia.

Firmin procura em sua obra contestar, valendo-se de uma argumentação positivista, baseada essencialmente em considerações de caráter científico, todo o conjunto de teorias sustentado a partir da obra do Conde de Gobineau, De L’Inegalité des Races Humaines, e dos estudos de Paul Broca, baseados na antropometria, sobre as diferenças entre as raças e a decorrente hierarquia das raças, que serviu de base para as teorias racistas da primeira metade do século e, acima de tudo, para sustentar as teorias nazistas de superioridade da raça ariana.

Como já disse repetidas vezes, falta realmente alguém com disposição e tempo para fazer um trabalho desta magnitude: uma sociologia dos intelectuais do Haiti e suas relações com as demais produções intelectuais. Material de pesquisa não falta...

Disse tudo isso para introduzir o fato de que participei de um colóquio hoje, na Université Quisqueya, uma universidade privada local, sustentada com recursos da AUF (Agénce Univéristaire de la Francophonie) e de outras fontes. Trata-se de uma bela universidade, localizada na esquina da Rue Charéon e Boulevard Harry Truman (Bicentenaire), bem no centro de Port au Prince. Uma das diferenças essenciais entre esta e a Université d’Etat trata-se justamente do volume de recursos disponíveis: algumas salas com ar condicionado e gerador para as constantes quedas de energia.
O Colóquio, intitulado “Gouvernance démocratique et developpement”, foi organizado pelas Universidades Quisqueya e D’Etat, pela FOKAL, uma ong voltada para a educação e pelo Institut Français d’Haïti. Reunindo alguns intelectuais locais e gente vinda da França e de universidades francófonas, o debate desta sexta feira foi marcado por algumas visões sobre a “crise do Estado Haitiano” e algumas questões sobre democracia e governança.

De cara, antecipo para os meus 12 leitores (o número vem crescendo) que não gosto deste termo “governança”. Sempre que ouço, dá uma certa dor no ouvido, ainda mais que aí no Brasil o termo é caro à imprensa, sobretudo a comentaristas políticos como Merval Pereira, Alexandre Garcia e comentaristas de economia como Miriam Leitão.

Não estou preocupado, nem com a etimologia do termo, nem com seu significado exato. Acho que uma palavra tem mais importância pelo uso que as pessoas fazem dela. E falar em governança, no fundo, no fundo, é falar de “gerenciamento”. O termo vem do setor privado, e se refere à gestão eficaz, eficiente. Já dá para ver onde isso vai dar, né? Referir-se a Estado e Governança, para mim, me parece falar de formas de gestão “eficaz” do Estado baseadas em conceitos da gestão privada.

Mas fui para o colóquio de espírito desarmado. Sobretudo porque meu orientador daqui ia falar e, embora tenha lá minhas divergências com algumas concepções dele sobre a situação do Haiti, trata-se de uma visão respeitável, digna de atenção. Seu trabalho intelectual tem grande significado nas análises sobre a crise haitiana e ao lado de Michel Rolf-Trouillot é uma das visões mais respeitáveis sobre o país. Sem contar o fato de ser um especialista no meu tema de pesquisa, o vodu haitiano.

Mesmo desarmado, não dá mesmo para aturar certas coisas.
Entendo a importância de um certo universalismo para dar conta de certas questões. Ele é, de certo modo, essencial para que enfrentemos questões como direitos humanos, liberdades individuais, direitos da mulher, enfim, uma gama de questões complexas que são necessárias como um estatuto político-normativo sobre a universalidade da experiência humana. Mas nem tudo pode estar sob este estatuto. Aliás, essa é talvez uma questão difícil de ser enfrentada: os limites de uma visão político-normativa sobre os direitos humanos e as diversas nuances da experiência humana.
Não posso admitir, senão como crença, a idéia de que os seres humanos sob a face da terra aspiram às mesmas coisas. Portanto, a idéia de que a democracia é uma aspiração à qual todas as sociedades “evoluídas” devem perseguir, me incomoda terrivelmente. Não que eu seja contra isso, vejam bem, não se trata disto. Creio realmente que os regimes democráticos são os melhores para o desenvolvimento da vida humana e para a preservação dos direitos essenciais do homem. Mas não aceito a relação direta que um dos palestrantes do colóquio insistia em reforçar, de maneira até certo ponto silogística: “a democracia é a melhor forma de governo porque é boa, ela é boa porque é a melhor forma de governo”. O professor francês parecia querer ensinar àquela audiência de “bárbaros” haitianos que eles têm que entender que a democracia é boa porque é. E ainda insistia na falsa relação entre desenvolvimento econômico e democracia. Sim, há desenvolvimento econômico sob condições democráticas, mas isso não tem relação direta. Os casos de Cingapura, no limite, e da China, colocam em xeque esta relação.

O problema era principalmente que o seu discurso demasiadamente didático e que aos poucos revelava uma noção de Estado que se baseia essencialmente na redução do volume e do raio de ação deste. Não considerou o douto professor que nos países latino-americanos o desenvolvimento se fez através do Estado. Que é justamente na capacidade de investimento público que reside o motor do crescimento econômico nos países pobres. Qual seria a saída que ele preconizava para o Haiti?
O mais duro era ainda perceber uma noção evolucionista do desenvolvimento das instituições políticas. Sim, porque uma sociedade só evolui quando atinge um certo patamar que países como a França dele atingiu. Ele nem se prestou a discutir o rescaldo do incêndio pós-colonial que vem estourando nos biddonvilles da França. Que há um problema violento de inclusão que vem colocando em xeque todo o universalismo francês. Como lidar com o particular quando o centro de sua cosmologia é universalista? Deixa estar...
Depois, falou M. Mirlande Manigat, possivelmente futura candidata à presidência. Sua fala se deteve essencialmente na discussão do conceito de governança e o conceito adotado pelo Banco Mundial de “boa governança”. Pouco, apesar de arrancar alguns aplausos e respeitos da platéia. M. Manigat falou que o conceito de governança em si mesmo já encerra uma noção positiva sobre a forma eficaz de gestão pública, blá, blá, blá.

Sinceramente, M. Manigat não me impressiona. Seu sobrenome é de longa tradição no Haiti. É apenas mais uma liderança intelectual que vem das elites, não creio que seja capaz de promover as transformações políticas necessárias ao país, e pelo que conversei com Laeneck, é avessa às alianças políticas. No meu parco entendimento, não é possível governar país algum sem alianças. Aliás, a sensação de que um colóquio desta ordem onde estão ausentes as lideranças da sociedade civil, os partidos políticos, as organizações sindicais e estudantis não me parece que vá muito longe, senão num tipo de diagnóstico impressionista sobre a vida real das pessoas das camadas populares do país.
A fala de Laeneck reflete um pouco das idéias gerais de uma certa corrente de intelectuais do Haiti. Sua argumentação é refinada e muito bem sustentada na grande tradição de estudos sobre a história do país, da cisão entre mundo rural e urbano, que se reflete nos graves problemas da vida urbana de Port au Prince e nos problemas do campesinato haitiano, na imensa tradição sociológica haitiana, da qual ele é um dos grandes autores. Tudo muito bem organizado e argumentado, se eu não sentisse neste caso a ausência de aportes etnográficos, de contato com a vida das ruas das cidades, sobretudo da capital do país, pela qual passamos todos os dias de janelas e portas do carro muito bem fechadas.
Incomoda, sobretudo, o argumento de que o Estado haitiano faz aliança com “bandidos” e “engendra a violência nos bairros pobres de Port au Prince”. Que “tipos como Aristide e Préval são sustentados pela manipulação dos bairros pobres por esses bandidos”. Não sei... Essa idéia de criminalização de certos agentes políticos é muito comum e não dá conta do real problema. É uma estratégia recorrente contra movimentos como o MST e os movimentos urbanos de trabalhadores sem teto. Sabemos claramente o que ela significa: desqualificar o debate político, através da criminalização de certos agentes públicos da sociedade civil.
Uma das comunicações, a despeito de seu título se referir a “uma mudança necessária de paradigmas”, nos dava sensação que o colóquio deixava era justamente de repetição constante de paradigmas consagrados na análise de quadros como “falência do Estado”, “incapacidade de gestão pública”, “descolamento do Estado da vida social e política do país”, etc. Faltava justamente alguém que argumentasse no sentido de discutir, como sugeriu Lygia Sigaud quando esteve aqui, novas formas de regulação social que não passem necessariamente por estes modelos analíticos consagrados. Não se trata de jogar, de maneira chapada, os tipos ideais de estado sobre a realidade e constatar o descompasso entre concepções teóricas e a vida prática.
Enfim, a despeito das críticas, sobretudo pelas intervenções da platéia e as conversas paralelas às falas, em creóle, das quais pude pegar pouca coisa, é um bom exercício de reflexão. Falta, como já disse, incorporar à discussão outros elementos, tanto no campo teórico, quanto e, sobretudo, no campo prático, trazendo para o debate sobre a gestão pública os principais agentes interessados: as organizações da sociedade civil do país.

Na verdade, o que sinto é que faltam lideranças populares que confrontem candidaturas óbvias, como àquelas que já são poder, àquelas que já foram poder e as elites do país, de diferentes extrações. O colóquio foi um bom encontro com uma vida universitária de alto nível, onde os debates se sustentam em argumentos de grande qualidade. E isso não ocorreu nem numa universidade americana ou da Europa, mas aqui mesmo no Haiti. O Haiti é aqui. E tem muito mais coisa do que podemos imaginar de longe.
Abraço

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

No Mercado em Pétion Ville


Voltando aos assuntos mais interessantes deste blog, e não mais falando dos meus desabafos e chorumelas, a manhã de terça-feira acabou sendo uma manhã muito especial, talvez uma das mais legais desde que cheguei.

Enfim, pude sair às ruas não mais no automóvel de meu orientador, mas pegar uma caminhonete (tap tap) e me dirigir ao mercado de rua em Pétion Ville, junto com a cozinheira da casa. Não foi nada de especial, mas foi bom poder andar a pé e me misturar com a gente das ruas, fizemos compras, pude entender muito pouco do que se passava, mas ainda assim valeu muito a pena. Evitei levar a câmera fotográfica, não por temer algo, mas para chamar o mínimo de atenção possível que um blanc (termo em creóle adotado para os estrangeiros) nwa (de noir, negro, como eu) pode despertar nas ruas, com seu (mau) francês cheio de sotaque e sua incapacidade total de se fazer entender em creóle. De qualquer forma, foi bom ir ao mercado, desta vez como um pratik (cliente).

Como já havia dito em outras ocasiões, há de fato uma predominância da presença de mulheres às ruas, no entanto, como já notara muito antes em Jacmel, há de fato homens no mercado, exercendo algumas funções muito específicas, ou parados, observando o movimento, como que controlando algo. Vi, também, homens vendendo especialmente produtos industrializados, roupas, sapatos, cintos, cartões telefônicos e, ainda, relógios e artigos de joalheria.

Como tenho despertado muito cedo aqui, saímos logo após o café da manhã, por volta de umas 7:45 h.. Caminhamos até a saída pelas ruas tranqüilas do elegante bairro de Belvil, para cair na agitação constante da poeirenta Route des Fréres. Esperamos algum tempo até poder pegar uma caminhonete, pois eu e M. Evance precisávamos de dois lugares, elas já vinham todas lotadas ou com apenas um lugar. Aliás, esse negócio dos tap taps é realmente curioso. As pessoas sempre tentam, de modo solidário, dar um jeito de você conseguir embarcar. O difícil é colocar um sujeito de 120 kg e 1,85 m nos estreitos bancos improvisados da traseira de uma caminhonete. As pessoas são quase sempre gentis e generosas, lhe ajudam a subir, a se acomodar, seguram crianças no colo, carregam bolsas. Algumas fazem caretas e sinais de reprovação, mas nem por isso deixam de ajudar. Pa gen place, não tem lugar, dizem, mas tentam, de todo jeito, te ajudar a embarcar.

Enfim, conseguimos embarcar numa delas. Tive a impressão (que se confirmou depois, quando fui com M. Evance a um supermercado na Rt. Delmas) de que praticamente todas as caminhonetes que passam pela Rt. des Fréres vão mesmo para Pétion Ville. Há uma saída que vai para a Rte Delmas, antes de chegar à estação final, que fica defronte ao cemitério. Algumas delas têm escrito na porta da frente o percurso, mas a maioria não. O preço da viagem é baratíssimo 7 gourdes. A subida até Pétion Ville segue pela rota esburacada e poeirenta, sacudindo as pessoas na caçamba do veículo. O trânsito é lento, marcado pelos inúmeros blokis (engarrafamentos), mesmo que se saia de cas muito cedo.

Já havia feito esse percurso uma vez, com Frantz (conto esta história no blog antigo
http://aityannuvel.zip.net/arch2006-12-17_2006-12-23.html ), e me lembrava bem de como chegar à Pétion Ville. Até caminhamos pelo mercado, mas sem o objetivo de comprar nada, diferente desta vez, quando estava com M. Evance, a cozinheira. Ela ia fazer algumas compras que serviriam à preparação do almoço do dia. Disse-lhe que queria ir para comprar algumas frutas, corrossol, que pelo que parece é o nome da graviola em terras haitianas, pois havia tomado o suco na minha ida à Librérie Pleaide, na quinta-feira passada, zoranj, as laranjas, e conhecer um pouco do mercado.

Seriam necessárias algumas muitas idas diárias ao mercado com M. Evance para compreender minimamente o caminho que fizemos, porque compramos certas coisas aqui e não lá, e outras tantas lá e não aqui, como ela negocia os preços, até onde pode se negociar e o jogo de cena necessário para conseguir baixar um preço, enfim, toda a mis en scéne do mercado de rua. Uma das primeiras lições é que não há “idas diárias ao mercado”, vai-se quando se tem necessidade, quando é preciso comprar alguma coisa específica. E M. Evance havia me dito que precisava ir comprar cebolas, principalmente, mas lá veríamos o que mais houvesse para comprar, como de fato ocorreu.

Saltamos do tap tap no final da Rt. de Fréres e seguimos à direita lateralmente ao cemitério. A via muda de nome para Rue Métélus quando continua subindo em direção à Place Boyer, a Fréres acaba justamente ali, na esquina com Delmas, na estação dos tap taps, próxima à entrada principal do cemitério. M. Evance ia rápido, à frente, e ora me chamava atenção para tomar cuidado com os carros: Attention machine la a!

Entramos por uma rua com chão de terra batida, e muita gente com seus produtos pelo chão. Algumas pessoas vendiam peixes e siris, e tais produtos atraíam verdadeiras nuvens de moscas. É difícil não sentir certo desconforto com a visão dos peixes à venda cobertos pelas moscas... Além dos peixes, muitos produtos que se repetiriam adiante: cebolas, pimentas, pimentões, cabeças de alho, alguns legumes e muitos feijões, principalmente o vermelho de grão grande e os verdes em vagens que eram debulhadas na hora em que passávamos pelas mulheres. Vi, quase que imediatamente, os primeiros homens trabalhando no mercado, vendendo relógios e peças em prata ou aço (ou algum metal qualquer, prateado), pulseiras de todos os tipos, alguns pingentes, anéis e correntes.

Vi também algumas “barracas” (por assim dizer, posto que a maior parte dos produtos fica exposta no chão sobre um pano, peneira em palha trançada ou saco de aniagem) que vendiam óleo de soja, diversos produtos industrializados, como sabonetes, colônias, xampus e outros de cozinha: sardinhas em lata, leite em pó, aqueles pequenos caldos em cubo para tempero. Uma constelação de coisas que impressiona o olhar. Íamos rápido, mal podia parar para reparar as coisas. Em dado momento, depois de passarmos por várias pessoas vendendo cebolas, M. Evance parou. Conversou algo com a vendedora num creóle que mal podia entender, estava comprando pimentões. Quando consegui começar a entender, ela dizia à vendedora que estava caro. Repetia que tudo no Haiti é caro, e oferecia um valor pelo lote de pimentões. A vendedora retorquia, colocando mais pimentões e renegociava o preço.

A primeira impressão diante da cena é que nos mercados de rua nada tem preço fixo. Tudo está aberto para a negociação. Há um jogo entre cliente e vendedor onde o preço tem que ser negociado, não há outro caminho. O preço é jogado para cima pelo vendedor e atirado a baixo pelo comprador. É numa espécie de média, que se relaciona com a quantidade comprada e o preço oferecido que se encontra o preço ideal. É importante ter atenção com o fato de que os produtos existem em abundância em todas as demais “barracas” e que seu preço acaba não sendo determinado pela raridade ou exclusividade do produto, mas exatamente das relações entre o comprador (que suponho ser um cliente habitual) e o vendedor. Digo isso porque foi curiosa a forma que circulamos pelo mercado até parar naquela vendedora específica.

Pelo fato de termos passado por diversas pessoas que vendiam as mesmas coisas e sequer M. Evance ter se dado ao trabalho de examinar o seu preço, acabei deduzindo que ela prefere certos produtos com vendedores específicos, sobretudo àqueles que ela saiu de casa com o objetivo de comprá-los, no caso, as cebolas. Percebi depois, quando compramos um abacaxi, que certos produtos são comprados exatamente por essa relação de confiança com o vendedor.

Como me disse a ela que queria comprar frutas, volta e meia parávamos para cotar preços. A certa altura paramos diante de uma vendedora para comprar graviolas. A negociação começa: douz dolá (lembro aos leitores que aqui falamos de dólares haitianos
http://aityannuvel.zip.net/arch2006-12-10_2006-12-16.html ), diz a vendedora. Twa dolá, responde M. Evance, a vendedora ri e diz algo como “madame está louca?”, e responde, imperativamente, com outro preço, diz dolá! M. Evance não cede, e esponde firme: kat dolá! A vendedora repete, diz dolá! M. Evance faz menção de ir embora, rindo, responde à vendedora algo do tipo: Louca está você! Senk dolá! A vendedora cede: néf! M. Evance permanece firme e sai da barraca: senk! Quando parece que a negociação se encerrou com a partida de Evance, a vendedora chama-a, e diz: uit dolá. Evance enfim cede e diz, dako! A negociação está encerrada: a vendedora consegiu vender seu produto e a compradora compra-lo. Ambas parecem sair satisfeitas.

Esse jogo ocorre muitas vezes, pois hoje mesmo (quinta feira) fomos à rua novamente e disse-lhe que precisava comprar um rádio para ir treinando os ouvidos para aprender creóle. Havíamos ido ao supermercado Caribbean, do qual falarei uma outra hora, pois se trata de uma verdadeira sucursal da ONU e da cooperação internacional no país, na volta, estávamos na Route des Fréres para retomar o tap tap de volta à Belvil, quando vi um sujeito na rua vendendo vários rádios diferentes. Perguntei a M. Evance se podia comprar ali, ela perguntou o preço, e daí, nova negociação e de novo o jogo de desdenhar o produto, enfim, a mesma mis-en-scéne que marcou a situação anterior. Acabamos no fim das contas comprando baixando em 50 gourdes (dez dólares haitianos) o radinho de pilha que custaria 200 gourdes.


Fizemos uma espécie de percurso circular, que começa pela via de terra batida e desemboca na Rue Geffard. Seguimos por ela até a Rue Grégoire, nos misturando aos veículos de passeio e tap taps que circulam por Pétion Ville e quevão ao centro de Port au Prince pela Rt. Panaméricaine, pois a “estação” dos tap tap fica exatamente defronte ao posto de gasolina National na esquina entre estas e a Rue Rigaud pela qual seguimos até chegar à Rue Magny que desemboca no Posto Texaco do fim da Rt. Delmas. Descendo por esta, até a porta principal do cemitério, onde fica a estação dos tap tap para descer a Rt. des Fréres. Ali pegamos a condução de volta à Belvil.

Já havia circulado pelo mercado de Tét Boeuf e pelo Marche en Fer, do qual tirei fotos do Blvd. Jean Jacques Dessalines, de onde se podia, nas fotos, ver o mercado de rua nesta área de Port au Prince. Mas quanto mais se chega perto de um mercado, mais impressionante ainda ele se torna, mais sedutor. Não estou exotizando as coisas, nem muito menos as romantizando, pelo contrário, são nestes mercados que vamos encontrar os grandes sinais da miséria daqui, os reflexos de problemas imensos com a gestão da coisa pública pelo Estado e pela Sociedade haitianos (uso o termo sociedade, pela falta de um termo melhor para dar conta do que quero falar). O imenso acúmulo de lixo e a ausência de uma coleta organizada, o caos do trânsito e a constante ameaça de atropelamentos, um quadro que serve justamente para pensar com muita propriedade diversas questões sobre a vida urbana, a vida social haitiana, sua política, sua economia, enfim, a tal constelação de coisas que um mercado de rua coloca de maneira indecifrável diante de nossos olhos.

Beijo enorme,




P.S.: Sofrendo à distância com o Flamengo... Conto depois de minha ida, nesta quarta passada, à Jacmel. A foto, como já expliquei, não foi tirada em Pétion Ville, mas em Jacmel, e serve para dar uma idéia dos mercados de rua do Haiti.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Longe de Casa


Para Kátia Apostólico, minha irmã de Oxum

Hoje à tarde aconteceu uma situação curiosa.

Muitos amigos têm acesso a mim através do site de relacionamentos Orkut, que acaba se revelando uma ferramenta útil, pois lá tenho conseguido postar minhas fotos com relativo sucesso, recebo recados e mensagens rápidas das pessoas, comentários sobre as fotos... Enfim, é um meio rápido de estar em contato comigo e de saber notícias.

Pois bem, pelo Orkut realmente é difícil para as pessoas tomarem conhecimento das condições daqui do Haiti, de como estou vivendo, quais as dificuldades que enfrento quais os meus problemas de adaptação, com a língua (aliás, as duas línguas, o creóle e o francês), a comida, as pessoas, o dia a dia.

Para poder falar com os amigos, ao mesmo tempo com todos eles, e em especial com alguns, criei este blog, onde procuro mandar notícias daqui, fazer comentários, referências ao meu dia a dia. Lembrei-me, aliás, das lições de meu professor e amigo Marco Antônio da Silva Mello e de uma conversa com outro amigo e seu orientando, o Zé Colaço, quando falamos do Sznanieck e das cartas sem destinatário. São cartas abertas, registros que podem ser para uma única pessoa ou para várias delas, escritas para registrar as nossas experiências e deixar algo para as gerações futuras.

Nem de longe é esta a minha pretensão (deixar um registro para as gerações futuras), quero apenas me valer deste recurso tecnológico para estar em contato com todas as pessoas conhecidas.

O fato curioso é que, em meio à querela virtual que acontecia entre eu e uma amiga, onde explicava os problemas da falta de energia, a conexão oscilante, o acesso intermitente à internet, eis o que acontece: acaba a energia. Estabelecido o mal-estar, não havia nem chance de eu tentar explicar exatamente o que estava acontecendo: ficara sem energia elétrica e com isso, a despeito da bateria do meu notebook permitir que eu continuasse escrevendo normalmente, a conexão da internet caiu. E o dado engraçado é que continuei tentando escrever as mensagens, até que me dei conta, quando a página da internet não respondia, que faltava energia.

Lamentavelmente não pude deixar claro para essa amiga que o problema não é e nunca seria com ela, de quem gosto muito, mas comigo mesmo, com os problemas variados que venho enfrentando aqui, e que de alguma forma, meus nove leitores (espero que ela agora se incorpore a eles, completando uma dezena) têm pleno conhecimento.

Portanto, peço aos amigos que demandam notícias ou um contato mais pessoal e menos indireto, menos “seco” que uma mensagem curta, ou menos “frio” do que este se faz através de um blog aberto, um pouco de paciência comigo e com a demora nas mensagens e nas respostas, pois algumas vezes eu tenho precisado de três ou quatro tentativas para enviar um e-mail, scrap ou recado qualquer. Não sei o que se passa, a minha conexão está ruim, e não tenho tido sorte algumas vezes. E ainda podem ocorrer situações como esta do momento em que escrevo esta mensagem: estou sem energia elétrica.

Isso também me leva a falar de uma questão ainda mais pessoal...

No dia em que parti para cá, estava em casa, aguardando a hora de ir para o Aeroporto. Minha irmã Ana Maria, animada com o carnaval acabara de chegar lá em casa para se despedir. Queria me animar, me estimular porque eu estava partindo para uma experiência única, especial em minha vida. Naquele dia, no entanto, fora assaltado por duas notícias que me deixaram muito triste. A primeira era a morte de um ogã do Terreiro Pilão de Prata, o Roberto, de câncer. Roberto fora um grande amigo e um excepcional informante de minha dissertação de mestrado. Com ele tive grandes conversas e tinha por ele o carinho especial que temos por um grande amigo. Não o via desde agosto de 2005, antes de minha defesa, mas sempre guardava por ele um especial afeto e por sua esposa Bernadete, alguns dos bons amigos que fiz em Salvador.

Mais tarde, ainda um pouco antes de minha irmã chegar à minha casa, recebi a segunda e dolorosa notícia: a morte de Iyá Nitinha. Acho que só falo agora dessas coisas porque tenho a impressão de que, desde a morte do meu pai, procuro anestesiar os meus sentidos para ir digerindo aos poucos essas perdas. Não posso dizer que fosse amigo dessa grande dama, pelo contrário. Era um dos seus muitos “filhos”, na verdade, filho de um filho seu. Mas sempre que estivemos juntos, ela me tratou com carinho e deferência especiais, aquela que ela sempre teve pelos “filhos de Papai Flávio”. Lembro-me de um episódio, quando ainda dava meus primeiros passos no candomblé, há pouco mais de uma dezena de anos, quando uma irmã de santo de meu Pai Flávio falou a ela da cor dos meus olhos, e disse a ela que eles eram lindos. Em respeito a uma velha iniciada, aprendi que jamais deveria olhar nos olhos dos mais velhos, portanto, me mantinha sentado no chão, em uma esteira, de cabeça baixa, quando ela me disse com seu sotaque baiano e a voz fininha quase sem sair: “Levanta a cabeça menino, deixa eu ver teus olhos... Vixi, num é que são bonitos mesmo?”. Essa é a lembrança mais doce que guardo desta grande senhora, Minha Mãe Nitinha da Oxum.

Bem, o fato é que minha irmã, no seu esforço em tornar um pouco mais alegre a minha despedida, acabou ficando chateada com meu pouco humor e distanciamento das coisas. Quando fizemos algumas fotos, e depois pude ver na câmera digital, a minha cara estava horrível. Conversamos pelo Skype no domingo e quando ela viu as fotos, uma delas feita por mim dentro do avião, ela disse: “Puxa, até que enfim um sorriso!”. Depois expliquei a ela que, além de toda tensão que uma partida pelo longo tempo impõe, para um país diferente, para realizar um trabalho que nunca podemos ter certeza de que caminho vai seguir, enfim, todos os problemas que envolvem uma partida para o campo, fora assaltado pela notícia da morte de duas pessoas queridas. Não havia como sorrir naquele momento, naquela noite.

Às vezes, não é fácil, mas é preciso tentar se colocar no lugar do outro para entender o que se passa.

Sei que isso não passa de obviedades, mas elas às vezes são necessárias para que fique claro para os outros o lugar de onde estamos falando. Antropólogos têm sempre que estar atentos ao lugar de onde se diz e como se diz algo. Por vício de profissão, procuro sempre fazer isso, mas também por má formação, acabo exigindo também que os outros façam o mesmo...

Beijos a todos

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Mais fotos




Nestas fotos, a simpática recepcionista e minha amiga de outras vindas ao Haiti, Neerland, ao lado do Prof. Hurbon, e as outras acomdações.


Acho que isso dá para ter uma boa idéia do Institut.


Abraço a todos



Mais fotos do Institut




Mais um pouco das instalações do Institut.

Acima, a cozinha do Institut, preparada para receber os estudantes e pesquisadores que morarão por lá.
Na segunda foto, os fundos da casa, as janelas dos quartos e uma pequena varanda que liga os dois quartos, voltada para os simpáticos jardins da casa.
E a terceira foto, uma sala de reuniões bem ampla e iluminada.

Abração a todos

Visita ao Institut de Recherche Social d'Haïti




Após quase uma semana no Haiti, a despeito das muitas fotos que tirei, estava em dívida com algumas pessoas. Principalmente a equipe do Nucec que acompanha de maneira assídua este blog (lá estão pelo menos três dos meus nove leitores diários). Devia a eles informações sobre o Institut, sobre o que havia achado do lugar, sua localização, enfim, coisas básicas, mas importantes para que a equipe saiba exatamente como e onde vai se instalar.
Em primeiro lugar, o espaço é realmente excelente, encantador, eu diria. Nada muito grande ou exagerado, diria que na medida certa para o trabalho. Acho que carece de uma melhor divisão do espaço para realização de aulas ou seminários, mas de qualquer forma, a sala principal serve para conferências e há uma outra sala, que pode servir para reuniões.
Como se trata de uma casa, que certamente seria uma moradia, a estrutura das acomodações é mais do que excelente. Camas grandes, espaços arejados e bem iluminados, mesas de trabalho, um conforto incrível, de fazer inveja a um bom hotel e muito superior a qualquer albergue. São três quartos: um deles dispõe de três camas e um banheiro, além de um pequeno closet onde os ocupantes do quarto podem colocar as suas coisas. As camas dispõem de cabeceiras com pequenas estantes, que permitem deixar próximos, os livros e pequenos objetos. Há um segundo quarto, para uma única pessoa, com armários, sem banheiro. O banheiro, que serve a este quarto e ao terceiro e último, fica no corredor. É bem espaçoso, pois tal como o outro, permite servir às pessoas que ficarem neste e no outro quarto, que dispõe de duas camas do mesmo tipo das outras, além de uma escrivaninha, a ser compartilhada pelos dois ocupantes do quarto.
A casa fica a pouco mais de 700 m da entrada da Route Delmas 83 (a referência é um posto de gasolina Texaco), no número 7 – 8 da Ruelle Eucaliptus. Nesta esquina há também um supermercado, o Eagle Supermarket. Entrando pela Delmas 83, segue até a Ruelle Balmir, entra na Ruelle Cignone, a primeira à direita é a Ruella Eucaliptus. Não é difícil vindo de Pétion Ville, descer de tap tap pela Delmas, saltar no posto Texaco e andar. Subindo de Port au Prince, pegar um tap tap que suba do Centro pela Delmas.
De fato, a casa é um pouco afastada do movimento da cidade, mais próxima a Delmas do que de Port au Prince, porém, compensa pela estrutura e segurança.
A casa não dispõe de gerador, mas tem um inversor, que atende bem às condições necessárias ao trabalho. E ainda, segundo me informaram, vai dispor de internet wireless e de um vestíbulo, onde vão instalar uma TV a cabo.
O que ainda incomoda também é o pouco movimento, aliás, quase nenhum movimento no Instituto. Não há estudantes e as atividades estão restritas aos seminários que ocorrem lá. Esta semana vai haver um seminário sobre cultura e violência.

* * *

Os temas da violência e da cultura autoritária parecem uma obsessão do grupo ao qual me encontro próximo no Haiti. Há de fato uma grande preocupação com a situação do país, que avançou bastante deste a primeira vez que aqui estive. Os kidnapping não são mais o tema preferencial da imprensa local e os problemas são muitos. Mas não se fala mais tanto na violência como se falava antes, embora ela pareça um tema subjacente à qualquer conversa.
Ontem, no almoço, conversando com um grupo de pessoas, em sua maioria críticos ao governo Préval/Aléxis, um deles comentou em defesa de Préval que nunca havia ocorrido no Haiti um período tão longo sem crises institucionais. Objetaram a ele, no entanto, que tal “estabilidade” se deve à presença da Minsutah, e que nunca poderá haver eleições livres enquanto Préval e o os lavalassianos estiverem no poder. Aliás, o que se disse, claramente, é que não há eleições livres no Haiti.
Aliás, sobre as próximas eleições presidenciais, levantou-se a hipótese da candidatura de Mirlande Manigat, jurista e especialista em relações internacionais, uma importante intelectual do país. Sobre sua candidatura, disseram que ela teria poucas chances, devido ao intenso controle que Préval teria sobre a máquina pública e o fato de que as eleições no país jamais serão limpas sob o atual sistema. Sugeri que o sistema de voto eletrônico no Brasil têm sido adotado como um sistema capaz de evitar fraudes, mas um dos meus interlocutores ignorou isto, dizendo que no Haiti não é possível implementar tal sistema.
Causa atenção, aliás, o interesse que qualquer haitiano médio tem sobre política.
Onde estou hospedado, por exemplo, todos os dias meu anfitrião conversa sobre política nacional com sua cozinheira, que emite suas opiniões com bastante autonomia e propriedade. Da última vez que estive no país, conhecemos Bob, um ativista e artista que além de demonstrar grande conhecimento do quadro político mundial em que se insere a Minustah (Missão de Estabilização das Nações Unidas para o Haiti), fazia ligações entre a história da formação do Haiti como país e a atual crise.
No aeroporto da cidade do Panamá, fiquei próximo a um grupo de quatro jovens que se entretinha em acalorada discussão sobre a situação econômica do país. Um deles, com o qual travei contato, era de Jacmel e era músico. Um outro, com quem conversei mais tarde, já dentro do avião, vinha do Brasil, de São Paulo, onde estuda turismo e falava português, a estes se juntavam ainda duas religiosas e uma jovem senhora, que vez por outra emitia alguma opinião. Outros, em volta, participavam com os olhos e às vezes com meneios com a cabeça, ora concordando, ora discordando. Interessante que independente de suas formações educacionais ou posição social, todos eles discutiam sobre a política local.
No almoço de ontem, além da sucessão presidencial local, que será daqui a três anos, o tema principal era a disputa entre Barack Obama e Hilary Clinton pelo posto de candidato à presidência dos EUA pelo partido democrata. A maioria das pessoas se encanta com Obama, e acha que ele realmente vencerá as prévias. Em tom de gozação, a dona da casa sugeriu que, uma vez que os EUA são os donos do mundo, todo o resto do mundo devia votar, para escolher seu presidente. Provocativamente, objetei que, a despeito de Obama vencer as prévias, isso não garante que ele derrote McCain, provável candidato republicano, e que os EUA devem ter mais medo de um negro democrata na presidência do que de uma mulher. A crença geral, no entanto, é de que Obama vá vencer não apenas as prévias, mas a eleição presidencial, embora se imagine que ele não vá ganhar na Flórida, estado que foi decisivo na vitória de George Bush.
Na verdade, já havia notado isso antes, e da última vez que estive aqui, todos estavam com a atenção voltada para a eleição na França, que deu a vitória a Nicolas Sarkozy, em maio de 2007. Parece estranho dizer, mas as pessoas aqui parecem muito mais antenadas ao mundo do que se pode imaginar e o debate político afeta realmente o dia a dia das pessoas.
Como já disse repetidas vezes, o Haiti é um país especial, com uma história e pessoas muito especiais...

Abraços a todos,
Triste com o sacode que meu Mengão levou, mas cheio de fé para a Libertadores e que vamos vencer a Taça Guanabara.



P.S.: Para os supersticiosos e para provocar a massa de incrédulos, lembro que no ano passado, antes de ganharmos a Taça Guanabara, também tomamos um "sapeca iaiá" de um tricolor, que fez a final conosco, chegou a ganhar o primeiro jogo... Mas no final do filme, o mocinho sempre vence, MENGÃO CAMPEÃO DA TAÇA GUANABARA DE 2007... Não duvido nem um pouco que em 2008 as coisas serão do mesmo jeito.

Sa k pase?

Conversando com meu irmão Duda, que é designer (http://www.derblidesigner.com.br/), pelo MSN, disse a ele que qualquer um sujeito, por mais débil mental que seja, de posse de uma câmera digital, este asno ganha ares de um verdadeiro Sebastião Salgado.
Esse seria o meu caso específico... Não um Sebastião Salgado, mas um asno com uma câmera digital.
Criei um fotolog, apenas para registrar (ou no popular, rezistrar) alguns de meus delírios ou cliques (nada) geniais. De qualquer forma é um outro lugar para ver fotos.

http://www.fotolog.com/joserbaptista

Quem quiser dar uma olhada...

Abração

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Frustrações de um blogueiro e a prisão domiciliar


Na postagem anterior andei discorrendo sobre as dificuldades de uma casa nova. Mais do que nunca, ter acesso a uma ferramenta como um blog e infelizmente, por conta da conexão, da minha máquina ou do diabo que o carregue, não conseguir colocar aqui os mapas e fotos que eu queria, além do vídeo apresentando as instalações do Instituto me deixam absolutamente frustrado.


Não bastasse isso tudo, encontro-me imobilizado em Belvil, um aprazível recanto que muito pouco tem a ver com a maioria das fotos que fiz e alguns viram. Por conta do excessivo zêlo de meu anfitrião e orientador haitiano, infelizmente ainda não pude circular sozinho pelas ruas de Pétion Ville, Delmas e Port au Prince, nem muito menos me dirigir ao meu destino final, Jacmel, a aprazível capital do Departamento Sudeste, onde realizarei minha pesquisa.



Está realmente difícil.


Quando percebo que tal zêlo com estrangeiros é um comportamento quase natural, fico ainda mais irritado. Estou aqui para fazer uma pesquisa de antropologia, o que me concede algum direito de correr certos riscos: falar com as pessoas, ser abordado por tipos estranhos, circular pelas ruas chamando atenção por ser (de fato) diferente das pessoas... Enfim, algumas coisas que acabam acontecendo quase de maneira natural em qualquer percurso de pesquisa de campo.
Desculpem o mau humor... Mas é que as coisas não estão (ainda) ocorrendo como eu queria que fossem, ocorrendo como eu projetei antes de vir para cá.
Não é nenhum inferno.
Aliás, falar em inferno me leva à ruas pelas quais tenho circulado mais como um passante do que como um flaneur...
* * *
Muita gente que pode ver as fotos através do Orkut (dica para ver as quase 140 fotos que já disponho) têm me falado que se assustou com a pobreza daqui. Ela é de fato assustadora à primeira vista, pois talvez quem mora num centro urbano realmente não tenha a oportunidade de ver em regiões mais pobres do norte e nordeste do Brasil, as condições em que vivem algumas pessoas.
Um grande amiga, após ver as fotos, falou que as coisas aqui dão a impressão de que o tempo parou, eu lhe respondi que a gente podia fazer o exercício de pensar que o tempo justamente andou para a frente, para o futuro da humanidade. Disse isso num exercício de reflexão sobre as mazelas que atingem este país, que elas parecem estar no futuro projetado por alguns estudiosos: pobreza generalizada e concentração de renda nas mãos de uma minoria, desemprego crônico, crises institucionais, escassez de água e de energia (ontem circulamos por mais de cinco postos de gasolina para conseguir abastecer o carro), falta de energia elétrica, desmatamento das florestas e ausência de definição entre as estações, desertificação de algumas áreas, esgotos e lixo incontroláveis... Nossa! Será tudo tão ruim assim?
Não me parece. No entanto, não podemos tapar o sol (intenso aqui, em pleno inverno, máxima de 33° e a mínima em torno de 22°) com a peneira. São graves os problemas por aqui. Mas costumo pensar, com ar de esperança, que se pudermos resolver alguns destes problemas aqui, no resto do mundo será muito mais fácil. E tem solução.
NO século XIX, com sua revolução escrava, o Haiti apontava para o futuro de todas as transformações que viriam. Aqui se fez um projeto radical em torno dos direitos do homem. Enquanto a Revolução de 1789 tornou livres os homens brancos, dando-lhes o direito de votar e escolher, no Haiti fizeram-se livres todos os homens, independente de sua cor. Aqui foi o primeiro sopro da modernidade e, ao mesmo tempo, o lugar onde a modernidade parece ter levado mais tempo para chegar.
Não seria talvez daqui que pudessem vir as soluções necessárias para um monte de problemas que afligem o mundo?
Por acaso, quando despertei hoje, caiu em minhas mãos um livro do Dr. Pradel Pompilus, um importante intelectual e escritor haitiano, chamado "Profils de Grands Écrivains Haïtiens" (Perfis de Grandes Escritores Haitianos). Neste livro pude ler os perfis de três autores que me chamaram grande atenção quando da minha primeira vinda ao país e que resultaram até em uma comunicação que apresentei no X Fábrica Idéias, sobre Antenor Firmin e Jean Price Mars. O terceiro, ainda não fiz muitas referências, mas entendo que seu papel pode ter sido fundamental no debate do século XIX contra as teorias racistas de Gobineau e de Paul Broca: Louis Joseph Janvier, ao lado de Firmin.
Estes autores nos reportam a algumas idéias importantes sobre a tradição intelectual do Haiti e seu papel de vanguarda, antecedendo mesmo movimentos importantes como a Négritude, e intelectuais e ativistas como Sédar Senghór, Aimé Cesaire e Franz Fanon. Price Mars é conhecido como o pai da Négritude, tendo inspirado fortemente Cesaire. Mas retrocedendo ainda mais no tempo as figuras de Firmin e Janvier merecem um especial destaque, um olhar que a sociologia dos intelectuais ainda não fez e, com efeito, podemos perder muito da clareza sobre a luta contra o preconceito de raça no mundo.
Uma breve citação de um texto de Janvier:
]"Pour moi - et j'ai déja expliqué tout ao long dans ma "Republique d'Haïti et seus visiteurs" - tous les Haïtiens sans exception sont dés nègres. Par conséquent il est absurde et pueril soutenir, d'insinuer même que j'établis des distinctions de couleur entre les Haïtiens.
Il serait désirer qu'un Haïtien, quelle que soit la couleur de sa peau, écrivît, spécialiment pour son pays, un livre court et précis où il serait demontré que le mulâtre est un hybride e qu'il n'existe pas la race mulâtre; que noirs e mulatres devaient vouloir se qualifier nègres".
Janvier, Louis-Joseph (1884) "Les Affaires d'Haïti"
O brilhante autor haitiano, ainda no século XIX, demonstra uma lucidez que tem faltado a certos intelectuais brasileiros contemporâneos...
Que estranho país este, que pode se dar ao luxo de ter um intelectual desta estatura e ao mesmo tempo viver em permanente crise social e econômica????
Para pensar...
Abraços
P.S.: Ansioso pelo Fla x Flu... Pena não estar por aí...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Sobre Toussaint Louverture e as dificuldades de nova casa...


Toda mudança implica numa readaptação ao novo espaço.


Com um blog não é diferente. Acostumado ao blog do UOL, com o formato e os recursos, ainda não encontrei o ponto aqui. Por isso na postagem sobre o Aeroporto Toussaint Louverture a coisa ainda ficou meio estranha, principalmente por causa das fotos.


Mas tudo bem... Daqui a pouco eu me adapto bem por aqui e tudo caminhará numa boa.


A propósito, falei muito do nome de Toussaint Louverture (ou Loverture, ou ainda, L'Ouverture - já encontrei as três grafias), mas não cheguei a dizer quem foi ele.


Isso nos remonta à história da Independência da Ilha de Saint Domingue, chamada pelos nativos de Quisqueya ou Ayïti. A bela história da independência deste país, realizada por uma revolução feita pelas massas escravas, os bossales. Toussaint foi um dos grandes líderes desta revolução, um hábil general que conseguiu com uma estratégia baseada em combates de curta duração e guerrilhas derrotar o poderoso exército de Napoleão Bonaparte, liderado por seu cunhado Leclerc, marido de Pauline Bonaparte. A história da revolução haitiana pode ser encontrada no livro de C.L.R. James, Os Jacobinos Negros: Toussaint L'Ouverture e a Revolução de São Domingos, editado pela Boitempo Editorial. O livro pode ser encontrado na excelente livraria Folha Seca, dos meus amigos Daniela e Rodrigo (Rua do Ouvidor, 37 - tel 2507-7175).


Citando o prefácio à primeira edição do livro:


"Essa foi a única revolta de escravos bem sucedida da História, e as dificuldades que tiveram de superar colocam em evidência a magnitude dos interesses envolvidos. A transformação dos escravos, que, mesmo às centenas, tremiam diante de um único homem branco, em um povo capaz de se organizar e derrotar as mais poderosas nações européias daqueles tempos é um dos grandes épicos da luta revolucionária e uma verdadeira façanha. Por que, e como, isso aconteceu é o tema desse livro.

Devido a um fenômeno observado com freqüência, a liderança individual responsável por essa proeza singular foi quase que totalmente trabalho de um único homem: Toussaint L'Ouverture. Beauchamp, na Biographie Universelle, chama Toussaint L'Ouverture de um dos mais notáveis homens de uma época repleta de homens notáveis. Ele dominou desde a sua entrada em cena até as circunstâncias retirarem-no dela. A história da revolução de São Domingos será, portanto, em grande medida, um registro das suas façanhas e da sua personalidade política. O autor acredita, e está convicto que a narrativa comprovará, que, entre 1789 e 1815, a exceção do próprio Bonaparte, nenhuma figura isoladamente foi, no cenário História, tão bem sucedida quanto esse negro, que havia sido escravo até os 45 anos de idade. Contudo, não foi Toussaint que fez a revolução, foi a revolução que fez Toussaint, e mesmo isso não é toda a verdade". (C.L.R. James)


Bem, acho que isso resume um pouco da importância do papel de Toussaint, e nos fornece alguma idéia de quem foi ele.


Então é isso...